Que não existam dúvidas de que o poder da diversidade vai muito além da diversidade de género. A diversidade – de género, de cultura, de etnia, religião, sócio-demográfica, geracional, em suma, de caminhos e de experiências – gera valor, seja medido no contexto empresarial ou social. Infelizmente, todas elas continuam a ser tema em Portugal.
Este foi um dos pontos em destaque esta quarta-feira, 22 de junho, na primeira conferência da Girl Talk, um projeto da revista EXAME nascido em dezembro de 2020 precisamente com o propósito de trazer mais mulheres para a discussão dos temas de interesse transversal, contribuindo para a sua afirmação num mundo ainda dominado pelos homens.
No Mercado da Ribeira, em Lisboa, gestoras, catedráticas, CEO e empreendedoras partilharam as suas opiniões e conhecimento, num lugar que é delas, não por direito, mas pelo mérito: o palco. Este primeiro evento Girl Talk contou com o apoio dos parceiros KPMG, Tabaqueira e Coca-Cola, através do programa Bora Mulheres.
Pela sua idade e experiência, Maria da Conceição Zagalo, empreendedora social com larga carreira no mundo empresarial, oferece uma visão privilegiada sobre o antes e o depois: “Está muito feito, está tudo por fazer”, começa por afirmar. Com quase 70 anos, uma mãe de 95, e netas de 4 e 10 anos de idade, tem “a sorte de perceber o que aconteceu no percurso da minha mãe e que não quero que aconteça no percurso das minhas netas. E ter a capacidade de mediar este tema intergeracional”. A mãe não estudou além do 6º ano, “porque a partir daí era para os homens”. Todos os irmãos tinham habilitações académicas superiores, elas dedicavam-se à economia doméstica. Mas apesar do muito trabalho que reconhece estar feito, Conceição Zagalo diz continuar a sentir na pele os tais sentimentos não equitativos entre homens e mulheres. Com uma diferença fundamental face ao século passado: “Hoje sei exatamente o que não quero e isso é essencial para poder exercer conquistas”. E, apesar do muito que há para fazer, o caminho é só um: “Para o futuro, eu tenho a certeza de que as tendências e características de liderança que eu noto nas minhas netas não serão abafadas por sociedade nenhuma, por governo nenhum, que me queira por um teto em cima. Elas vão conquistar as suas oportunidades e vão ser líderes do tecido económico e social deste país”.
Mas, novamente, a diversidade vai muito além do género. Para Carolina Almeida Cruz, CEO da C-More – Beyond the Obvious, falar de diversidade é falar de acesso e de Da Vinci. O raciocínio parece complexo. Comecemos pelo início: “Um investidor perguntou-nos, um dia, como é que tínhamos tido a ousadia de ter um Chief Technology Officer (CTO) que só tinha o 12º ano de uma escola profissional. Porque é que não tinha Harvard, Stanford, MIT?”. O dito CTO programa desde os 12 anos. Não nasceu em Lisboa, nem no Porto, e começou a trabalhar aos 16 para ajudar em casa. “Se cedermos em contratar Harvard, Stanford, ou MIT – e quando afirmarmos que as organizações são pessoas e continuamos a ter a necessidade de colocar um selo – então, se calhar, também contribuímos para a falta de diversidade”. É aqui que entra o “acesso e Da Vinci”. “Eu quero trazer o transdisciplinar, eu quero criar polímatos dentro das nossas empresas, eu quero melhorar-me como ser humano. E só rodeando-me de pessoas altamente distintas de mim – não estou a falar de género, de cor, de idade, estou a falar de contexto, da morada onde a pessoa nasce, da etnia, da linguagem, da orientação religiosa – isso será possível. É preciso olhá-las como pares”.
Embora ainda um processo em curso, o tema entrou há alguns anos, na agenda das empresas. Margarida Cardoso, Diretora de People & Culture da Tabaqueira, reconhece que “esta questão está hoje presente em tudo o que fazemos”. Um trabalho que passa, antes de mais, pela consciência de vieses inconscientes e, numa segunda fase, pela aceitação da diferença. “É algo onde todos temos um papel a desempenhar, as escolas, as famílias, mas também as entidades públicas e as empresas”, explicou, acrescentando que o facto de Tabaqueira pertencer a uma multinacional ajuda a empresa a ter acesso a informação e ferramentas neste caminho para uma maior inclusão. A responsável salientou ainda que um bom princípio é aceitar que as pessoas não apenas são diferentes como querem coisas diferentes para a sua vida e para o seu trabalho.
Para onde vai a economia?
Sobrejacente à questão da diversidade, cujo impacto na performance empresarial é evidente, está um outro fator com impacto económico: a assimetria de oportunidades. Um tema com várias dimensões e que compromete o futuro da economia nacional, num momento que se quer de viragem estrutural no país.
Pelas suas características culturais, estruturais e/ou “emocionais”, Portugal parece condenado às grandes reformas somente perante um desafio ou desígnio comum – como a entrada na União Europeia na década de 80 ou o Programa de Assistência Económica e Financeira já na última década – enquanto a capacidade de criação de riqueza tem mostrado uma correlação significativa com a entrada de fundos europeus. Se o padrão persistir então, talvez, Portugal tenha razões para estar otimista quanto ao futuro.
Comecemos pelo óbvio: o dinheiro existe. A caminho de Portugal estão €45 mil milhões em fundos europeus para aplicar na próxima década. O primeiro-ministro já classificou os atuais recursos financeiros como “uma oportunidade única” para o país e Maria do Céu Carvalho, Incentives Partner na KPMG Portugal, considera que “os princípios estão lá, resta saber como executá-los”. “É a questão da eficiência que me preocupa. Precisamos de uma máquina do Estado que seja ágil”. E deixa um exemplo: “Não existe dinheiro a fundo perdido. As empresas têm de fazer investimento. E têm primeiro de investir, para depois poderem reclamar o dinheiro. E a verdade é que muitas empresas não têm o dinheiro para investir. Esse é o principal problema”.
Mas antes da execução vem a imprescindível “visão”. O tal desafio ou desígnio nacional, que Helena Freitas define como “sustentabilidade”. Geralmente entendida como “sustentabilidade ecológica” ou “climática” – um desafio global, do qual Portugal não está excluído – ganha uma nova dimensão quando aplicada ao contexto do país. “Temos um desígnio global que é a transformação do mundo para uma sociedade ecológica. Esta é uma ambição individual e coletiva que passa por alinharmos as agendas económica e ecológica. Mas, em Portugal temos outro grande desafio que é o combate às desigualdades. A assimetria não é sustentável”, afirma a professora catedrática da Universidade de Coimbra. As vertentes são múltiplas: na dificuldade de acesso a cuidados de saúde primários, na educação, territorial, digital, geracional. Em suma, é a “assimetria de oportunidades”, que desperdiça grande parte dos recursos do país e trava o seu desenvolvimento. “Uma sociedade desenvolvida tem de ser uma sociedade mais justa. Só assim podemos aproveitar os nossos recursos que são tão necessários”, adianta.
A nova liderança
Um desafio que a Teach for Portugal não deixa em mãos alheias. Organização Não Governamental, presente em 59 países, a atuar em Portugal desde 2018, tem como principal objetivo “não permitir que o código postal de uma criança limite as suas oportunidades ao longo da vida”, explica Maria Azevedo, Co-founder e head of training da instituição. Na prática, trata-se de uma rede de mentores, recrutados em diferentes áreas profissionais, que acompanham, durante dois anos letivos, alunos em escolas situadas em meios desfavorecidos, nas suas várias dimensões: académica, pedagógica, familiar e emocional. Mentores que servem de inspiração por serem eles próprios exemplos de sucesso, quando as probabilidades não estavam a seu favor. É a sociedade civil a não se demitir de funções: “Acreditamos que é preciso uma liderança coletiva e colaborativa, que possa ajudar a construir soluções”.
O sucesso da iniciativa começa por ser trabalhado a montante, nos mentores: é essencial trabalhar o sentido auto-crítico, a capacidade de avaliar e aprender com os erros; ter noção da forma como nos relacionamos com os outros, como criamos espaço para o outro partilhar; ter a capacidade de pensar a mudança; conhecer a fundo problema; ter visão e ambição, acreditar que e possível; e, acreditando que é possível, saber qual é o meu papel. “O meu papel não tem de ser empurrar para fazer, pode ser somente o de abrir a porta”, figura Maria Azevedo.
Uma “cartilha” para o sucesso que podia muito bem fazer parte do “manual de instruções” da nova liderança. Os últimos anos trouxeram mudanças profundas na forma como se trabalha, mas também na forma de entender o trabalho. Implica isto a necessidade de novas formas de liderança? “Se a liderança estiver a ouvir, transforma-se. E se estiver ao serviço dos outros, em vez de ser servida, transforma-se”, diz Claúdia Lourenço. A General Manager da Procter & Gamble Portugal reconhece que a relação dos profissionais com o trabalho está em processo de mudança e que, estruturalmente, as novas gerações têm prioridades diferentes. Mas deixa implícita a necessidade de equilíbrio entre estas duas forças que, atualmente pende para os profissionais: “Seria bom que as novas gerações percebessem que também é importante dar”.
Um equilíbrio que Sofia Koehler acredita que será restabelecido: “Acho que o poder é transitório. Não acredito que voltemos ao que era, mas acho que este desequilíbrio será apaziguado”. A vice-presidente da Colquímica Adhesives defende um modelo de liderança empática, por ser aquela que traz mais sucesso às organizações. “Os líderes têm que ter a consciência de que as pessoas merecem ser felizes e que o trabalho tem de ser uma parte dessa felicidade”. O que não é, ainda assim, a panaceia para todos os desafios. Num mercado extremamente competitivo, como é o atual, e onde as novas gerações tendem a desenvolver uma relação menos estreita com as empresas, a tendência de saída dos profissionais irá continuar, diz.
O último painel da manhã foi, ainda, um bom prefácio para a entrega do I Prémio EXAME Girl Talk, que este ano distinguiu a empresária e gestora Chitra Stern. A viver há mais de 20 anos em Portugal, a singapuriana lidera o The Elegant Group, cujos negócios vão do imobiliário à educação, passando pela hotelaria de luxo. O galardão foi entregue pelo diretor da EXAME, Tiago Freire, e pela editora da revista e autora da rubrica Girl Talk, Margarida Vaqueiro Lopes.