Dados revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram o que empiricamente já percebemos: o aumento de preços na energia começa a agravar a fatura das famílias portuguesas com outros bens, à medida que a subida nos custos de produção é transmitida ao consumidor final. Em março, a taxa de inflação homóloga atingiu os 5,3%, o valor mais alto em quase 30 anos, com os aumentos mais substanciais a serem registados nos produtos energéticos (19,8%), transportes (11%) e produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (7,2%). Para o cômputo do ano, o Banco de Portugal já reviu as estimativas, de 1,8% para 4%, o que, a confirmar-se, será a taxa de inflação mais elevada desde 2001. Um duro golpe no orçamento das famílias, que será tanto maior quanto menor for o rendimento disponível.
Qualquer compensação que não cubra totalmente o aumento de preços nestas categorias de consumo essencial deixará estas famílias em situações de grande privação
A inflação atinge de forma assimétrica os agregados familiares, num país onde o rendimento equivalente máximo dos 20% das famílias mais pobres é de 542 euros mensais – com o patamar mínimo em 308 euros – enquanto nos 20% dos agregados mais ricos atinge os 25.305 euros. O que significa que, embora as famílias mais pobres – e são 839.572 famílias em Portugal – gastem menos, em termos absolutos, em todas as categorias de produtos, o peso da despesa no orçamento do agregado chega a ser 1,7 vezes superior, no caso da alimentação, ou 1,2 vezes maior, no caso da habitação, face aos mais ricos.
Os dados foram revelados esta semana pela Nova School of Business, um projeto da Iniciativa para a Equidade Social, em parceria entre a Fundação “la Caixa”e o BPI. Os economistas, que analisaram a estrutura dos orçamentos familiares consoante o nível de rendimento das famílias, concluíram que seria necessário transferir entre 158 euros e 545 euros por ano para cada agregado – dos 20% mais pobres – apenas para colmatar o aumento dos preços em despesas de alimentação, habitação e transportes, atendendo a diferentes cenários de inflação, de 2%, 4% e 6%. Ou seja, uma despesa adicional para o Orçamento do Estado entre 133 milhões de euros e 457 milhões. “A compensação aqui simulada permitiria a estas famílias manter o nível de consumo que, no entanto, será certamente abaixo daquele que é compatível com a satisfação das necessidades básicas. Por outro lado, qualquer compensação que não cubra totalmente o aumento de preços nestas categorias de consumo essencial deixará estas famílias em situações de grande privação”, escrevem os autores.
As famílias mais pobres gastam 60% do seu orçamento no conjunto das despesas em habitação (31,9%), produtos alimentares (14,3%) e transportes (14,1%), o que corresponde a um gasto médio de €4 025 em habitação, €2 200 em alimentação e €1 323 em transportes, num total de €7 548 euros – valores anuais. Já entre os mais ricos, o peso total destas categorias baixa para 55,7%, mas para um gasto total de €18 275. Ou seja, enquanto os mais ricos têm margem para acomodar a subida de preços, seja através da poupança ou da alteração dos perfis de consumo, nas famílias mais carenciadas a despesa anual média, de €11 000 , representa já 122,3% do rendimento. Apenas a partir do segundo quintil de rendimento, isto é, nas famílias cujos elementos se encontram entre os 20% e 40% de indivíduos com menores rendimentos, há uma curta margem para poupança (2%). Os mais ricos gastam €31 mil por ano, o que representa 71,4% do seu rendimento.
Menos dinheiro, pior alimentação
Para os mais pobres dos mais pobres a alimentação representa quase um quarto do total das despesas do agregado.
As diferenças de rendimento têm também efeito direto no perfil de consumo alimentar. As despesas em alimentação representam 14,3% das despesas dos agregados residentes em Portugal, o que equivale a cerca de €2 914 por ano. Os alimentos que mais pesam nos orçamentos familiares são a carne (21,7%), o pão e cereais (15,2%) e o peixe (14,6%). Para os mais pobres os pesos são de 24,5%, 17,3% e 12,5%, respetivamente. As famílias mais pobres afetam uma proporção menor das suas despesas a peixe, leite, queijo e ovos, fruta e açúcar/confeitaria do que as mais ricas. Por outro lado, as categorias de pão e cereais, e de carne e óleos representam uma percentagem superior das suas despesas, comparativamente às famílias mais ricas. Já para os mais pobres dos mais pobres (o primeiro quintil dos 20% mais pobres ) a alimentação representa quase um quarto do total das despesas do agregado. Consomem proporcionalmente mais em pão/cereais e carne do que o grupo menos pobre (o quinto quintil dos 20% mais pobres), e menos em açúcar/confeitaria, peixe, leite e fruta.
Paradoxal ainda é o caso da despesas com saúde: apesar de o Serviço Nacional de Saúde ser público e tendencialmente gratuito, os gastos em saúde representam 6,7% da despesa das famílias mais pobres, e apenas 4,8% dos das mais ricas – isto, apesar de as famílias mais pobres gastarem cerca metade do valor absoluto, em euros, do que gastam as mais ricas.