Depois da destruição causada pela pandemia, chega o tempo da recuperação. Nos próximos tempos Portugal terá de executar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Mas até que ponto essa bazuca poderá ser a arma para relançar o País? Conceição Zagalo diz que a conversa em torno do PRR faz lembrar aquelas de antigamente, no tempo dos sermões, em que as pessoas diziam “ah o senhor padre falou tão bem”. “Mas o que é que disse”? “Isso não sei”.
A empreendedora social defendeu, no painel Girl Talk da Portugal em Exame – que se realizou esta quinta-feira – uma maior proximidade, transparência e comunicação entre os responsáveis políticos e a população. E considerou que é preciso mostrar às pessoas o impacto que o PRR e outras políticas para a recuperação da economia têm no seu dia-a-dia. Também Susana Peralta salientou a importância de “ouvir as pessoas” e impedir que se caminhe para uma “democracia de ricos”. “Temos de trabalhar mais para as gerações vindouras e para estas pessoas que estão fora da democracia, trazê-las para falar com o primeiro-ministro, governo e deputados”, referiu a professora de Economia na Nova SBE.
Se o PRR são 16 mil milhões, um quarto disso é o que vamos enterrar na TAP. É muito difícil para mim dizer que vai salvar o País.
susana peralta

Já sobre o PRR, Susana Peralta classifica-o como “uma grande manta de retalhos”, apesar de ter “algumas coisas boas”, como a preocupação com o ensino e com a habitação, por exemplo. No entanto, falta uma dimensão que a economista considera ser essencial: uma reforma da Segurança Social que seja menos baseada em relações de trabalho contratualmente estáveis e que responda ao problema de termos um Estado social desenhado numa série de pressupostos que já não existem na sociedade atual. Além disso, apesar da narrativa dos milhões da Europa, Susana Peralta põe os números em perspetiva: “Se são 16 mil milhões, um quarto disso é o que vamos enterrar na TAP. É muito difícil para mim dizer que vai salvar o País”.
A nossa recuperação é diferente mas está a acontecer e até atingimos em 2021 os níveis de investimento mais elevados dos últimos tempos
Clara raposo, presidente do iseg
Luís Castro e Almeida, CEO do BBVA Portugal, também não se mostra muito convicto que o PRR, por si só, venha a impulsionar o País. “Na grande ordem das coisas é irrelevante e um PRR sem reformas estruturais é como gastar dinheiro num carro velho e ineficiente”, referiu no painel da Portugal em Exame sobre a recuperação da nossa economia. Por seu lado, Clara Raposo sublinha que, apesar de a recuperação da economia em Portugal estar um pouco atrasada em relação ao resto da Europa, ainda estamos a tempo de equilibrar. “A nossa recuperação é diferente mas está a acontecer e até atingimos em 2021 os níveis de investimento mais elevados dos últimos tempos”, sublinhou a presidente do ISEG.
Uma das explicações para este aparente atraso da recuperação portuguesa está relacionada com a importância do turismo na nossa economia. Será essa dependência negativa e uma espécie de monocultura? José Theotónio rejeita essa hipótese, dizendo que o problema não é deste setor mas de não haver mais setores como estes, que tem vantagens naturais face aos concorrentes e que assim que a economia abriu recuperou “em V”. O CEO do Grupo Pestana rejeita também a ideia de que o turismo seja uma atividade de baixas qualificações. “Nos operacionais de turismo o que faz a diferença é a qualidade e a qualificação”, disse, realçando também a necessidade de competências digitais no setor já que “80% dos turistas chegam através do comércio online e se uma empresa turística quiser ter clientes tem de saber gerir essas questões”.
Um PRR sem reformas estruturais é como gastar dinheiro num carro velho e ineficiente
Luís castro e almeida, ceo do bbva portugal
No curto prazo, a recuperação da economia está dependente da recuperação de atividades como o turismo. José Theotónio enumera algumas incertezas para o próximo ano, tais como a continuação do turismo interno e a reação dos turistas estrangeiros à abertura de mercados mais baratos, como o norte de África e a Turquia. E nos próximos meses a crise política pode ainda trazer algumas dúvidas. “Isso nunca é bom e afeta sempre, já que há decisões de investimento que podem não ser tomadas”, adverte Luís Castro e Almeida.
Já no longo prazo, episódios como a crise política são “irrelevantes na grande ordem das coisas”, defende o presidente do BBVA Portugal, destacando que “o crescimento estará sobretudo dependente de reformas estruturais”. E apesar de no pós-pandemia o mais provável é que não fique tudo bem, como sublinhou Conceição Zagalo, esta “é uma oportunidade de fazermos uma análise SWOT e a partir daí sermos capazes de desenhar um futuro. Temos a obrigação de colher lições e de aprender com as circunstâncias que não queremos repetir”.