Manhã típica de sexta-feira num dos principais centros empresariais de Lisboa. Na Torre 1 de escritórios das Amoreiras, a sala de espera num dos pisos cimeiros vai-se enchendo. O burburinho acompanha a maré de clientes e faz adivinhar agenda cheia nas próximas horas, de tal forma que fica difícil encontrar, à primeira, uma sala livre onde possa acontecer a entrevista com José Gonçalves.
O presidente da Accenture Portugal chega sorridente e lá encontramos sítio vago, com uma imensa janela aberta sobre a cidade. Com 25 anos de ligação à casa (completa-os em 2019), está há pouco mais de dois à frente do negócio nacional da empresa de serviços profissionais de consultoria, tecnologia e outsourcing.
E também da sua transformação, acelerada pelos efeitos da crise financeira e económica – que obrigaram a mais eficiência e a uma redução de custos – e pelo ritmo imparável da tecnologia, que exige mais velocidade na entrega de resultados.
“Hoje, os clientes esperam que estejamos ao seu lado, a fazer acontecer o que prometemos e a demonstrar que o valor está lá”, resume. “Tudo o que se faz tem de ter mais criatividade e agilidade no teste de soluções. Mais entrega de valor e menos de produtos resultantes.”
Quando chegou ao topo da operação nacional, montou o seu tripé de objetivos: crescer mais depressa do que a média mundial da empresa; apostar em liderar o mundo digital e da cloud; levar as operações a extravasar o mercado nacional. Caminho feito até agora: a empresa cresceu ao ritmo de dois dígitos; o negócio em Portugal está à frente do indicador global do grupo para a nuvem e foi possível atrair trabalhos para clientes globais, em tecnologias e operações inteligentes. “Cerca de metade das 3 000 pessoas que a Accenture tem em Portugal está a prestar serviços para fora, a exportar serviços tecnológicos de alto valor. E 12% do negócio já vem do estrangeiro”, assegura.
O desempenho da operação nacional – que deverá, embora o exercício ainda não esteja completamente fechado, apresentar um volume de negócios próximo dos €150 milhões em 2018 –, aliado à atratividade do mercado para grandes empresas, tem sido terreno fértil para o investimento da empresa e para atração de competências globais da firma para Portugal. Exemplo disso é o Centro de Tecnologia da Accenture inaugurado em Braga em junho de 2017, onde trabalham cerca de 250 pessoas (foi anunciado que chegará às 400) na prestação de serviços de alto valor acrescentado a clientes nacionais e internacionais. Ou a abertura em Lisboa, prevista para o primeiro semestre deste ano, do escritório da Fjord, a consultora de design e inovação do universo Accenture.
Estender o tapete da internacionalização às empresas portuguesas
Além de polo de atração de investimentos e de serviços de nearshoring de clientes, a visibilidade de Portugal enquanto destino de tecnológicas coloca também a Accenture na pele de mola impulsionadora dos negócios das empresas portuguesas para fora de portas. Aí se enquadram as parcerias para aproximar startups da sua rede global de clientes, que abre as portas do mundo como mercado potencial.
“Tínhamos [as empresas portuguesas] tipicamente um negócio tradicional focado no mercado nacional ou nos mercados lusófonos, mas hoje podemos ousar pensar negócios à escala global. Com o mundo digital, as distâncias geográficas já não são um problema: se tiver sucesso num nicho de mercado à escala global, sou muito maior do que se for um player relevante à escala local”, considera José Gonçalves.
Um dos casos de aposta da multinacional – e que recentemente ganhou visibilidade renovada, com a ascensão a unicórnio (avaliação superior a $1 000 milhões) – foi o da Talkdesk, que desenvolve software baseado na cloud para centros de contacto. Uma relação de simbiose, segundo o presidente da Accenture Portugal: “Apostámos nessa relação muito antes de ser um unicórnio, o mérito é todo deles mas demos um pequeno contributo nesse sentido. Ajudaram-nos a ser inovadores na oferta, nós ajudámo-los a ter clientes onde não teriam chegado sem nós.” O facto de o País ter unicórnios “é a prova viva de que é possível ousar a partir de Portugal, pensar o mundo como o nosso mercado, potenciando a inovação e o digital”, acrescenta.
Noutros casos – como aconteceu com a Fjord – o nível de colaboração seguiu por um caminho diferente, que resultou na aquisição da firma britânica. A estratégia global, que no ano fiscal de 2018 destinou €1 250 milhões para investimento, parte para compras, passa por adquirir empresas de nicho que tragam mais-valias claras em termos de competências e que ajudem a consultora a ser mais criativa, inovadora e digital. “Nunca quisemos comprar uma grande empresa que desvirtuasse a cultura e o ADN da Accenture”, resume.
No segundo semestre de 2018, o carrinho de compras da empresa encheu-se com o anúncio e a conclusão da compra de 15 companhias, sobretudo nos setores de design, marketing digital, conteúdos, software para serviços financeiros, big data, Inteligência Artificial e deep experience, e em geografias como EUA, Alemanha, China, Brasil e Suécia. Empresas com uma média de tempo de existência que ronda os 16 anos, embora também haja entre elas firmas criadas já na década de 2010.
“Refreamos a tentação de querer comprar startups. Essa abordagem é muito restritiva, podemos matá-las rapidamente colocando-as num ecossistema muito grande e perdendo a mais-valia de as potenciar no mercado”, justifica o responsável. “Hoje o mundo não se faz de uma única empresa conseguir fazer tudo, mas de uma rede de parceiros que colabora para proporcionar aos clientes e à economia as melhores soluções. Não temos de estar tentados a comprar.”
Áreas como a cloud sustentaram no ano passado o crescimento a nível global da Accenture e de alguns dos principais players que operam nos mesmos três eixos de ação – consultoria de negócio, consultoria tecnológica e outsourcing. No caso da Accenture, as receitas subiram 14% em todo o ano fiscal de 2018 (terminado a 31 de agosto) para €34,8 mil milhões (à cotação atual), que o CEO da empresa, o francês Pierre Nanterme, justifica com o crescimento de áreas como o digital, a cloud e os serviços de segurança “que representaram aproximadamente 60% das receitas totais no ano”. A título de exemplo, a IBM teve, nos primeiros nove meses de 2018, uma subida de 2% nas receitas, para €50,7 mil milhões (à cotação atual), ao passo que os lucros estagnaram. No caso da Capgemini, até setembro, o aumento foi de 4,5% para €9,7 mil milhões, marcado por crescimento nas áreas de produtos e retalho e serviços financeiros.
Às portas da nova revolução
O ano que agora começa não será só um marco para a carreira de José Gonçalves. A própria Accenture cumpre 30 anos da sua autonomização no universo Andersen como Andersen Consulting. A empresa, que tem raízes nos anos 50 no domínio dos serviços informáticos corporativos, incrementou a componente de consultoria nos anos 1980. Em janeiro de 2001 passou a ter a designação atual, Accenture, palavra na altura justificada por estar “conotada com uma ênfase no futuro”.
A mudança de nomes acompanhou as transformações no setor, onde o negócio tradicional da consultoria se intersetava cada vez mais com a presença da tecnologia nos processos empresariais. Mais recentemente, a implementação de componentes de Inteligência Artificial e de big data levou o contributo da digitalização a um novo patamar: além de ajudar a criar experiências diferenciadas para os clientes, melhorou a forma como as instituições trabalham internamente, aumentando a sua eficiência e reduzindo custos.
“A nossa diferenciação é não olhar para a tecnologia como gadgets. É muito fácil deslumbrarmo-nos com as tecnologias ao nosso dispor”, defende José Gonçalves, para quem deve haver equilíbrio para que a força tecnológica seja um meio para criar mais valor para o negócio, os colaboradores e stakeholders, e não um fim em si mesma. Equilíbrio também no processo de transformação das empresas, que a Accenture recomenda que corra em simultâneo: ao mesmo tempo que se cria um negócio novo, não se deve perder a oportunidade de transformar também o core business, para que não haja uma perceção de mudança a duas velocidades na organização. “Há empresas que tentam fazer as coisas de forma separada. (…) Isso é perigoso porque se perde uma oportunidade de transformar em simultâneo toda a organização”, concretiza.
Também internamente teve de se adaptar a estrutura às mudanças trazidas pelas novas forças de trabalho, não só mais jovens como com perfil diferente, como acontece com a integração dos millennials. “Já não somos uma consultora de pessoas de fato e gravata, somos muito diversificados.” Hoje a organização assegura ter espaço para vários perfis – desde consultores, criativos, designers e analistas de dados até gestores de operações –, esbateu as hierarquias e proporciona uma experiência digital e colaborativa, além de políticas de horário flexível e de trabalho remoto.
O império do realtime
Na era da resposta imediata, o acompanhamento dos colaboradores foi reforçado com uma rede de counseling e encontraram-se formas de perceber internamente os interesses de cada colaborador, desenhando e oferecendo desafios à medida e estimulando a realização do trabalho por projetos, para que não demorem a sentir-se relevantes. Outra alteração teve que ver com as políticas de avaliação, com ritmos de realtime feedback que passaram a estar mais centradas nas forças do que nas fraquezas: “O que faz as pessoas motivarem-se é falarmos naquilo que fazem muito bem e em que devem marcar a diferença, ter o seu personal brain”, sintetiza José Gonçalves.
Uma estratégia de compreensão e reforço diferenciado que a organização acredita que também contribui para a inclusão e a diversidade, outras áreas a que tem dado atenção, assegurando um equilíbrio de género na captação e na retenção de talento e um ambiente de realização profissional independentemente da orientação e da identidade sexual dos colaboradores. “Fazemos por motivos de valores e de negócio, vamos ser claros”, assume José Gonçalves em relação a este último ponto. “Para as pessoas serem muito produtivas e eficazes no trabalho têm de estar felizes com o que fazem. Têm de sentir no trabalho que não têm de esconder o que quer que seja, pelo contrário. Assumir-se na sua diversidade é uma mais-valia para a organização.”
Da mesma forma, e depois de a sua força de trabalho a nível mundial ter mais do que duplicado numa década, o processo de recrutamento viu-se obrigado a mudar o chip. Se antes bastava agitar a bandeira com o nome da Accenture para ter de imediato uma fila à porta dos recursos humanos, hoje a escassez de talento obriga a organização a ser mais proativa e a aproximar-se mais das universidades e dos politécnicos. E com novas abordagens, que incluem o endorsement. No ano passado, 23 alunos de elevado talento em dez faculdades do País (Lisboa, Porto e Braga), depois de conhecerem por dentro a realidade da empresa, passaram a ser os “embaixadores” das iniciativas da consultora junto dos seus colegas, no âmbito do programa Accenture Student Ambassador.
Os que vierem a entrar por esta ponte estendida a partir da academia chegam à Accenture no ponto crucial em que o mundo se prepara para lidar com as incógnitas da quarta revolução tecnológica, em particular os impactos que a integração de sistemas digitais, físicos e biológicos e a emergência da robótica de última geração vão ter na economia, no mundo do trabalho, na distribuição de rendimentos e na vida em sociedade.
José Gonçalves não só crê que a transformação não será imediata, mas também que a preponderância da máquina não absorverá nem anulará características como a criatividade, a liderança e a empatia. Estas, defende o presidente da Accenture Portugal, continuarão a ser marcas das pessoas.
“Os humanos vão ser mais humanos no trabalho e fazer menos trabalho de máquinas. E a máquina, para ser mais inteligente, vai precisar da ajuda dos humanos”, afirma. Será, sim, a oportunidade de reconverter quem faz trabalhos mecânicos e repetitivos para funções mais gratificantes, o que também terá ganhos para o mundo empresarial. E com as pessoas mais focadas em ideias novas e diferenciadoras, as empresas ganharão tempo para pensar em vez de estarem demasiado focadas em executar.
Daqui a 10, 15, 20 anos, com a quarta revolução a todo o gás, a vista que hoje se tem das janelas do alto das Amoreiras será certamente diferente, tal como as empresas, os trabalhadores e a forma como ambos se relacionam. Resta saber se na sala ao lado, onde hoje há pessoas à espera de encontrar pessoas, ainda (só) haverá humanos à espera de interagir com outros humanos. E com que humanos.
Fjord abre em Lisboa no primeiro semestre
Há mais uma empresa do setor tecnológico a caminho de Portugal. A Fjord, consultora de design e inovação da Accenture para o mundo digital, vai instalar na primeira metade do ano um escritório em Lisboa. “Ajuda a exportar serviços a partir de Portugal e a seguir e a reforçar o contributo dos clientes portugueses”, justificou José Gonçalves, presidente da Accenture Portugal, que revelou à EXAME a entrada desta rede com origem britânica. O número de colaboradores não está fechado, mas o objetivo é começar com uma equipa pequena e especializada, que crescerá com talento local à medida que vá aumentando a adesão de clientes.
“A Fjord é muito seletiva, premium, só entra em mercados inovadores. Perceberam que Portugal, sendo uma economia pequena, é relativamente sofisticada em alguns setores”, acrescenta José Gonçalves. “É a prova de que Portugal é um país onde vale a pena investir. Temos talento altamente qualificado, competitivo e flexível e que fala muito bem inglês, o que é muito importante em termos globais.”
A compra da Fjord foi finalizada há cinco anos. Entre os serviços prestados pela equipa que combina profissionais do design, tecnologia e gestão, está o desenho, a construção e o lançamento de experiências digitais e o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou canais. Nos anos seguintes, o número de escritórios quase quadruplicou para perto das três dezenas (hoje são 28) e o de colaboradores aumentou a um ritmo superior: hoje rondam os mil nos vários continentes em que a insígnia está presente.
Notícia publicada originalmente na edição de janeiro de 2019 da EXAME