O sol entra de rompante no quarto, à medida que o dia amanhece. Lá em baixo, o Douro parece, efetivamente, de ouro, a refletir a luz intensa dos primeiros raios de primavera. Assim que abrimos a janela, ouvimos o burburinho das ruas, cheias de turistas e locais que aproveitam o bom tempo para os primeiros passeios à beira-rio. Estamos em plena Praça da Ribeira, no Porto, no mais recente investimento da Gran Cruz – uma guest house com sete quartos e um restaurante que já conquistou quem teve oportunidade de provar as opções de cozinha tradicional portuguesa que Miguel Castro e Silva e José Guedes sugerem. A dupla já toma também conta do restaurante De Castro Gaia, do espaço Porto Cruz, onde Jorge Dias, diretor-geral da Gran Cruz, fala à EXAME sobre esta entrada no mundo do turismo, no qual a empresa deverá continuar a apostar.
Para Jorge, não falamos propriamente de entrar numa outra área de negócio. “Isto é um projeto de vinhos”, garante, com o sorriso que facilmente se lhe aparece quando conversa, seja com amigos ou com jornalistas. “Com o espaço Porto Cruz [aberto em 2012], com a Gran Cruz House (GCH), inaugurada em 2018, e com a Quinta de Ventozelo podemos proporcionar aos nossos clientes, agentes, distribuidores, importadores, três experiências diferentes e enriquecedoras à volta do Douro e do vinho do Porto. Dos nossos vinhos, do way of living…”, começa por dizer. Em Vila Nova de Gaia e no Porto, a ideia é permitir uma experiência de cidade, de animação, de consumo de vinho com amigos, num ambiente cosmopolita onde se multiplicam as sunset parties e se cruzam turistas e locais.
Já “Ventozelo é outra coisa”, declara Jorge, de olhos perdidos na vastidão do Douro. “É uma imersão na terra, na espessura histórica daquela região, daquela quinta. Na multiplicidade de ecossistemas que a quinta tem. Uma imersão no silêncio e na calma que o Douro nos provoca.” A propriedade, comprada pela Gran Cruz em 2014, é uma das maiores e mais antigas da região, com registos que remontam ao ano de 1500.
São 400 hectares de terreno, dentro dos quais há 200 hectares de vinha. No resto do espaço, além das infraestruturas que estão a ser recuperadas ou construídas de raiz, há também olival, horta e trilhos para serem descobertos pelos hóspedes dos 29 quartos que, em setembro, estarão finalmente abertos ao público.
O projeto tem três anos, as obras começaram há um. Com um investimento global de sete milhões de euros, a Gran Cruz quer fazer da Quinta de Ventozelo um “produto muito completo, uma experiência de 360 graus à volta do conceito do Douro”. Rejeita a ideia de resort e explica porque o projeto se vai chamar, precisamente, Ventozelo Hotel e Quinta.
Os hóspedes vão ter a oportunidade de participar nas atividades da quinta, sejam elas as vindimas, o varejo das azeitonas, apanhar os tomates para a salada da próxima refeição ou a reconstrução de um muro de pedra seca. E se quiserem ficar apenas a descansar na piscina, com vista para o Douro vinhateiro, podem igualmente fazê-lo. Mas para a Gran Cruz, este não é um projeto que possa fechar-se sobre si próprio. É, também, uma oportunidade para revitalizar a região e torná-la ainda mais atrativa, garante o responsável.
“Queremos encontrar as parcerias necessárias – até para que se possam estender as estadas – com os museus, a oferta de golfe das outras quintas, restaurantes das aldeias ou de outras quintas.” A Quinta de Ventozelo tem uma localização privilegiada na margem esquerda do rio, fazendo parte da freguesia de Ervedosa.
Com uma configuração de anfiteatro natural, é um espaço onde desde cedo a Gran Cruz recebeu clientes e amigos, sabendo à partida que queria abri-la para um público mais vasto. Uma das grandes apostas do projeto é o museu que ali vai nascer, “que é quase uma extensão do Museu do Douro, em termos de conceção”.
“Esse foi o primeiro museu do território que houve em Portugal e, além de uma sala onde há coleções, haverá também uma parte muito sensorial para as pessoas perceberem bem o que é a espessura histórica da quinta e do Douro. E depois essa experiência prolonga-se para o resto das construções – a adega, o alambique, até o pequeno percurso onde as pessoas podem interpretar dois quadrantes da quinta: desde um regresso pelas hortas até à prova de vinhos, que permite uma experiência completa.
As baterias estão sobretudo apontadas a três mercados internacionais: Brasil, EUA e França. Os dois primeiros, porque as propostas da Gran Cruz permitem oferecer-lhes precisamente o que geralmente procuram: um pacote que tenha História, qualidade e segurança. Já os franceses têm optado por Portugal pela proximidade, pela segurança do destino e, claro, pelos preços competitivos. Mas acresce a isto o facto de poderem escolher a Gran Cruz pela familiaridade: a companhia é detida pelo grupo La Martiniquaise e é líder de mercado no segmento de vinhos do Porto naquele país.
Atualmente, na Quinta de Ventozelo já se produz vinho, azeite, vinagre, gin e vinho do Porto. O cabaz mediterrânico, garante Jorge, não deverá ficar por aqui, porque afinal é preciso “atrair outros consumidores e criar novos momentos de consumo”. Algo que a empresa tem conseguido fazer com sucesso. Pelo menos, é isso que mostram os números: em 2018, a Gran Cruz garantiu um crescimento de 44% em termos de volume de negócios, para quase dois milhões de euros, só no segmento de Turismo.
DOS VINHOS AO WHISKY
A Gran Cruz tem alargado o seu leque de ofertas, de forma a garantir que antecipa o comportamento dos consumidores, mais voláteis a tendências
Jorge Dias participou na candidatura do Douro a Património Mundial da Humanidade, título que a região garantiu em 2001, e há dez anos que lidera os destinos da Gran Cruz. Profundo conhecedor da região e dos vinhos durienses, acredita que estamos a assistir a uma mudança geracional nos consumidores, o que se traduz em constantes desafios para os produtores. É assim que justifica a recente movimentação da La Martiniquaise, que adquiriu a Cutty Sark no final do ano passado, e que transformou a Gran Cruz no distribuidor da marca para Portugal, papel que pertencia à Sogrape desde 2001.
A Gran Cruz Vinhos, cuja faturação se aproxima dos 40 milhões de euros, tem no seu portefólio marcas como a vodka Poliakov, Porto Cruz, Dalva e Quinta de Ventozelo. Mas os whiskys estão a reconquistar adeptos e a Martiniquaise já tinha começado a posicionar-se há alguns anos, quando, em 2008, adquiriu a Glen Moray, uma reconhecida destilaria de malte escocês.
“Houve uma aposta muito grande no virar desta década por parte do grupo, que construiu uma destilaria de elevadíssima performance, uma das maiores cinco destilarias de grão” [a Glen Turner, que produz o whisky Label 5], e que já operava no segmento mais premium com a Glen Moray.
“Agora, convenhamos que o malte é um mercado de nicho”, nota o responsável. “A marca Label 5 é uma das maiores marcas mundiais, mas que está concentrada em determinados mercados, e chegou a hora de investir numa marca global como a Cutty Sark. Esta é uma referência que teve quase 50% do mercado dos EUA, há 40 anos; depois houve um desinvestimento dos distribuidores, e achamos que o La Martiniquaise sabe bem criar marcas e rejuvenescê-las”, continua. “Tudo isto acaba por ser modas ou ciclos. Acredito que o princípio de um ciclo, hoje, não representa o fim do outro. Há quatro anos que andamos a dizer que o gin passou de moda e ele não passou nada, mesmo que o whisky ou o rum estejam, como estão, a ganhar mercado”, nota.
“Até lhe digo mais”, atira com um sorriso, “eu acho que 70% dos consumidores de gin não gostam de gin. Colocam imensas coisas no copo para não sentir o sabor. Tudo aquilo é amargo e as pessoas gostam de coisas doces…” Jorge Dias acredita que os consumidores, hoje, são mais ecléticos nos produtos, mas que “continua a haver marcas emotivas.
O Porto Cruz é uma delas”, salienta. “E nós temos de estar atentos e tentar antecipar os movimentos”, remata.