São menos de mil as garrafas que chegam este ano ao mercado, numa espécie de resumo daquilo que é o Czar, um vinho com 600 anos de História e sem se encaixar numa denominação clara. Não é apenas um vinho licoroso e também não é um vinho fortificado. É único, e dizem os críticos que tem o perfeito equilíbrio entre acidez, açúcares e álcool – tudo conseguido naturalmente e com a mínima intervenção humana. “É dos tais vinhos que dificilmente se podem parar de beber depois de um copo”, garante Fortunato Garcia, o professor de Educação Física que é também proprietário das mais antigas vinhas de verdelho do Pico. Na linguagem dos picarotos, é um vinho passado – as uvas são colhidas já muito maduras, quase em passa – e advém exclusivamente de vinhas velhas. Foram encontradas garrafas deste produto na cave do czar Nicolau II, o que fez com que o pai de Fortunato Garcia o rotulasse assim, a partir da década de 1970.
Os locais gostavam dele, os turistas também, mas o negócio era mais dispendioso do que rentável, porque era vendido apenas desde a ilha a quem por lá passava. O filho, que ficou com a produção no início do milénio, fez algumas alterações à produção – tem agora mais vinhas, deixa-o oito anos em barrica ao invés de três, como o seu pai fazia, e só engarrafa o Czar em anos absolutamente excecionais “para garantir o posicionamento que lhe quer dar”. E conseguiu internacionalizar a marca, estando a conquistar os mercados de EUA, Alemanha, Reino Unido, Suécia e Dinamarca. E tinha encomendas para o Leste Europeu, antes de rebentar a guerra. Mas Itália, entretanto, também já se mostrou interessada, e, portanto, das pouco mais de 800 garrafas, pelo menos umas 200 (vendidas a €490 a unidade) já têm destino.
O facto de não intervencionar na fermentação nem adicionar qualquer outro produto faz com que o risco seja elevado – pode passar três anos seguidos sem ter Czar –, mas é aqui que quer posicionar a sua produção. Nos anos em que a qualidade não seja a desejada, Fortunato admite agora que poderá vir a engarrafá-lo como um vinho licoroso normal – “talvez lhe chame Little Czar” –, mas não será vendido a menos de €30 a garrafa. E a esse valor terá de acrescer o IVA. “Perco entre 30% a 40% de vinho só no processo de envelhecimento”, justifica. Portanto, o preço tem de refletir a exclusividade do produto. “Como consigo atingir estes patamares? O raio do vinho faz-se sozinho. 99% das pessoas acham o vinho uma coisa fora do normal e há 1% que diz que o Czar não é a praia deles”, conta divertido.
Para breve está também o lançamento do Czarina – em homenagem à mãe, muito apreciadora – um vinho doce, com 120 gramas de açúcar e 7% de acidez. Este, sim, um vinho fortificado, e com pelo menos dez anos de envelhecimento.
Este texto integrou o trabalho “As Fénix Renascem”, publicado originalmente na edição da EXAME de maio de 2022