Continuam sub-representadas em cargos de liderança, não beneficiam de condições que favorecem o seu progresso no meio empresarial, continuam a assegurar grande parte do chamado ‘trabalho invisível’ e, infelizmente, há anos que escrevemos o mesmo a cada dia 8 de março.
A igualdade salarial entre géneros está “a 300 anos de distância”, de acordo com as últimas estimativas da ONU Mulheres, apesar de haver países, como Portugal, onde a representação na força de trabalho já atingiu a paridade. Há dados que mostram uma melhoria das condições das mulheres no mundo profissional, mas os grandes dramas continuam: nos cargos de topo as mulheres são muito poucas, com aquelas que ocupam direções-executivas a representar apenas 6% – o número compara com 8% na Europa. Os dados foram confirmados pelo inquérito Women Matter, atualizado este ano pela McKinsey e que olha para 45 empresas de Portugal e Espanha com um universo de 300 mil trabalhadores.
E apesar de as quotas terem vindo obrigar a mexer nos Conselhos de Administração, tal como a EXAME explicou num grande trabalho que fez capa no verão passado, dar-lhes lugares não-executivos tem resolvido a questão da quota mas mexe pouco em termos concretos.
E isto apesar de vários dados mostrarem que lideranças femininas são, por norma, lideranças mais diversas e inclusivas e que garantem melhores performances empresariais. Aliás, os trabalhadores que reportam diretamente a mulheres dizem-se mais satisfeitos do que os que têm lideranças masculinas, refere o mesmo inquérito. As gestoras parecem, reforça a McKinsey, colocar mais ênfase no desenvolvimento profissional da equipa, da mentoria dos colegas recém-chegados, no bem-estar e na flexibilidade. “As pessoas que vivem mais satisfeitas porque reportam a uma mulher estão-no porque geralmente têm uma ênfase adicional no desenvolvimento profissional, na mentoria dos colegas e na flexibilidade que elas próprias valorizam”, explica Joana Magalhães Silva, sócia associada da McKinsey e co-líder do estudo Women Matter.
Então, por que continuam elas a ficar no sopé da montanha?
Em conversa com a EXAME, Joana lembra que “pode contribuir para [esse afunilar da pirâmide no topo] o facto de as mulheres ocuparem em mais de 40% posições de suporte, o que compara com 18% no caso dos homens. E, quando olhamos para os Conselhos de Administração e para as Comissões Executivas, vemos que geralmente integram pessoas que fizeram caminhos em áreas de negócio e operação e menos nas áreas de Recursos Humanos ou jurídica. Ou seja: a escolha das áreas e os percursos a montante também permitem uma certa evolução” que é menos vantajosa para as mulheres. “Além de que também o facto de as mulheres participarem menos em programas de mobilidade geográfica (2%, face aos 9% de participação dos homens)” poder ter aqui um impacto.
Esta decisão poderá, apesar de não ser possível através do inquérito da McKinsey aferir concretamente essa relação, estar diretamente ligada com o facto de as mulheres continuaram a ser o grande garante das tarefas domésticas – as tais tarefas invisíveis. São elas quem cuidam mais das questões da casa, dos filhos, das idas ao médico, das reuniões nas escolas. 49% das mulheres dizem-se responsáveis por todas ou quase todas as tarefas domésticas, quando apenas 15% dos homens sentem o mesmo. Inevitavelmente, isso vai ter um impacto em termos de carreira, e até em termos de escolha das mesmas. Uma mulher que não tenha, em casa, o suporte necessário para uma profissão exigente em termos de tempo e responsabilidade, vai tendencialmente retrair-se.
Uma das conclusões do inquérito é que as mulheres se mostram muito mais favoráveis a participar em programas de flexibilidade, com 38% das trabalhadoras a dizer que preferiam trabalhar total ou parcialmente remotamente. O número compara com 32% dos homens. “Elas não querem flexibilidade numa lógica de 3 dias no escritório e 2 dias em casa, mas de ‘no escritório quando der jeito e em casa quando der jeito’”, realça Joana. “Um outro tema tem a ver com programas de mentoria, mas adaptados e personalizados em momento-chave da carreira, e a existência de role models que valorizem estes temas”, nota a consultora. Tudo questões que poderiam permitir uma evolução diferente dos números que teimam em não mexer ao longo das últimas décadas. “Também ter remuneração atrativa que permita essa flexibilidade” é relevante.
E apesar de haver empresas que já estão a dar passos concretos no sentido de tentar igualar as oportunidades entre homens e mulheres – geralmente as maiores e sob mais escrutínio – o caminho continua tortuoso para as mulheres, sobretudo se quiserem chegar ao topo de uma organização.
Recorde-se que no final do ano passado, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social anunciou que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ia fiscalizar todas as situações de desigualdade salarial acima de 5%. A lei da igualdade de salários entre géneros está em vigor desde 2019, em Portugal, mas “apenas 5% das empresas em Portugal” cumpre essa igualdade remuneratória, referiu Ana Mendes Godinho durante a entrega do selo de igualdade salarial à sueca IKEA.
As estimativas do Executivo apontam para que a igualdade de salários entre homens e mulheres esteja a ser cumprida em apenas cerca “de 17 mil empresas em Portugal, o que significa um universo total de cerca de 5% das empresas em Portugal”. Na ocasião a governante garantiu que a ACT iria “notificar todas as empresas que tenham a banda de desigualdade salarial superior a 5%, que é o que prevê a diretiva europeia, para que apresentem planos de correção da situação de desigualdade salarial, com timings para correção”. E sublinhou que “os casos que configurem incumprimento legal terão lugar a sancionamento”.
Em Portugal, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é de 13,3%, segundo dados da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), apesar de haver mais mulheres do que homens com licenciaturas (54,3%) e com mestrados (59,8%) e de até serem ligeiramente mais aquelas que têm um Doutoramento (50,9%).