Uma investigação publicada esta terça-feira pelo Financial Times revela que, desde 2010, três das chamadas ‘big four’ – o grupo das maiores empresas de auditoria do mundo, que inclui a KPMG, a Deloitte, a PwC e a EY – não fizeram soar qualquer sinal de alarme em 75% dos casos em que companhias britânicas foram à falência.
Ora, essa é precisamente a sua função: monitorizar a atividade de cada empresa que as contrata, e dar conta, ao mercado e às autoridades reguladoras, dos potenciais riscos.
Segundo o material publicado pelo Financial Times, que cita um relatório do Audit Reform Lab, da Universidade de Sheffield, três em cada quatro relatórios destas auditoras não dava conta de qualquer problema na atividade das companhias que acompanha. Os investigadores analisaram os relatórios de auditoria das 250 maiores empresas cotadas, que colapsaram entre 2010 e 2022 e chegaram à conclusão de que a EY só fez soar alarmes em 20% das empresas que auditou (uma em cada cinco). A PwC, a Deloitte e a KPMG fizeram avisos em 23%, 36% e 38% dos casos, respetivamente.
Fora do grupo das ‘big four’, os resultados são ainda piores: apenas 17% dos relatórios de auditoria tinham avisos relativamente à atividade das empresas auditadas.
“Há sérias preocupações sobre o facto de as auditoras não estarem a pressionar o suficiente” as empresas, lê-se no relatório citado pela publicação económica. “Das 250 empresas que faliram, 38 declararam ter distribuído dividendos no último exercício. Dez delas fizeram isso apesar de terem registado perdas, e duas . . . fizeram-no apesar de reportar perdas e de terem um balanço financeiro negativo, o que é um forte indicador de risco de insolvência.”
O relatório foi tornado público dias depois de tanto a PwC como a EY terem recebido, por parte do regulador, multas multimilionárias devido ao facto de terem falhado na auditoria ao London Capital & Finance, o grupo de investimento que caiu com estrondo no meio de um dos maiores escândalos financeiros dos anos mais recentes, naquele país.
O órgão que regula as atividades de consultoria no Reino Unido, o Financial Reporting Council, tem pedido uma alteração na legislação que permita um controlo mais apertado da atividade, para garantir que as irregularidades não compensam. Até agora, as multas aplicadas pelo regulador têm sido tão diminutas, em termos de valor, que não causam constrangimento suficiente para dissuadir as auditoras destas práticas. O que tem acontecido, basicamente, é que as empresas de auditoria têm entregado informação financeira falsa ao regulador, o que tem compensado em termos financeiros – sobretudo porque não lhes tem acontecido nada mesmo quando as suas clientes declaram falência.
Os dados agora revelados pelo Financial Times confirmam uma tendência que tem sido verificada em muitos países, onde o papel das auditoras tem sido muito questionado, tendo em conta as sucessivas falhas nos sistemas de deteção de risco das empresas.
Em Portugal, o caso mais mediático foi o da queda do BES – auditado pela KPMG, que regressa agora à auditoria bancária tendo sido contratada pelo BCP -, que viu os vários relatórios de gestão serem aprovados pelos reguladores, mesmo antes da estrondosa queda que levou á sua resolução, em agosto de 2014.