Para quem anda sempre apressado – como eu – o Bougain passa absolutamente despercebido. Não porque não esteja bem sinalizado ou porque se queira esconder, mas porque personifica algo a que começámos a ficar pouco habituados: um lugar discreto, com uma entrada ainda mais discreta, no meio de uma vila que fervilha de vida e de energia.
Entramos nos portões e, de repente, suspiramos. O jardim, de inspiração francesa, que nos conduz ao chalé de fachada branca e vermelha, é um bálsamo para os dias corridos. À esquerda, a esplanada convidativa em dias de sol, e à direita, a entrada para a casa apalaçada que foi, em tempos, morada de uma abastada família originária do centro do País.
“Chamaram-me para vir ver o ativo, basicamente o edifício, e eu achei que isto tinha muito potencial. Apresentei a proposta e ganhei”, conta Miguel enquanto nos apresenta a casa que já foi de Piedade e de Manuel, e onde ainda moram as mobílias, as obras de arte e as fotografias dos últimos habitantes do Bougain. Em 1985 o chalet abriria por o primeiro alojamento turístico de Cascais, por mão de Manuel, e hoje é um restaurante e um Garden Bar que tem ganhado a confiança dos habitantes da vila – sobretudo os estrangeiros – e também dos executivos que procuram um lugar discreto e tranquilo para almoçar.
Miguel Garcia pode ser um empresário pouco conhecido do público em geral, o que começa a ser raro na hospitalidade, mas é nome sabido no meio. Formado pela Escola de Hotelaria do Estoril, passou pelo Brasil antes de ir para a Suíça fazer uma Pós-Graduação e trabalhar no Four Seasons, em Genebra. Uma breve passagem por Portugal levou ao Tivoli Avenida, mas voltaria ao Brasil onde passou por Santa Catarina, pelo Tivoli São Paulo e pelo icónico Copacabana Palace, no Rio De Janeiro. Em 2018, Miguel estava novamente em Portugal a gerir 10 hotéis – novamente no Tivoli – com uma vida que não era exatamente aquela de que gostava. Miguel aprecia pessoas e o cargo já exigia trabalho mais corporativo e menos humano. “Comecei a sentir a chama do empreendedorismo e achei que restaurantes seria o ideal”, atira com um sorriso. Estamos à mesa do Bougain, num dia ameno de fevereiro.
Foi por um acaso – como geralmente acontece com as melhores histórias – que compraria o Café de São Bento, em 2021. Operação e edifício do espaço original e a operação no Time Out Market. Como cliente regular do Café, Miguel sabia que era preciso mantê-lo com a tradição que faz dele um lugar tão especial em Lisboa, e os antigos proprietários, já cansados depois de mais de 30 anos de atividade, confiaram-lhe essa missão. “Até 2028 quero ter quatro Cafés de São Bento”, confidencia. Um em Cascais, a abrir no próximo ano, outro em Lisboa, a ser inaugurado em 2026 e a estreia no Porto, em 2027. Tudo datas indicativas, porque Miguel é um empresário cauteloso que dispensa dar um passo maior do que a perna.
A história vai sendo contada enquanto o lírio curado desaparece dos nossos pratos. A cozinha, a cargo de Diana Roque, é simples, despretensiosa, elegante e deliciosa. Tudo o que se quer – bons ingredientes, poucas invenções, ótima técnica, máximo sabor.
Até agora, Miguel investiu quase um milhão de euros no Bougain – “tudo com recurso a capitais próprios, empréstimos bancários e pagando impostos”, diz em jeito de brincadeira – e prepara-se para investir mais meio milhão na abertura de um restaurante italiano, também em Cascais. Nos três restaurantes, conta fechar o ano com 80 pessoas a trabalhar, e espera que este número triplique até 2027 – à medida que o grupo também vai crescendo. Para isso, é preciso cuidar dos Recursos Humanos, e ter noção de que eles têm uma vida para além do trabalho. “Damos duas folgas semanais a todos, preferencialmente damos-lhes horários seguidos, salários acima da média…temos tido uma rotatividade baixa, mas continua a ser difícil contratar”, admite enquanto recebemos o arroz de carabineiros e citrinos (e que arroz!).
Questionado sobre o aparecimento quase intensivo de projetos de restauração nos últimos anos, sobretudo na zona da Grande Lisboa, Miguel é perentório: há uma diferença entre restaurantes e projetos de restauração, e não se pode ter uma visão imediatista dos lucros. “Conto ter este negócio, do Bougain, pago ao final do terceiro ano”. Com isso presente, e uma gestão eficiente, não há expectativas goradas nem investimentos apressados.
“A carta muda de seis em seis meses, mas ficam alguns clássicos. Como o arroz que estamos a comer”, comenta. Já deve ter percebido, pelo meu insistente silêncio enquanto como o arroz, que teria uma crítica rápida a fazer se descobrisse que o retiravam da carta pela sazonalidade.
“Esta é uma cozinha que queremos que seja encarada com a facilidade de uma cozinha do dia-a-dia. Uma cozinha de produto, clássica em que tem referências por parte de toda a gente. Isso é importante”, justifica ainda o dono daquele que arrisca tornar-se um muito relevante grupo de restauração nacional antes de 2030. Com um preço médio a rondar os €45 ao almoço e os €60 ao jantar, Miguel tem, quase sempre, os 70 lugares esgotados. A carta de vinhos, com mais de 100 referências, privilegia a produção nacional mas tem muitos vinhos franceses e italianos, também porque os seus mercados são internacionais. O Bougain não é alheio ao facto de Cascais ter cada vez mais estrangeiros a residir ali, o que o obriga a ser um restaurante português mas com padrões internacionais.
Antes de nos atirarmos à sobremesa – havia profiteroles, o que significa que não tive escolha… – Miguel explica ainda porque acredita que os seus projetos continuarão a dar certo. “Onde houver qualidade, há procura. Qualidade, estratégia e consistência”. O facto de pensar os projetos desde o início, e de saber exatamente onde se quer posicionar, são outra das vantagens, garante. Ajuda-o a ter foco e a não perder o rumo.
No mês em que o Bougain celebra o primeiro aniversário, Miguel Garcia pode continuar a ser um empresário discreto. O mesmo será difícil de dizer do Bougain, que continua a encher-se de clientes que nunca o escolhem apenas uma vez – algo que conseguimos rapidamente perceber pela forma como trataram e foram tratados pelos funcionários, e como mostravam conhecer os cantos à casa. Não são todos os restaurantes que se podem orgulhar do mesmo.