Como foi a decisão de trazer a 42 para Portugal?
Há uns dez anos, a minha vida levou uma volta muito grande. Tinha uma carreira como professor de Finanças, quando comecei a fazer o projeto do campus da Nova SBE, em Carcavelos, para o qual constituí uma equipa. Em 2018, quando inaugurámos esse campus, decidimos continuar a fazer projetos na área da Educação. E criámos uma pequena empresa, a Shaken not Stirred, para fazer projetos de que gostamos, com gente de quem gostamos. Somos vários sócios: eu, Mafalda Furtado de Mendonça, Mafalda Sousa Guedes, Paulo Rodrigues da Silva, Francisco Martins, Teresa Burnay, Madalena Mexia, João Neto e Ana Conduto. Gente um bocadinho louca. Mas fazemos isto com muito gosto. E a 42 apaixonou-nos. Primeiro, por ser uma escola de desenvolvimento de software, área em que o nosso país tem uma falta muito grande. Segundo, por ser muito inclusiva; qualquer pessoa se pode candidatar e ser uma nova oportunidade para muitos. Terceiro, porque, do ponto de vista pedagógico, é extraordinariamente inovadora.
Como conheceram a escola?
Uma das mil coisas que fiz, quando estava na Nova, foi uma parceria com a Singularity University, perto de São Francisco. De caminho, fomos visitar a 42 de Silicon Valley, e achei extraordinário haver uma escola em que toda a aprendizagem é feita com base em projetos e na colaboração entre pares, que são os princípios da pedagogia que sabemos serem os mais eficazes. Esta é a primeira escola que foi capaz de usar a tecnologia para escalar esse modelo de aprendizagem.
Mas quando surgiu a primeira 42?
Em Paris, há pouco mais de dez anos. Foi uma iniciativa de Xavier Niel, dono do terceiro operador de telecomunicações em França. Criou uma fundação, contratou uma equipa para montar toda a experiência de aprendizagem e lançou a escola. Penso que, até para grande surpresa deles, começaram depois a surgir outras escolas 42.
Uma espécie de franchising?
Sim, mas sempre sem fins lucrativos. Por exemplo, a fundadora da Tom Tom [empresa neerlandesa fabricante de sistemas de navegação] financiou e abriu uma 42 em Amesterdão. Em Espanha, há, atualmente, cinco escolas 42, financiadas pela fundação Telefónica. Em Wolfsburg, na Alemanha, foi a Volkswagen que financiou , entendendo que o futuro do automóvel passa muito pelo desenvolvimento de software. Também por isso, no Porto, um dos financiadores é a Critical TechWorks, o braço digital da BMW, em parceria com a Critical Software. E, em Lisboa, temos a Mercedes Benz.io, o braço digital da Mercedes.
São necessários direitos?
Sim. A 42 Network é a instituição que detém a propriedade da plataforma de aprendizagem, que autoriza novas escolas e coordena o trabalho de todas, tanto em Tóquio como em Adelaide, São Paulo ou Marrocos. A experiência de aprendizagem é igual em todos os campus, e os alunos até podem passar seis meses numa outra escola da rede. Todo o sistema de ligação e placement de alunos nas empresas funciona com a Network. Qualquer aluno da 42 passa a fazer parte desta rede internacional, muito competente para os colocar nos melhores empregos do mundo.
Quantas 42 existem no mundo?
Hoje, há 46 campus, e continuam a aparecer novos. No último ano e meio, apoiámos a equipa que quer lançar, neste ano, a 42 em Luanda.
É um processo rápido?
Há todo um processo de negociação com a Network. É preciso criar uma equipa e implementar a tecnologia. Em Lisboa, beneficiamos do facto de ter uma equipa que tinha acabado de fazer a Nova SBE e, portanto, muito rodada neste tipo de coisas. Depois, abrir a 42 no Porto foi um pouco mais fácil. Em Portugal, a 42 é uma associação, tem o estatuto de IPSS, de utilidade pública, e foi preciso reunir um grupo de empresas e pessoas que financiassem a escola, que é gratuita.
Que associação é essa?
Associação 101010 Portugal. É uma brincadeira, porque 101010 é 42 em código binário. A associação fez uma campanha de fundraising para Lisboa e, depois, para o Porto. É mecenato, com pessoas e empresas que acreditam que o projeto é importante para o País e querem contribuir para que aconteça.
O financiamento terá sempre de passar pelos mecenas?
Para garantir estabilidade inicial, tentamos que os compromissos de apoio fossem a cinco anos. Mas estamos também a trabalhar numa estratégia de sustentabilidade a longo prazo. Terá sempre uma componente grande de mecenato, até porque nos interessa muito esta proximidade com as empresas. Mas vai passar ainda por termos alunos a desenvolver projetos para empresas e que, simultaneamente, contribuam para o desenvolvimento da escola.
A 42 de Lisboa custa cerca de €1,2 M, por ano. E a do Porto?
Um pouco menos, porque é ligeiramente mais pequena. Será cerca de €1 M por ano. Contudo, por aluno/ano, custa, mais ou menos, um quinto do que custa o Técnico, a FEUP ou a FCT da Nova. É economicamente muito mais eficiente. Temos instalações, computadores, servidores, uma equipa que tem de ser financiada.
Há muitas ofertas de emprego?
É um dos grandes desafios. Passados três meses, os nossos alunos estão a receber muitas ofertas de emprego. Há uma falta muito grande de profissionais, e o próprio modelo de aprendizagem desenvolve, nos alunos, competências pessoais de autonomia, capacidade de resolver problemas complexos, de colaboração, de comunicação, que são muito procuradas pelas empresas. Um aluno dizia-me que recebia uma dúzia de ofertas por semana! A procura é muito, muito grande, e é global. Queremos que os alunos acabem, pelo menos, o core. Estamos, agora, a criar o programa Astra, um acordo tripartido entre a escola, o aluno e a empresa, em que esta o contrata para trabalhar, por exemplo, três dias por semana, e o aluno se compromete a estar na escola outros três dias. Desta forma, encontramos um equilíbrio entre a necessidade que os alunos têm de trabalhar e a vontade que têm de acabar o programa.
No Porto, a Critical TechWorks já contratou alguns dos alunos que nem a meio do core estão. Como fazem esta seleção?
O aluno tem um portefólio de projetos que fez na escola, que permite mostrar as áreas em que desenvolveu grande competência, capacidade de realização e interesses que se ligam, mais ou menos, a esta ou àquela empresa. Temos apresentações de empresas na escola e uma série de oportunidades para que conheçam os nossos alunos.
Em Paris, o core corresponde a uma licenciatura. Aqui, não?
Em Paris, o core do programa é uma licenciatura, e a especialização é um mestrado. Aqui, ainda não. Das duas, uma: ou encontramos uma forma de a A3ES dar o reconhecimento ou simplesmente damos uma licenciatura e um mestrado franceses. Hoje, com passaporte europeu, é igual a um grau académico português, sendo que, na verdade, o que vale muito mais do que tudo o resto é a reputação da escola. É o facto de a 42 aparecer numa série de rankings, a par do MIT, de Stanford ou de Carnegie Mellon.
Ter um grau académico já não é, hoje, assim tão importante?
Cada vez menos. Isto é verdade em muitas áreas, especialmente nas tecnológicas, que são capazes de medir a competência. Não precisam do carimbo de uma universidade, a dizer ‘Esta pessoa vale 14,7’. Interessa-lhes é até que ponto têm capacidade técnica para resolver problemas. Vemos isso, hoje, nas melhores empresas do mundo. A Google, a Apple ou a Amazon deixaram de pedir ou exigir graus académicos, porque simplesmente têm um processo de recrutamento que mede as competências das pessoas e recrutam as que lhes interessam mais. E a 42 é mais conhecida e reputada pelo mundo fora do que qualquer instituição portuguesa ou qualquer programa de engenharia em Portugal, o que a torna muito mais interessante para quem queira fazer uma carreira internacional.
Este modelo de ensino vem questionar o modelo tradicional que ainda hoje vigora nas universidades?
Claro que sim. Temos tido visitas de todas as universidades. Começa a haver a perceção, mesmo no ensino tradicional, de que vai acontecer uma revolução tecnológica na Educação, nos próximos anos, e de que vão ter de puxar pela cabeça sobre como usar a tecnologia para melhorar a experiência pedagógica.
Aquela coisa de “vomitar” conteúdos, que os alunos têm de absorver, muitas vezes sem perceberem bem para que servem, tende a acabar?
Claro. E o ensino tradicional tem muitos problemas: é caro, tem taxas de desistência elevadas, é pouco motivador para muitos. Cada vez mais há um desajuste entre a educação tradicional e a necessidade das pessoas e das empresas.