Está no terreno o mais recente programa da Business Roundtable Portugal (BRP), desenhado para apoiar as mais promissoras candidatas a atingirem o patamar de grandes empresas nacionais. O programa de apadrinhamento é dirigido a organizações com um perfil de elevado crescimento e um volume de negócios entre os €30 milhões e os €50 milhões, criando um canal de comunicação direto entre as grandes empresas e as que ambicionam lá chegar. Numa lógica de encontros regulares, os mentores – presidentes e CEO das empresas associadas – vão colocar a sua experiência ao serviço das líderes emergentes, promovendo a partilha de conhecimento, e encurtando, tanto quanto possível, a sua trajetória de crescimento. “Queremos que estas empresas sintam que Portugal precisa delas, que confiamos e queremos apoiá-las. É importante que o País as reconheça e favoreça o seu crescimento”, explica Pedro Ginjeira do Nascimento, secretário-geral da BRP.
A iniciativa está na génese da associação que reúne 42 dos maiores grupos empresariais portugueses (como Sonae ou Corticeira Amorim, por exemplo) – ajudar as empresas a crescer e aumentar o número de empresas de grande dimensão, disponibilizando recursos, de tempo e pessoas, com soluções concretas, pragmáticas e exequíveis, que acelerem o crescimento económico e social. O diagnóstico da economia portuguesa está, há muito, traçado: um problema de baixa produtividade, que ancora salários e pesa sobre o crescimento. Para os líderes dos pesos-pesados da economia nacional (juntos, faturam €82 mil milhões a nível global) trata-se, antes de mais, de um problema de falta de escala do tecido empresarial. As grandes empresas são 40% mais produtivas, uma realidade idêntica à europeia; pagam quase o dobro do salário médio do setor privado; e geram 29% da riqueza produzida no País; (em Espanha são 40% do PIB, na Alemanha 48%, e em França 52%). “Precisamos de mais grandes empresas em Portugal”, conclui o responsável da associação, numa lógica de impacto direto sobre as variáveis que inquinam a economia nacional – “Os nossos 42 associados querem que sejamos práticos.” “Então onde é que elas estão, quem são os candidatos? Que problemas é que enfrentam? Como podemos ajudar a acelerar o crescimento? Como podemos garantir que não estagnam e não ficam médias para sempre?” – é este o desafio.
No universo da gestão profissional, não se definem metas sem conhecer o ponto de partida. O que, na prática, implicou mapear de forma exaustiva o perfil de crescimento das PME portuguesas. “Primeira surpresa: há um conjunto vasto de potenciais candidatos a serem as próximas grandes empresas.” São cerca de 160. Têm atividade em Portugal, são independentes de grandes grupos económicos, cunhadas de “adolescentes” por estarem prestes a ultrapassar os €50 milhões em volume de negócios; e de acelerado crescimento – mais de 6% ao ano. O programa está na fase-piloto – arrancou com quatro empresas – mas tem como objetivo chegar às 160. Pedro Ginjeira do Nascimento nota que “se cada associado conseguir acompanhar três ou quatro, conseguimos cobrir este universo, e ter aqui um radar muito sensível para o que estas empresas possam precisar”. O responsável destaca que este programa de apadrinhamento não assenta na premissa de que “os nossos líderes saberão ensinar”. Numa analogia: “Se eu hoje for padrinho de um miúdo, sei que vou estar desatualizado. Na minha altura, quando chegava aos 16 anos, não havia TikTok. Por isso não posso assumir que posso explicar como é que ele deve atuar. Eu posso é partilhar a minha experiência, abrir-lhe horizontes, posso alertar para temas. Colocar-me à disposição para apoiar.”
E se o senso comum poderia sugerir um determinado perfil tipo de “próxima grande empresa”, os dados desdizem-no. Uma análise mais fina não produz padrões significativos, de correlação entre variáveis como níveis de crescimento e grau de internacionalização, estrutura de capitais ou setores de atividade. “Tinha alguma expectativa que as empresas estivessem sobretudo concentradas em alguns setores, ou até em algumas regiões do País, e o que vemos é que há exemplos em quase todos os setores, e em quase todas as zonas do País, ainda que em proporção da demografia”, conta o responsável. Nesse caso, o que faz a diferença no sucesso e na capacidade destas empresas crescerem? “Tem que ver sobretudo com a qualidade das pessoas e com a vontade que têm em fazer acontecer. E pessoas com qualidade existem em todo o lado.”
O que trava as empresas portuguesas?
Se os ingredientes do sucesso permanecem por ser medidos, olhemos para a questão pelo prisma oposto. Quais são os principais obstáculos ao crescimento e porque existem tantas empresas de reduzida dimensão em Portugal? “Porque é que temos menos grandes empresas? Porque penalizamos o sucesso. Esse é o primeiro pecado capital. A nossa taxa de IRC começa bem, em 17%. Mas assim que começa a ter um bocadinho de sucesso, sobe. E depois chega a 31,5%, que é a pior da Europa”, aponta o secretário-geral da BRP. A este desalinhamento de incentivos fiscais que premeiem resultados e à elevada carga fiscal – tanto no IRS, como no IRC –, Pedro Ginjeira do Nascimento soma a complexidade do sistema: “Temos o 4º sistema mais complexo da OCDE, segundo a Tax Foundation. Quem é que beneficia disto? São os consultores e os advogados? Quem é que fica penalizado? Todos nós.” Custos de contexto que, como em qualquer problema de difícil resolução, não justificam o todo. Outra condição, aponta, terá que ver com a ambição. “Esta coisa que nos ensinam que vivemos num país pequeno, no canto da Europa, e que é mentira.” Argumenta que Portugal é um país de média dimensão dentro do contexto europeu, quer em dimensão do território, quer em população, e destaca que estamos integrados no maior bloco económico do mundo. “Esse é o nosso mercado local. E isso não é ser pequeno, é ser grande.”
Depois, há que somar a falta da profissionalização da gestão, que se quer atualizada e orientada a resultados, e que é, aponta o responsável, um reflexo da estrutura da população ativa: “Seguramente, há 40 anos, quem empreendeu tinha o nível de educação da nossa população. Da mesma forma, os empreendedores de hoje têm o nível de educação dos nossos jovens.” O acesso ao financiamento é mais um obstáculo ao crescimento das empresas portuguesas, geralmente entendido apenas sob a forma de empréstimos bancários ou de participações no capital, “quando existe um conjunto de outros instrumentos, para os quais depois o governance é fundamental”.
Os quatro pilares do sucesso
Norteada por aqueles que considera serem os principais entraves ao crescimento das empresas portuguesas, a associação, fundada há pouco mais de um ano, elegeu as quatro áreas fundamentais de atuação – profissionalização do governance, internacionalização, financiamento e investigação & desenvolvimento. Com ferramentas em diferentes fases de desenvolvimento, o pilar do governance conta já com uma iniciativa no terreno. Lançado há cerca de um mês, o programa Metamorfose pretende incutir nas PME as boas práticas de governo societário, essenciais ao crescimento das empresas portuguesas, seja por via do financiamento, da aquisição de clientes ou da retenção de talento, sem esquecer as metas de sustentabilidade medidas pela sigla ESG – traduzidas em português para ambiente, social e governo societário. O programa é composto por um guia de boas práticas, que identifica um conjunto de 68 medidas e recomendações tendo em vista a evolução do modelo de gestão e o reforço das estruturas de governance, que a associação antecipa que chegue a 50 mil empresas.
Na calha está também um modelo de scoring, que permita às organizações medir o seu grau de maturidade na adoção de estruturas e boas práticas de governo das sociedades, e comparar com o setor ou com empresas de dimensão ou estágio de maturidade similares. Em estudo está ainda a possibilidade de conferir uma certificação, baseada nestes resultados, que dê a oportunidade às empresas de acederem a melhores condições de financiamento, junto dos bancos ou mesmo nas candidaturas a fundos europeus. A terceira fase conta com uma bolsa de quadros de topo que, assumindo cargos de administradores não executivos, estejam disponíveis para apoiar as empresas nesta transição. Aqui, tal como no programa de apadrinhamento, existem regras que visam salvaguardar a lei e as boas práticas da concorrência, e que incluem, entre outros, acordos de confidencialidade, interdição de propostas de aquisição e a garantia de acompanhamento por empresas não concorrenciais.
Sem revelar maiores pormenores sobre as iniciativas em desenvolvimento nos restantes pilares, a ideia passa por criar um conjunto de ferramentas, práticas e acionáveis pelas PME nos diferentes domínios que, no futuro, permitam construir sinergias entre os diferentes programas em curso. O programa de apadrinhamento surge na confluência das diferentes áreas de atuação e tem, ao contrário dos restantes, um caráter proativo. “Neste caso, não vamos ficar à espera que venham ter connosco. Vamos nós ter com elas e disponibilizamos o nosso apoio. Definimos um critério e o critério é o pragmatismo – onde conseguimos mais rapidamente ter impacto no País? É nestas empresas, que já reúnem as condições, mas que correm o risco de estagnar ou entrar em dificuldades se nada acontecer.”
Metas existem, mas não são públicas. Pedro Ginjeira do Nascimento deixa, no entanto, a achega: “Se tivermos mais 50 grandes empresas – só temos1 300 – é seguramente uma boa notícia para o País.”
Nota: Artigo publicado originalmente na edição da EXAME de novembro de 2022.