Portugal está melhor, os indicadores económicos e sociais dos últimos anos assim o atestam, mas é preciso não esquecer que “a incerteza é o principal inimigo da economia. É quase tão má como as políticas más”, salientou Ana Fernandes, professora associada de Economia no ISEG durante o painel “Novo Governo, nova economia?” da conferência Girl Talk, organizada pela Exame, que decorreu em Lisboa na quinta-feira, 16.
São muitos os estudos que mostram que “em anos de eleições, as empresas investem menos, adiam projetos, esperam para ver”. Fica tudo parado porque “o ciclo político tem efeitos reais na economia”. Além disso, “temos a incerteza económica, não sabemos como é que a economia vai evoluir”, assim como a incerteza a nível internacional, que resulta “das guerras e das eleições, nomeadamente nos EUA”. Mas, para esta economista, o fator mais importante para Portugal vai ser a evolução das taxas de juro. Atualmente, “estão muito elevadas, e a economia precisa de estímulo”, sentenciou. A dúvida é saber como é que o novo governo vai aproveitar a esperada baixa das taxas de juro por parte do BCE.
Recém-regressada do Reino Unido, onde deu aulas durante 20 anos, Ana Fernandes aludiu à sua experiência internacional para alertar para os efeitos da política monetária sobre um grupo social que designou por “healthy hand-to-mouth” (ricos da mão para a boca, em tradução livre). “São pessoas com rendimentos elevados, com riqueza, mas uma riqueza que é ilíquida, porque assume a forma de uma habitação”. Ora, quando recebem o salário, acabam por gastar o dinheiro praticamente todo na prestação da casa, nas mensalidades das escolas dos filhos, etc. Por isso, quando o governo aplica medidas como uma diminuição dos impostos, ou quando as taxas de juro descem, ”essas pessoas reagem gastando mais, e o consumo é muito importante para que a economia cresça”.
No regresso a Portugal, ocorrido há menos de um ano, Ana Fernandes disse ter sentido que “a economia continua a enfrentar desafios importantes, como os salários baixos, o descontentamento social, problemas na habitação”, mas que esses desafios “não são exclusivos de Portugal”. No Reino Unido, por exemplo, conduziram ao Brexit.
Considerando que, para aumentar os salários reais, “é preciso aumentar também a produtividade”, a economista defendeu uma diminuição da burocracia, o aumento das qualificações dos gestores e um maior incentivo à meritocracia. “Nas empresas e nas universidades, nota-se que há pessoas com muita idade e com muita renitência em deixar que os mais jovens, com mais talento e capacidade, ocupem lugares de decisão que libertem e empurrem o país” para a frente. Só assim se resolveriam, na sua opinião, questões como a saída para o exterior de profissionais qualificados. “É preciso criar empregos bons para absorver essas pessoas e atraí-las de novo para Portugal”, disse.
Mariana Esteves, economista doutoranda da Nova SBE, co-autora do podcast Mão Visível e investigadora na equipa que produz o relatório anual Portugal, Balanço Social, contrapôs que o problema salarial não se resolve apenas com acréscimos da produtividade. “Em média, a produtividade tem aumentado acima dos salários reais. Entre 2013 e 2022, aumentou 18,7%, enquanto os salários aumentaram 10,6%”, sublinhou. No entanto, concordou que a baixa qualificação dos gestores, principalmente nas empresas de pequena dimensão, é um dos constrangimentos a uma melhoria mais acentuada da produtividade.
Centrando a sua intervenção na definição das políticas públicas, Mariana Esteves, insistiu na necessidade de ter em conta as fragilidades sociais e económicas quando se traçam políticas de redução das desigualdades, e recordou que a taxa de pobreza em Portugal, que é de 17% da população, subiria para 42% “sem transferências sociais”, ou seja, para mais do dobro do valor atual.
“Claramente, há uma necessidade de fazer transferências e apoios específicos para os grupos mais frágeis”, afirmou a economista, defendendo que as políticas públicas têm de ter em conta os três fatores que aumentam a vulnerabilidade dos grupos mais afetados pela pobreza: o desemprego, as famílias numerosas e as famílias monoparentais, encabeçadas em 80% dos casos por mulheres.
A III Conferência Girl Talk teve o patrocínio do Santander Portugal e o apoio da Van Zellers & Co.