O calor para lá dos 30 graus de um verão prolongado no final de setembro põe jovens turistas a desesperar por sombras enquanto caminham em grupos pela cidade de Setúbal. Alguns, saídos do ferry de Tróia, passam frente ao portão que se abre na fachada pintada de branco do antigo “Quartel do 11” sem imaginar que é sobre eles – os mais de 10 milhões que só este ano já visitaram e se alojaram em Portugal – que se fala lá dentro.
O auditório da Escola de Hotelaria e Turismo, há cinco anos instalada no interior do velho quartel, está composto. Nas duas últimas filas de cadeiras há jovens aprumados de camisa branca. Alguns – os alunos mais velhos – têm gravata. Para dois deles, esta quinta-feira, 27 de setembro, Dia Mundial do Turismo, é também simbolicamente o primeiro de aulas. Ao largo, timidamente, vão acompanhando, ao lado um do outro, as movimentações da comitiva governamental.
Vanessa, 20 anos. André, 19. Moram ambos na zona de Setúbal, mas têm percursos diferentes. Vanessa concluiu o secundário num curso de análise laboratorial; André um curso profissional de técnico de comércio. Ela iniciou agora um curso de especialização tecnológica (CET) nível 5 em cozinha e pastelaria na escola de Setúbal e gostava de abrir o seu próprio negócio, um bar-galeria. “É o meu ano, este ano é a minha vez,” diz entusiasmada. Ele vai estar também durante um ano e meio a fazer um curso de cozinha e depois espera trabalhar num cruzeiro ou num hotel. E um negócio próprio? “É um caso a pensar,” responde.
Esta quinta-feira, arranque de novo ano letivo para os dois, têm também por alguns minutos um professor diferente. Não é que ele não esteja habituado a estas andanças – fez disso vida, durante mais de duas décadas, a dar aulas em universidades. Mas hoje, como o próprio frisou, a aula não é de macroeconomia – tanto que acabou por deixar de lado os apontamentos com números do setor, para “não maçar as pessoas”.
“No turismo todas as tarefas são importantes,” defende o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral
Marcos Borga
Turismo “vibrante e em crescimento”
O auditório está abafado, uns abanam-se com leques, outros com folhas de papel dobradas. No cimo do palco, de fato escuro e gravata azul, está o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral. É a ele que cabe dar o “kick-off” do ano letivo da rede de 12 Escolas de Hotelaria e Turismo, gerida pelo Turismo de Portugal, por sua vez tutelado pela secretaria de Estado do Turismo. Pelo País, 1 900 novos alunos dos níveis de formação pós-secundária 4 e 5 (este último dá créditos para o prosseguimento de estudos a nível superior) iniciam aulas neste mês de setembro em 77 novas turmas, para um total de 7 500 estudantes em formação contínua.
A aula começa com a passadeira vermelha estendida aos alunos: “Estão a entrar para um setor vibrante e em crescimento.” E nos 25 minutos seguintes, numa aula em pé e apoiada apenas pelos apontamentos inscritos em pequenos cartões A6 com o escudo da República, o ministro desfila o rol de factos e números que dão ideia da importância do turismo em Portugal. Receitas a crescer 50% em três anos e a duplicar numa década, um dos países com mais turistas que habitantes e onde o setor, inovador, moderno e sofisticado, se mostrou resistente à crise.
Ao longo da aula não há propriamente interação com os alunos – num dos poucos momentos, o da introdução do ministro, o engano provocado pelo nervosismo de um dos estudantes, que anunciou Caldeira Cabral como “senhor primeiro-ministro”, fez sorrir a sala -, mas é só a eles que o professor se dirige, enaltecendo as oportunidades criadas por uma atividade que vale ao País prémios internacionais (melhor destino mundial este ano, dois anos consecutivos melhor destino europeu) e está a mudar a forma como os estrangeiros percecionam Portugal.
“Para que as coisas corram bem não podemos ter uma ou outra coisa gira e interessante, tem de correr tudo bem. Nada pode falhar. O turismo não é só da porta do hotel para dentro, também é para fora, tudo tem de funcionar bem,” insiste, até porque com a velocidade de propagação, um cliente descontente “não reclama à família: hoje pode divulgar por milhões de pessoas e fazer a diferença na classificação de um hotel.”
“O turismo não é só da porta do hotel para dentro, também é para fora, tudo tem de funcionar bem”
Marcos Borga
As soft skills do small talk
A ideia de um setor feito de pessoas e para pessoas perpassa toda a aula, mesmo quando se fala da revolução digital em que as máquinas ameaçam roubar empregos aos humanos. Por isso a aposta necessária nas competências de relacionamento interpessoal. Daí, sublinha, o esforço feito na reformulação recente de conteúdos nas escolas, dando mais peso aos “soft skills” como o “small talk” (os estrangeirismos são recorrentes), sorrir para os clientes, aconselhá-los, falar com eles e olhá-los nos olhos. “Os hoteleiros dizem que [os alunos] saem muito bem preparados, vão para um bar e sabem fazer todos os cocktails. Só não sabem fazer o mais importante, que é conversa com os clientes,” concretiza.
Num setor que, no final do segundo trimestre deste ano, empregava 337 mil pessoas no País (6,9% do total da economia) e em que mais de metade (57%) tem o ensino básico e pouco mais de um décimo (11%) pelo menos a licenciatura, em que o vencimento líquido ficou em média nos 632 euros e os profissionais continuam a denunciar situações de precariedade, o ministro deixa uma mensagem de inclusão, a de que no turismo “todas as tarefas são importantes.” E, considera, tão empreendedor é alguém que cria uma nova empresa (quase 40% das firmas criadas nos primeiros sete meses do ano tinham ligação ao turismo), como quem inova dentro da empresa para que trabalha. “Sejam criativos. Quase todos os empreendedores começaram por fazer diferente nas empresas onde trabalhavam,” acrescenta.
“Façam o favor de ser felizes”
Já a aula vai na reta final quando Manuel Caldeira Cabral usa o seu próprio exemplo para apelar aos alunos a que sejam permeáveis às viagens que fizerem e às pessoas que receberem. Sozinho e com amigos, diz, correu o país na sua motorizada antes dos 18 anos – “Não recomendo, há outros métodos de transporte melhores,” avisa, entre sorrisos. Fez dois inter-rail, um costa-a-costa nos EUA, passou pela Ásia, Marrocos, África do Sul, além de ter estudado em Inglaterra. O que ficou do final dessas viagens? “Visões e ideias diferentes do mundo.”

André e Vanessa estreiam-se este ano na Escola de Hotelaria e Turismo de Setúbal
Marcos Borga
Aos novos alunos, apela – parafraseando Raul Solnado – “Façam o favor de ser felizes”. Um apelo em que se encaixam Vanessa e André que, vindos de áreas não diretamente relacionadas com o turismo, estão agora concentrados naquilo a que emocionalmente mais se sentem ligados: “Sempre foi uma coisa que eu gostei,” diz Vanessa; “Desde a minha infância sempre tive este interesse pela área da cozinha,” corrobora André. O ministro-professor acrescenta: “E, se não forem felizes, não culpem o turismo, não culpem o vosso chefe, não culpem a vossa empresa. Há muitas outras coisas para fazer no turismo, atrás de um bar, a animar a vida de uma piscina, a gerir um hotel.”
Aplausos, sorrisos, cadeiras que arrastam e semblantes de alívio por deixar o calor do auditório (embora na rua a temperatura não esteja mais suportável). A comitiva segue atrás do ministro e da secretária de Estado para mais uma etapa do périplo com que quis marcar o Dia Mundial do Turismo, a inauguração, ali ao lado, do hotel de aplicação da escola, o Escola 11, cujo funcionamento corrente será assegurado pelos próprios alunos.
Já a tarde vai a meio quando o ministro consegue compor o estômago de um almoço que não o chegou a ser, enquanto come uns aperitivos a meio de uma entrevista. Num dia cheio dedicado ao turismo – de manhã uma cimeira em Lisboa, à tarde o anúncio da reabertura da pousada e o arranque do ano escolar em Setúbal -, dali até ao final do dia ainda há dois pontos de agenda. Não tarda, por isso, a estar de novo a caminho de Lisboa e é só por minutos que não ouve a música ambiente que agora sai das colunas montadas no exterior da escola: “Solta-te, liberta-te. Abre as asas do sonho, tens todo o futuro para saborear.” Podia bem ser uma mensagem subliminar para os alunos que agora começam o ano na escola, mas era o arranque da canção do momento interpretada pelo cantor Toy, ele próprio um filho dileto de Setúbal.