Apelar à responsabilidade individual, promover os valores da humanidade e do respeito e recordar que a política é, sempre, um trabalho que exige ética. Cecília Meireles, deputada à Assembleia da República Portuguesa pelo CDS-PP, e Roberta Medina, empresária e produtora de eventos – dos quais o mais conhecido é o Rock in Rio –, pediram mais atenção à educação e uma redução generalizada do ruído causado pela comunicação em demasia.
“Acho que já estamos a ver sinais de necessidade de curadoria para qualquer tipo de conteúdos”, começa por dizer Roberta Medina, que admite sentir-se, por vezes, esmagada pela quantidade de informação que todos os dias circula em redor do mundo. A internet e as redes sociais alteraram profundamente a forma como se comunica, mas não propriamente a informação que é veiculada. A questão é que agora tudo é mais: mais rápido, mais intenso, mais massificado. “Acredito que teremos mais curadores, uma coisa mais de nicho, porque a comunicação massificada está no digital… acho que já não voltamos aos veículos de comunicação soberanos”, como os jornais. “Há uma beleza nisso tudo que é cada um de nós, que sempre fomos uma ferramenta de comunicação junto dos nossos amigos, agora sermo-lo para muitas pessoas. É uma beleza, mas uma responsabilidade. E até que ponto conseguimos ser responsáveis por essa comunicação?”, questiona a empresária, que defende mais bom senso e mais atenção à vida em sociedade por parte de cada indivíduo. “Temos de ter noção que hoje, se se comenta um assunto que pode nem ser verídico, isso impacta tomadas de decisão.”
Por seu lado, Cecília Meireles defende que a única coisa que mudou foi a forma de comunicar. “A essência continua lá e é aquilo que sempre foi. A forma é que mudou. Eu confesso que sou uma política muito atípica porque não uso redes sociais. Não porque não ache que não são essenciais para o meu trabalho, mas porque cheguei a uma altura em que, para ter paz de espírito e objetividade para tomar decisões, tive de encontrar um equilíbrio. E ele passa por olhar para redes sociais mas eu, pessoalmente, não as utilizar.” Dito isto, sublinha: “Sempre houve fake news. Isso é tão velho como o mundo. Sobretudo em política, o papel do boato, da criação de demasiadas ideias, fosse nas cortes ou nas revoltas populares, era muito relevante. E basta pegarmos em jornais portugueses do século XIX para vermos que o que se diz lá não é menos agressivo do que aquilo que hoje se diz nas redes. O que acho que muda é a velocidade. O algoritmo, que ninguém sabe bem quem é, aquilo a que chamamos de ‘eles’ [risos], faz com que as pessoas vejam aquilo que querem ver. Tem coisas boas, mas também tem coisas más, que é reforçar as mensagens e criarem-se nichos.”
A partilhar um sofá no último piso do EduHub, parte da United Lisbon International School, num solarengo dia de junho, as profissionais estiveram alinhadas em praticamente todos os assuntos sobre os quais refletiram durante mais de uma hora de conversa com a EXAME.
Onde ficou o contraditório?
Tal como a empresária luso-brasileira, a deputada do CDS-PP vê pontos positivos no facto de as redes sociais terem vindo permitir comunicar diretamente com os eleitores, no caso, e não acredita que “seja possível criar um sistema de regulação, porque não é possível haver uma entidade que diga o que é fake news ou não. Até acho isso perigoso”, defende. “A resposta, aqui, é liberdade individual. À medida que isto é mais falado, as pessoas vão começar a perceber e a questionar e acredito que isso vai permitir algum regresso à Imprensa tradicional. E reconheço que há uma enorme diferença no jornalismo, ou pelo menos naquele com que eu lido, que é o político. Há dez anos eu entrava numa conferência de imprensa e parecia que estava diante de um pelotão de fuzilamento, numa prova oral, em que me faziam muitas perguntas. Hoje, isso não acontece, exceto com um ou outro jornalista”, lamenta. “Aquilo a que chamamos de fake news é precisamente eu ou outro político qualquer poder chegar lá e dizer a sua narrativa. Não há contraditório! Sinto que dantes conseguia trabalhar muito melhor também porque me faziam perguntas. Porque isso é estimulante e nos obriga a pensar. É para isto que eu aqui estou, não é para chegar aqui com uma espécie de cozinha pré-cozinhada, com uma cartilha que deste lado é esta e do outro lado é outra; e onde, ao invés de estarmos a discutir coisas reais, estamos a discutir cartilhas”, remata.
Sobre a ausência de uma voz contraditória por parte dos meios de comunicação social, Roberta Medina questiona se a informação não estará a ser ainda mais manipulada e escondida, atualmente. “Em Espanha, o El Mundo é de um lado e o El País de outro. Alguns veículos sempre foram muito posicionados politicamente. Mas aqui não, e quando oiço uma notícia sinto que ela já foi muito costurada, que foi encomendada por algum dos lados.” Cecília Meireles concorda e defende que, apesar de ser raro em Portugal, seria importante que os jornais assumissem qual o espetro político no qual se encontram. “Acho muito mais saudável do que não ser assumido, mas aparecerem sempre sinais de fumo”, atira.
Baixar o volume
Roberta, que trocou o Brasil por Portugal há quase 20 anos, revela que deixou de ler jornais regularmente ainda no Rio de Janeiro, com a violência que fazia capas consecutivas a incomodá-la demasiado para conseguir lidar com ela numa base diária. “Sempre fui muito sensível com tudo o que é violento. São coisas que mexem muito comigo e eu tenho de me proteger disso. Mas, quando parei de ler o jornal, foi também uma escolha muito difícil. Porque a questão é: ficas a parecer um ET! Com as pessoas todas a perguntar ‘como não lês jornais’? E estou há anos a tentar estar confortável com esta questão de não saber o que se passa. Se for importante, a informação vai chegar-me. Porque a verdade é que, para mim, tinha uma dimensão tão sufocante que precisei de escolher uma coisa difícil, que foi parecer uma tonta! E pronto. Mas às vezes tem de ser”, atira com um encolher de ombros. Ambas defendem que esta é uma forma de conseguir moderar não apenas o fluxo de informação mas também o “volume” que ela parece atingir. “Eu não leio jornais uma ou duas semanas por ano, geralmente nas férias. Mas há uma coisa ainda mais difícil que é o facto de que, quando se faz política, toda a gente acha que tem de falar connosco de política… No final de uma semana louca, se tive muito trabalho, se foram dias pesados, às vezes chego ao sábado e não vou ler o jornal. Mas há sempre alguém que me vem falar sobre os assuntos”, diz Cecília, com uma gargalhada.
Esses momentos de silêncio, concordam ambas, são cruciais para conseguir definir prioridades e pensar sobre os assuntos que realmente importam. “É isso que se espera de um político”, defende Cecília. “E isso aprende-se, mas se estivermos sempre dependentes do ciclo noticioso, não é possível. Porque vamos andar sempre a correr atrás do que é imediato e não do que é mais importante. Para quem está a tomar decisões sobre a vida dos outros, e é isso que faz um político, isto é importante. E eu prefiro um político que sabe distinguir o que é importante, do que alguém que está indignado a emitir opiniões, muitas vezes cheio de razão e muitas vezes sem nenhuma, mas que nada daquilo tem consequência. Acho que estamos a assistir à criação desse tipo de indignados profissionais”, considera a jurista. “O volume da informação é muito elevado. Não apenas a quantidade, mas o ruído, mesmo”, anui Roberta. “Além de que conversas feias que podiam acontecer, mas que eram tidas num quartinho fechado com alguém, hoje em dia vemos nas capas de jornais. Mas como é possível? É por isso que acredito na história do filtro das pessoas, porque tudo isso vai levar a que as pessoas queiram transparência. E confiança. Eu tenho sentido isso”, admite.
Pegando na deixa, a deputada da AR recorda que agora se “vê uma maneira de comunicar política que eu acredito que seja eficaz, mas que é errada. Que é a chamada narrativa, em que os argumentos são aqueles – e mesmo que eu esteja errada, os argumentos continuam a ser aqueles – que são os que estão na cartilha. E digo que é eficaz porque a mentira é quase sempre eficaz momentaneamente. Mas a falta de respeito pelas pessoas, pela inteligência das pessoas… Esta maneira de comunicar já começou há muito e tem muito que ver também com a produção do título, e pela quantidade de vezes que é é visto. E tenho de o dizer: um título que às vezes foi posto por alguém que nem percebia muito do assunto, mas que foi posto ali por alguma razão…”, lamenta. “Também é preciso perceber que, para os jornalistas, as coisas mudaram muito. Dantes, muitos produziam conteúdos escritos e agora produzem todo o tipo, e têm de produzir muito mais do que antes, pelo que o tempo de reflexão diminui muito. Dantes, alguém ia para uma conferência de imprensa, perguntava qual era o tema e estudava-o antes. Isso hoje não acontece e nota-se muito. Mas acho também que as pessoas estão a começar a perceber como se defender disto. Oiço mais pessoas a questionarem”, congratula-se.
“Só acrescentando uma coisa a isto que a Cecília disse, eu acredito que essa democratização da informação veio expor muito as características da sociedade, como um todo. E estou a falar globalmente, e não apenas de Portugal. Nós somos reflexo de uma sociedade, em qualquer área que estejamos.” “É uma conjuntura”, e por isso é que a questão da comunicação é tão complexa, defende. E aproveita para recordar os vários momentos da História em que o acesso à informação provocou ondas de indignação, ou movimentos coletivos porque, de alguma forma, as pessoas foram encontrando eco para algumas da convicções que já tinham.
Indignados profissionais
Assumindo que as gerações mais novas têm uma formação significativamente diferente, é preciso que saibam como aprofundar o conhecimento. Para Roberta, em algum momento, esse aprofundamento tem de passar por um lado mais espiritual, até. “Para percebermos o que queremos mesmo. Porque às vezes temos de perceber se não podemos querer um pouco menos, ao invés de um pouco mais. Acho que temos de pensar nisso”, pede, referindo-se especificamente ao elevado nível de consumo que atualmente existe. “Lembro-me de uma vez perguntar a alguém que tinha uma posição menos favorável, economicamente, o que a pessoa queria da vida. Eu estava numa conversa de vida! E a pessoa respondeu ‘um tablet’. E eu pensei: ‘Caraca, como é que eu saio dessa? [Risos.] Então, acho mesmo que devemos olhar para valores como o respeito. Pensar sobre o que é viver em sociedade. E penso muito no consumo. Habituámo-nos a consumir e a dispensar as coisas depressa. Às vezes olho para o preço de uma blusa supergira e penso: como é que pode custar €1,5? Não é suposto! Claro que queremos salários mais altos, mas para isso os produtos não podem ser baratos. Acho que isto nos deve fazer pensar mais enquanto sociedade, e não tenho a sensação de que o estejamos a fazer. Sinto que estamos a viver como se estivéssemos numa selva em que cada um está a tentar salvar-se…”
Cecília garante que há coisas que, na política, se podem e devem fazer sobre isto e que implica, entre outras coisas, conseguir abafar as vozes daquilo a que chama de “indignados profissionais”. São pessoas que “que só causam ruído, e que traduzem bem o que a Roberta estava a dizer: são os políticos que garantem que é possível pagar muito menos impostos, haver muito mais serviços públicos, diminuir a dívida, diminuir o défice, aumentar salários, férias, a qualidade de vida e haver muito mais produtividade. E que nada disto tem sido possível porque isto é tudo uma ladroagem [risos]. É este tipo de discurso”, exemplifica. “E que vai a um fundo de verdade porque sim, há um problema grave de corrupção em Portugal, mas nenhum País do mundo vai algum dia prometer isto tudo. Porque o Estado não é uma entidade superior que tem recursos infinitos. Somos todos. E o que o Estado propõe é a forma mais justa de tirar e a forma mais justa de dar. E é evidente que se prometemos dar tudo, vamos tirar muito mais”, nota a deputada. “Faz-me impressão que isto não seja dito com clareza. E, sobretudo, acho que é preciso explicar isto à classe política, porque creio que as pessoas têm perfeita noção disto”, esclarece. ”Porque parece que a ideia de ser político é estar na oposição a protestar aconteça o que acontecer. Isso também é uma coisa muito vazia, não é? E repetitiva.”
Já Roberta, pede “um leve ajuste nesse olhar sobre a distribuição. Tem de ficar claro que é recolher de muitos e dar a todos. Porque quando o discurso é ‘tirar de uns e dar a outros’, faz com que as pessoas achem que estamos uns contra os outros. E não é isso. É viver em sociedade, onde quem tem mais possibilidade contribui mais; e quem tem menos, precisa de ser acolhido. Este é o tipo de subtileza que cria rixas e raiva. Porque há muita gente que se sente vista e não olhada”, defende. “Tem razão. Até porque [em Portugal] não há ninguém, por pior que viva, que não pague um imposto! Uma pessoa vai comprar uma pasta de dentes e paga um imposto”, lembra a jurista, secundada pela empresária: “Um nível de desigualdade grande não é bom para ninguém. Não faz bem à sociedade. E, novamente, estamos muito bem em Portugal – temos escolas públicas de qualidade, temos hospitais públicos de qualidade, temos serviços, temos estradas. Podemos discutir se podem ser melhores, mas são bons. Sobretudo quando se compara com o país de onde venho. E quando olhamos para o tamanho do problema – e é isso que me deixa indignada – e vemos que seria tão fácil de resolver, pergunto-me se não há falta de vontade para que isso aconteça”, atira em jeito de provocação.
“Tenho noção de que às vezes nos esquecemos disto, de que não temos o nível de problemas, de pobreza de alguns países no mundo. Estamos mal na Europa, mas no mundo… Acho que não há falta de vontade, mas há falta de bom funcionamento, de competência. Sem-abrigo, idosos, as questões dos que vivem à margem da sociedade não se resolvem apenas com dinheiro. As pessoas precisam de uma oportunidade, e para isso precisam de ser preparadas para acolherem essa oportunidade”, defende Cecília, quase em coro com Roberta, que aproveita ainda para pedir à classe política que não ponha de lado a continuidade, de cada vez que muda a força que está no poder. “Isso retira a nossa confiança”, conclui em jeito de apelo. “Se a ideia é boa, porquê mudar?”, resume
*Artigo publicado inicialmente na edição n.º 447, de julho de 2021, da revista EXAME