Numa altura em que o mercado de trabalho para a área informática e tecnológica está “sob pressão”, o grupo alemão Bosch, que mantem três fábricas em Portugal e emprega já cerca de seis mil pessoas, não tem tido dificuldade em reter talento ou prosseguir o “recrutamento contínuo” de pessoal qualificado dentro de fronteiras. E o segredo foi bem explicado por Carlos Ribas, responsável da Bosch em Portugal, no momento em que apresentava as contas da empresa no exercício financeiro de 2021.
“Primeiro, é preciso oferecer um bom salário, para que cada um possa ter uma vida digna. Segundo, é necessário ter chefias que saibam motivar e cativar. Terceiro, cada um tem de estar no projeto certo. São três fatores fundamentais para que fiquem connosco”, explicou Carlos Ribas quando questionado acerca das dificuldades que muitas empresas têm sentido em recrutar mão de obra.
Isto mesmo veio a propósito dos planos para contratar “mais 800 a 1000 pessoas até ao final do próximo ano”, à conta de uma nova expansão da unidade de Braga (essencialmente dedicada à produção de componentes elétricos e eletrónicos para a indústria automóvel), mais 300 para a fábrica de Aveiro (que instalou nova linha de produção de bombas de calor) e mais 50 para a de Ovar. Uma expansão generalizada que implicará um investimento à volta de 100 milhões de euros em 2022.
Integrado na multinacional alemã, que tem fábricas em vários pontos do mundo (incluindo na Rússia, de momento paradas, e uma na Ucrânia, que continua a laborar), a aposta da Bosch em Portugal é cada vez maior. “Portugal é um país muito competitivo. Principalmente a nível de talento. O primeiro-ministro tem razão quando diz que esta é a geração mais qualificada de sempre. Há muita apetência pelo software e muito boas universidades”, classifica, sem hesitação, Carlos Ribas.
Uma ideia que foi imediatamente reforçada pelo presidente do grupo Bosch em Portugal e Espanha, Javier González Pareja: “Para o grupo Bosch, Portugal é o país mais competitivo da Europa”. Ponto.
“Inventado e produzido em Portugal com talento português”
Outro dos trunfos que faz a Bosch brilhar em Portugal é o investimento feito nos seus departamentos de Investigação de Desenvolvimento (I&D) – “cada fábrica tem a sua unidade própria”, sublinharam – e as parcerias que mantêm as universidades portuguesas: Braga com a Universidade do Minho; Ovar com a do Porto; e Aveiro com a de Aveiro. Na prática, a forma mais direta de recrutar o melhor talento.
“Estas parcerias com os vários centros de competência já envolveram mais de 1500 pessoas. Isto significou mais de 300 milhões de euros investidos e daqui resultaram mais de 50 patentes registadas em 2021”, explicou Carlos Ribas. Fator igualmente relevante para a retenção de talento, uma vez que “os projetos novos trazem continuidade”. E mais faturação. “Nos últimos quatro anos, por exemplo, Braga, triplicou a faturação devido a ideias inovadoras ali surgidas. E a inovação é já responsável por 30% dos negócios.”
Indicador igualmente interessante é o crescente número de doutoramentos feitos dentro das empresas. “Começamos com 6 e já estamos com 40!”, disse, com orgulho, o responsável da Bosch em Portugal. “E assim estes doutorados acabam por ficar a trabalhar connosco. As pessoas são sempre o mais importante.”
Não será, pois, de estranhar que estejam sempre a surgir novos produtos que acabarão por ser exportados para várias partes do mundo, atraindo novos negócios para o grupo. E que para Javier González Pareja deu origem ao slogan que resume o sucesso do modelo português: “Invented in Portugal and made in Portugal with portuguese talents.” Prosseguindo este caminho, a Bosch tem mais 100 milhões de euros para investir em 2022 em programas de investigação e desenvolvimento, criando mais 350 vagas para engenheiros até ao final do ano.
Um ano difícil, mas bom. Futuro traz cautela e incertezas
Se em 2020 a pandemia obrigou à paragem da produção nas fábricas do grupo, no ano passado foi a falta de semicondutores que obrigou a paragens momentâneas, interrupções que se têm mantido circunstancialmente este ano. Mesmo assim, 2021 foi considerado “um ano bom”, com as três fábricas a atingirem “vendas recordes”. Um “crescimento sustentável”, com vendas a atingir os 1,7 mil milhões de euros em Portugal, que abre boas perspetivas para 2022.
Mas o futuro está cheio de “incertezas”, “dificuldades” e “desafios” a aconselhar cautela nos prognósticos. O aumento do custo das matérias-primas, da energia, dos transportes e logística, bem como as consequências da guerra, obriga “a monitorizar quase diariamente a situação”.
A “procura de novas formas de energia” para diminuir a dependência da energia fóssil, faz com que haja um empenho maior na eletrificação. “Agora a encomendas estão relacionadas com as bicicletas e carros, mas mais tarde hão de estar nos camiões e nos comboios”, projeta Carlos Ribas. Investir na mobilidade e adaptar vários equipamentos atuais para o hidrogénio verde – “um mercado global de 14 mil milhões de euros” – será outro dos focos.
Por fim, a Inteligência Artificial bate à porta. Não só para que, “a partir de 2025, todos os equipamentos estejam conectados entre si”, como para que a produção possa “receber indicações de qual a forma mais económica de produzir isto ou aquilo”.