O conceito de transformação digital já há muito se entrosou na vida quotidiana, num mundo que se afigura cada vez mais tecnológico e em que as fronteiras entre experiências físicas e digitais se esbatem cada vez mais.
A realidade virtual (RV) e a realidade aumentada (RA) são, talvez, o arquétipo dessa linha ténue, capazes de concretizar o que antes parecia ficção científica: uma total imersão numa realidade digital ou a junção de elementos digitais ao ambiente real.
Em 2023, especialistas previam que a RV estivesse disponível em 1,73 mil milhões de dispositivos móveis, criando até cerca de 23 milhões de empregos até ao final do ano passado. Num horizonte mais alargado, até 2027, as perspetivas apontam para que o mercado de RV e RA inclua cerca de 2,6 mil milhões de utilizadores ao nível global. Mas, o que são, afinal, estas tecnologias e como se utilizam?
Virtual e Aumentada, que realidades são essas?
A RV possibilita uma experiência totalmente imersiva, retirando do campo de visão tudo o que é real e abrindo portas a um mundo onde é possível explorar e interagir com ambientes criados digitalmente. Todos os elementos apresentados ao utilizador são virtuais e existem apenas nessa realidade. É já comum em videojogos, através da utilização de óculos criados para esse propósito, mas pode também servir, por exemplo, para formação de emergência criando simulacros.
Na Europa, o investimento das empresas com RV e RA deverá alcançar os 8,4 mil milhões de euros em 2027 (IDC)
A RA é uma tecnologia distinta, que acrescenta ao mundo real elementos que são virtuais, permitindo modificar um ambiente. O utilizador continua totalmente em contacto com a realidade, mas consegue, através de um tablet ou telemóvel, adicionar componentes ao que vê: por exemplo, é possível saber que móveis ficariam melhor num espaço real explorando a RA. No fundo, permite expandir uma experiência real com a adição de elementos virtuais, gerando informação mais completa.
E aos negócios, podem ser aplicadas?
Apesar de poder parecer complexo ou até inacessível, na realidade são tecnologias já amplamente utilizadas, inclusive no mundo empresarial nos mais diversos setores. Apesar do contexto económico desafiante, organizações por todo o mundo continuam a apostar em RV e RA e as previsões dos especialistas apontam para que 2024 seja um ano de contínuo investimento, particularmente para simplificar tarefas e otimizar processos nas cadeias de valor.
A nível europeu, o investimento das empresas com RV e RA vai atingir os 8,4 mil milhões de euros em 2027, de acordo com dados da International Data Corporation (IDC), com a RV a crescer a ritmo ligeiramente mais acelerado face à RA.
No que diz respeito à RV, o retalho será o setor que mais gastará, seguindo-se a formação no âmbito comercial, mas os crescentes avanços tecnológicos e as necessidades de mais equipas remotas e modelos híbridos de trabalho levarão as organizações a impulsionar os investimentos em RV, particularmente no que diz respeito a modelos de colaboração em contexto empresarial.
Por outro lado, algumas indústrias, que incluem por exemplo o setor automóvel, de transportes ou de produção por processo – que engloba setores como das indústrias farmacêutica ou química -, serão as que mais vão gastar em RA em 2024. A alocação de fundos será especialmente dirigida a soluções que permitam a manutenção de ativos, a comunicação remota e a simplificação e otimização de processos em toda a cadeia de valor.
Globalmente, os especialistas prevêem que o investimento com RV e RA chegue aos 50,9 mil milhões de dólares (cerca de 46,7 mil milhões de euros) até 2026, apontando a RV como responsável por mais de 70% do total de investimentos nessas tecnologias. Adicionalmente, e até 2027, é expectável que a utilização de tecnologias de realidade alargada, que incluem ferramentas de RV e RA, aumentem 40%, o que pode significar a redução de erros de trabalhadores no terreno em 30%.
Mas afinal, que exemplos concretos já existem de aplicações de RV e RA nos diversos setores da economia?
Indústria
Na indústria são diversos os exemplos de aplicação de Realidade Virtual e Aumentada, quer para tornar processos de produção mais eficientes e seguros, quer para ajudar à construção de protótipos. O setor automóvel, por exemplo, utiliza ferramentas de RV para simular o design de novos veículos, e até para experimentar virtualmente o interior de um carro ainda antes do seu lançamento. Através de digital twins, que são cópias digitais de objetos físicos, os trabalhadores podem testar novas funcionalidades no mundo virtual, uma mais-valia durante o processo criativo.
Em ambientes industriais, a realidade aumentada pode facilmente substituir manuais e documentos em papel, apresentando aos trabalhadores a informação em tempo real sobre qualquer equipamento ou processo, aumentando as capacidades de resposta em terreno. A sua utilização pode ajudar à manutenção ou reparação de equipamentos, através da sobreposição de informações no campo de visão dos técnicos, tornando as funções mais seguras.
Retalho
O retalho é um exemplo de grande evolução no que diz respeito às tecnologias de realidade alargada, especialmente no campo da realidade virtual. Durante e após a pandemia, o retalho online foi forçado a desenvolver-se e a criar soluções que permitissem que a experiência de compra em casa, fosse semelhante à que ocorre numa loja física. Nesse contexto, entra em ação a RV, que oferece aos clientes experiências de compra imersivas, que permitem a interação e personalização de produtos virtualmente antes da compra, o que reduz, por exemplo, o número de devoluções.
A realidade aumentada também tem feito sucesso junto dos retalhistas, particularmente porque atrai mais clientes, através de experiências de consumo inovadoras que podem aumentar vendas. Um dos maiores benefícios da RA nesse setor é a possibilidade de os clientes visualizarem os catálogos de produtos em formato real e interativo, além de poderem experimentar como uma peça de vestuário ficaria na realidade.
Turismo
Embora a tecnologia seja um agente poderoso ao serviço da simplificação e otimização de processos técnicos, a sua utilidade já se estende ao setor turístico, por exemplo, na sua relação com a Arte e a Cultura. A realidade virtual, por exemplo, permite aos operadores turísticos oferecer aos seus clientes experiências imersivas de exploração de destinos turísticos ainda antes de marcarem uma viagem, mas também possibilita a museus ou outros agentes culturais, a recreação de locais históricos danificados ou destruídos.
Já a realidade aumentada pode ser utilizada, por exemplo, por museus ou galerias como forma de enriquecer experiências culturais e atrair mais visitantes. Desde visitas guiadas onde os participantes podem ver conteúdo interativo sobreposto à realidade física em tempo real, até à utilização de hologramas de figuras de relevância histórica que acompanhem os visitantes, são recursos já utilizados em diversos equipamentos culturais portugueses.
Arquitetura/Design
As ferramentas de realidade virtual podem ser muito úteis aos arquitetos, designadamente com a sua aplicação à criação e exploração de modelos tridimensionais de espaços ou edifícios ainda antes de estes serem construídos. Não só os profissionais desenvolvem projetos mais próximos da realidade, como permite aos clientes uma melhor compreensão do que está a ser proposto. Adicionalmente, abrem-se as possibilidades de colaboração simultânea, podendo uma equipa de arquitetos estar dividida em diferentes partes do mundo e ainda assim trabalhar no mesmo projeto ao mesmo tempo.
Do lado dos designers, as ferramentas de realidade aumentada manifestam a sua utilidade, por exemplo, na decoração de espaços, projetando elementos como mobiliário, decorações ou estruturas em espaços reais de uma casa ou edifício. Além disso, esta tecnologia pode ser uma mais-valia no que diz respeito à redução de custos com suportes necessários a apresentações do portefólio dos profissionais em eventos ou showrooms.
Quer investir? Saiba por onde começar
- Identifique os problemas a resolver ou os processos a otimizar e investigue qual das soluções é mais benéfica e em que áreas do seu negócio. Informação, variada e de qualidade, é sempre um bom princípio.
- Realize uma prova de conceito do ponto de vista do utilizador final. Quer seja o consumidor ou o trabalhador que estará em contacto com a tecnologia, é importante perceber se o resultado corresponde às expectativas antes de aplicar em grande escala.
- Já sabe onde e como vai utilizar RV ou RA e aprovou o conceito com distinção? O passo seguinte é informar-se sobre que equipamentos precisa para que funcione no dia-a-dia. De forma geral, são tecnologias relativamente simples e que muitas vezes podem ser utilizadas através de dispositivos como tablets ou telemóveis.
- Para que o investimento seja o mais vantajoso possível e os recursos tecnológicos bem aproveitados, a formação contínua aos utilizadores diários das ferramentas é essencial. É recomendada a criação de um programa de formação prática e de uma metodologia de análise regular da experiência do utilizador.