As novas gerações de trabalhadores, das mais qualificadas de sempre, podem parecer mais preparadas para lidar com as ferramentas tecnológicas. Mas conseguir tirar partido delas e pô-las a contribuir para a produtividade e competitividade das organizações é uma outra história. E o mesmo se pode dizer em relação às organizações, que apesar de terem tido de se adaptar rapidamente às consequências da pandemia para conseguirem funcionar em “modo” digital, ainda precisam de colocar a tecnologia no seu “core”.
“Temos muito a ideia de que a geração mais jovem é a geração nativa do digital, mas muito numa perspetiva de consumo imediato. Precisamos de passar dessa fase também para a produção,” alerta o vice-presidente do IEFP. “Porque se não, o País tornar-se-á ótimo em aceder a facebooks e semelhantes, mas não teremos capacidade de intervir nessa área,” acrescenta António Leite.
Aviso deixado esta quarta-feira pelo responsável na mesa redonda “A tecnologia e o trabalho”, no âmbito da iniciativa “O Futuro do Trabalho” promovida pela EXAME, e que foi secundado pelos outros participantes. “Muita da nossa gestão não é nativa digital. Conviveu muitos anos com processos que não eram digitais,” afirma António Miguel Ferreira. O managing director da Claranet Portugal diz no entanto que não se trata de uma resistência “consciente” das organizações, mas que quando elementos mais familiarizados com a digitalização e as novas tecnologias chegarem a posições de comando nas empresas “será muito mais fácil.”
Temos muito a ideia de que a geração mais jovem é a geração nativa do digital, mas muito numa perspetiva de consumo imediato. Precisamos de passar dessa fase também para a produção
António Leite, vice-presidente do IEFP
Programas em que o IEFP está envolvido – como o Jovem + Digital ou o Empresa + Digital –pretendem respetivamente dotar de competências digitais as gerações mais jovens e qualificadas de trabalhadores (também os mais atingidos pela pandemia, dos primeiros que as empresas dispensaram) e ajudar a transformar as organizações, nomeadamente as de base industrial. Um esforço de capacitação que a diretora-geral da Microsoft Portugal também sublinhou durante esta mesa redonda: “O futuro do trabalho vai ser híbrido [entre presencial e remoto] e a aceleração veio demonstrar os benefícios que a adoção destas tecnologias pode trazer. Mas é fundamental assegurar a formação de todos para criar impacto.”
O futuro do trabalho vai ser híbrido e a aceleração veio demonstrar benefícios que adoção destas tecnologias pode trazer. Mas é fundamental assegurar a formação de todos para criar impacto
paula panarra, diretora geral da microsoft portugal
Citando o forte recurso de empresas a mecanismos flexíveis de trabalho nos últimos meses (83% das inquiridas num estudo), Paula Panarra lê, porém, uma evidência menos ambiciosa na aposta da capacitação tecnológica dos colaboradores – 44% contra uma média europeia de cerca de dois terços. A responsável sustenta ainda que não basta haver tecnologia disponível para garantir que é adotada e tem sucesso. Para tal, defende, é preciso alterar culturas e “reimaginar processos e empresas que sejam mais resilientes para o digital.”
Sobre os primeiros meses de convivência com o novo modelo de trabalho fora do escritório (para as atividades que o podem desenvolver), António Miguel Ferreira considera que o “novo normal” continuará a privilegiar o trabalho remoto, “mas pondo no prato da balança a componente cultural e a presença física no escritório.” E dá o exemplo da Claranet onde, garante, a produtividade cresceu muito nos primeiros meses da pandemia. “As pessoas são autónomas e são responsáveis quando são autónomas. O importante é o que produzem e não a quantidade de horas que demoram a produzir,” argumenta, no espaço de debate moderado por Pedro Oliveira, head of digital da Trust in News, grupo que detém a EXAME.
As pessoas são autónomas e são responsáveis quando são autónomas. O importante é o que produzem e não a quantidade de horas que demoram a produzir
antónio miguel ferreira, managing director da claranet portugal
Aquela “nova normalidade” – que ainda ninguém quer arriscar que já esteja consolidada – também foi a que permitiu a António Leite, que tem fisicamente o seu posto de trabalho no Porto, deixar de gastar um dia sempre que tinha de vir reunir a Lisboa, mesmo que por 45 minutos. Hoje as reuniões ocorrem na sua maior parte em plataformas tecnológicas, com “enormes vantagens”, embora o vice-presidente do IEFP admita que “há uma perda de caráter social, de alguns momentos do processo de discussão e reflexão”.
E reflexão foi o mesmo que pediu a todos os envolvidos nesta transformação, sob pena de estarmos a ler sinais que não prognosticam o futuro da forma mais correta e a deixar pessoas de fora. “Muitas coisas vão mudar, mas seria muito prudente nas grandes afirmações de que nada vai ser igual,” assume. “Temos uma oportunidade para que todos entendam que o digital vai continuar a desenvolver-se e a ser mais importante para todas as profissões. A dúvida vai ser se vamos conseguir manter esse ritmo. E o que temos de fazer para que o sistema produza mais riqueza e ela seja distribuída de forma mais justa.”
Esta foi a terceira mesa redonda de uma série de debates e reflexões que se realizam esta semana, até à próxima sexta-feira, no âmbito do evento “O Futuro do Trabalho,” iniciativa da EXAME com o apoio da ManpowerGroup e Experis. Os painéis podem ser consultados na imagem em baixo, tal como os protagonistas.
O próximo debate decorre amanhã pelas 11:00, no âmbito do painel “Como reforçar a cultura da empresa”.
