Foi no início de junho que a Hunter Boots, a marca que há quase dois séculos é uma das favoritas dos britânicos, foi forçada a declarar insolvência, com dívidas de cerca de 112 milhões de libras – ou €130 milhões. Rapidamente os americanos da Authentic Brands se chegaram à frente e, num processo que o Financial Times adjetiva de “muito competitivo” compraram a marca e algum do stock remanescente por 75 milhões de libras (cerca de €82 milhões), avança a publicação na sua edição deste fim-de-semana.
As wellies – apelido carinhoso dado às botas estilo Wellington – mais queridinhas do Reino Unido tornaram-se um ícone de estilo e de durabilidade ao longo dos anos, mas também teve particular importância o facto de serem usadas tanto pela realeza como pelos trabalhadores dos estábulos de Buckigham. Quem não se lembra das fotografias da princesa Diana a usar Hunter em Balmoral ou da agora rainha Camila de Hunter a passear os seus cães? Mas também nunca foi difícil encontrar agricultores, crianças a ir para a escola ou carteiros a usá-las no dia-a-dia.
No fundo, as Hunter romperam algumas barreiras de classe e, ao longo de 160 anos, foram sendo aposta segura para quem queria calçado que sobrevivesse ao rigoroso inverno clima inglês.
Nas últimas décadas, a globalização permitiu que a marca fosse vista em muitos festivais de música, nos pés de celebridades como Kate Moss ou Cara Delevigne, o que fez disparar a vontade da marca de se posicionar num patamar mais elevado. Problema? Ao mesmo tempo que o fez, aumentando consideravelmente os seus preços – e também o seu portefólio –, a marca deslocalizou a produção para a Europa e a China, o que se refletiu numa quebra de qualidade praticamente impossível de controlar. Detida por private equities desde 2011, a marca começou nessa altura a fazer parcerias com marcas de luxo como a Saint Laurent e Stella McCartney, e vários analistas acreditam que foi também quando começou a escalar de forma descontrolada, e assente sobretudo em dívida. Em 2020 a empresa tinha recorrido ao Pall Mall Capital para conseguir uma espécie de resgate financeiro no valor de €19,2 milhões, mas os desenvolvimentos económicos pós-Covid não permitiram a tão esperada recuperação.
E, de repente, as botas cujo investimento representavam um calçado para a vida começaram a ser apenas um gasto de dinheiro em botas de fraca qualidade o que significou, também, alienar uma parte importante dos seus clientes de décadas.
A Authentic Brands, uma empresa americana de media, marketing e marcas, tem no seu portefólio empresas como a [também britânica] Ted Baker, a Reebok, a Volcom, a Sports Ilustrated, ou a Herve Leger, e é conhecida por conseguir fazer delas negócios sólidos e globais.
“O nosso modelo é agarrar em marcas incríveis com modelos de negócio errados e resolvê-los. Há muito poucas marcas globais que sejam tão inglesas na sua essência. Consigo lembrar-me apenas da Cadbury ou dos molhos HP, que são tão amados universalmente por serem tão britânicos”, referia Nick Wodhouse, presidente da Authentic Brands, ao FT. À mesma publicação, o responsável lembrava como a sua empresa comprou a Ted Baker, que reportou perdas, antes de impostos, de €44,8 milhões em 2022, e que este ano já deverá ser rentável.
É isso que Woodhouse pretende fazer com as Hunter: o site da marca já apresenta uma mensagem aos consumidores a avisar que está a ser renovado e que voltará em breve, numa altura em que a Authentic anunciou duas parcerias para revitalizar a marca. Uma delas é com o Grupo Batra, sedeado no Reino Unido e que ficará responsável por licenciar todos os produtos naquele país e na Europa continental, bem como desenvolver novas referências e modelos de distribuição para a Hunter. No mesmo sentido, do outro lado do Atlântico, a Authentic fechou um acordo com a Marc Fisher Footwear que também deverá desenhar alguns dos modelos a comercializar nos EUA, ao mesmo tempo que ficará responsável por potenciar o comércio online da marca naqueles mercados.
Para os novos donos da Hunter, o importante agora é recuperar a relação de amor que os consumidores têm com a marca, garantindo que conseguem transformar o amor à história numa relação duradoura… e rentável.
Afinal, se as wellies conquistaram os Europeus no século XVIII, é só garantir que conseguem fazê-lo com o resto do mundo.