A chegada do tempo quente, sobretudo nos anos que sucederam à crise económica de 2008, tem feito germinar, em Portugal, várias ideias originais que, muitas vezes, apelidamos de “negócios de verão”. No entanto, um número significativo daquilo que eram apenas hobbies tem-se transformado em empresas estruturadas, sólidas, que garantem alguns postos de trabalho a tempo inteiro, enquanto driblam a sazonalidade com a ajuda da globalização: através ora de vendas online ora das viagens que cada vez mais portugueses fazem para destinos quentes, durante o ano inteiro, e que permitem que as vendas não estagnem durante o inverno. A VISÃO foi à procura de algumas das empresas que fazem o verão durar, por doze meses, e que hoje são exceções às milhares de companhias que todos os anos fecham portas. É sabido que a hotelaria e a restauração são os principais responsáveis pela quebra de 0,6%, em média, do desemprego durante os meses de verão – o valor é comparado com a quebra média de 0,2% do desemprego no resto do ano –, mas a verdade é que estas novas empresas vão muito para lá desses setores.
O vestuário e o têxtil têm-se revelado apostas certeiras, sobretudo pela facilidade de exportação e pelos elevados padrões de qualidade garantidos na produção nacional. No ano passado, este setor registou um recorde absoluto de exportações: €5 237 milhões. Também o calçado não escapa à febre dos negócios de verão. Afinal, é outra das indústrias com maior facilidade em combater a sazonalidade com a ajuda das exportações, já que 95% da produção é vendida no estrangeiro – acima de 150 países comercializam calçado português. As exportações cresceram mais de 50% em menos de uma década, tendo atingido o seu máximo histórico no ano passado, com 83,3 milhões de pares vendidos lá fora (avaliados em €1,96 mil milhões). Em 2017, o emprego neste setor aumentou 25% e soma cerca de 40 mil postos de trabalho criados. A aposta em artigos alimentares, fora dos tradicionais restaurantes, também se tem mostrado vantajosa: quem criou opções de street food consegue contornar o mau tempo com ofertas personalizadas a empresas e com presenças em iniciativas, e há até o caso de quem vá de mochila às costas vender bebidas frescas para o outro lado do oceano Atlântico, e no hemisfério de baixo – garantindo, verdadeiramente, um verão no ano inteiro.

Os padrões simples e coloridos são muito bem acolhidos pelo mercado
Luís Barra
Caia: Com conforto na areia
A Caia começou por produzir e vender almofadas de praia, mas hoje já tem uma linha de fatos de banho, geleiras e bolsas de mão.
No verão de 2012, Inês Fortunato queria uma almofada para levar para a praia. As únicas que encontrava eram insufláveis, o que significava que o conforto era quase nulo. Pôs mãos à obra, e no tempo que lhe sobrava depois do trabalho na empresa de comunicação em que trabalhava, começou a produzir as suas. Procurou tecidos e fábricas, desenhou os modelos e investiu as suas poupanças na produção de 500 almofadas, “para vender à família, aos amigos e aos colegas”. Pouco tempo depois, estava a fazer mais 500 e a deixar amostras em algumas lojas. Em menos de uma semana, ligavam-lhe a pedir mais exemplares. “Era uma necessidade que muita gente tinha, mas não havia nada no mercado. Encontrei uma oportunidade, basicamente”, conta à VISÃO. Menos de dois anos depois, Inês percebeu que tinha de dedicar-se a tempo inteiro à Caia – cujo logótipo também é da sua autoria – se quisesse que a marca florescesse. “Nunca pensei em fazer um negócio, mas quando percebi o seu potencial, pareceu-me que tinha de fazê-lo.” Passados seis anos, orgulha-se de ter uma empresa que fatura alguns milhares de euros, que dá emprego a mais duas pessoas, para além de si, e que é 100% nacional. “Antes, eu ainda importava os tecidos, mas a qualidade não se compara”, garante. Atualmente, às almofadas juntaram-se sacos de praia, lancheiras térmicas, mochilas, bolsas de mão e uma linha de fatos de banho, lançada este ano. “Muitas clientes procuravam, sobretudo depois de serem mães, fatos de banho confortáveis que não fossem tão cavados quanto os modelos mais habituais… fizemo-lo porque ouvimos o mercado”, esclarece antes de explicar que todos os modelos são reversíveis e, também eles, fabricados em Portugal. A Caia inaugurou, entretanto, um showroom ao lado do escritório e vende para países como Angola, Arábia Saudita, Senegal, Japão, Espanha e França.
Francisca Falcão decidiu inventar a toalha de praia dos seus sonhos e, assim, criou um negócio lucrativo o ano inteiro
José Carlos Carvalho
Origama: Toalhas com vista para o mar
Sempre gostou de observar o que se passa na praia. O problema era não encontrar uma toalha que lhe permitisse estar confortavelmente recostada no areal. Por isso, decidiu criar ela mesma a solução. Francisca Falcão, 31 anos, inventou uma toalha de praia com vista para o mar, a Sun Seat – incorporada com duas estacas de madeira, em cruz, que facilmente se transformam em encosto, depois de serem parcialmente enterradas na areia. Ao fim de várias recusas de possíveis fornecedores, que duvidavam da ideia de uma miúda na casa dos 20 anos, Francisca Falcão encontrou uma fábrica de têxteis, em Guimarães, disposta a garantir a produção. “O mais difícil é continuar a acreditar mesmo quando mais ninguém acredita”, alerta. Outra dificuldade é começar com pouco capital disponível – Francisca desfez-se do automóvel oferecido pela família para financiar-se. Naquele verão de 2012, vendeu 250 toalhas. O inverno seguinte serviu para fortalecer o negócio. “Neste caso, a sazonalidade foi boa para organizar a empresa”, afirma no atelier da marca, situado no Prior Velho, em Loures. No ano seguinte, voaram 5 mil toalhas. Em 2014, criou mais produtos com a marca Origama, como almofadas de praia ou toalhas de piquenique, e a Sun Seat (€44,90) foi eleita produto do ano pelos consumidores. O momento de viragem aconteceu em 2015, depois da participação no programa de televisão Shark Tank, no qual Francisca apresentou o produto e conquistou três investidores. Hoje, mantém sociedade com dois deles, os empresários Susana Sequeira (Partners) e Mário Ferreira (Douro Azul). Esse foi também o ano em que a marca entrou no mercado espanhol e abriu uma loja no Príncipe Real, em Lisboa. Em 2016, chegaram a França e, no ano passado, seria a gigante espanhola Inditex (dona da Zara, entre outras marcas) a fazer-lhes uma encomenda, assim como os prestigiados armazéns Home Centre, dos Emirados Árabes Unidos. “Não fomos nós que começámos a internacionalizar-nos, foram os distribuidores estrangeiros que nos contactaram primeiro”, sublinha, orgulhosa. No entanto, Francisca Falcão “sempre soube que a internacionalização seria a melhor forma de combater a sazonalidade do produto”. O próximo passo será a entrada no mercado dos EUA, com a possibilidade de venderem online através da Amazon. Também na Europa, procuram distribuidores em vários países. Atualmente, trabalha no atelier meia dúzia de pessoas. A filosofia da equipa é clara: “Não queremos vender toalhas para ficarem na gaveta, queremos que as pessoas lhes associem memórias.” Felizes, claro está.

A Frua nasceu com o objetivo de providenciar snacks saudáveis na rua, uma opção quase inexistente
Luís Barra
Frua: Fruta fresca no meio da rua
Carina e Carlos não conseguiam encontrar petiscos saudáveis na rua. Lançaram a Frua em 2015, em jeito de brincadeira, e hoje a empresa já entrega fruta fresca em todo o País – e à porta do Oceanário de Lisboa.
Começou como uma conversa casual entre três amigos – um deles, entretanto, saiu da empresa – e, de repente, nasceu a Frua. Encontrar snacks saudáveis na rua era praticamente impossível em 2014 e, por isso, os amigos puseram mãos à obra. Compraram uma pequena mota com um atrelado, pediram ajuda a amigos e a maridos para desenvolver a imagem da empresa e as fotografias de divulgação, investiram as poupanças que tinham e, um ano depois de a terem pensado, apresentaram a Frua ao mercado. Servem fruta fresca cortada, espetadas de fruta, panquecas com fruta ou sumos naturais. Atualmente, Carina e Carlos já trabalham na Frua a tempo inteiro e vão contratando pessoas para os períodos de pico. A carrinha da Frua está, por norma, parada à porta do Oceanário de Lisboa, mas também pode ser vista em Belém, as duas zonas para as quais a empresa “tem licença”, explica Carina. A engenheira do Ambiente revela que, para combater a sazonalidade, a Frua está presente em várias iniciativas e faz entrega de produtos frescos em empresas, de norte a sul do País – assim compensem as deslocações. Não conseguem precisar quantos litros ou quilos de fruta saem por dia, mas esclarecem que são os turistas e as famílias quem mais os procura. A fruta é praticamente toda ela nacional, com a exceção das frutas tropicais, como a manga e o abacaxi – “o preço do ananás dos Açores é proibitivo”. Só param dois meses por ano, janeiro e dezembro, e os seus planos passam por, em breve, abrir um espaço físico, no qual possam promover uma alimentação mais saudável. No entanto, esclarecem que não querem deixar de percorrer as ruas de Lisboa, onde tudo começou.
A sola inteiramente de cortiça de As Portuguesas aguarda a patente internacional
Lucília Monteiro
As Portuguesas: Calçar a portugalidade
A cortiça é a principal matéria-prima dos chinelos criados por Pedro Abrantes. Quando os lançou, esgotou cem pares em menos de quatro horas. Agora, os seus parceiros são a maior corticeira do mundo e o maior grupo nacional de calçado.
O sonho do arquiteto Pedro Abrantes, 33 anos, era conjugar dois dos setores com mais tradição em Portugal: o calçado e a cortiça. Resolveu a equação com a criação de uns chinelos de dedo, com sola inteiramente de cortiça. Começou por garantir uma pequena produção – foi em sua casa que fixou as tiras dos chinelos à sola – e, depois, colocou-a à venda nas redes sociais. “Em menos de quatro horas vendi 150. Tive de devolver o dinheiro a 50 clientes, porque só tinha 100 pares”, recorda, divertido, o empresário portuense. A seguir, foi para a fila da estação dos correios mais próxima enviar uma centena de encomendas. O episódio aconteceu há quatro anos e, desde então, as vendas dos chinelos As Portuguesas não têm parado de aumentar. No ano seguinte, teve um encontro providencial na loja de roupa onde trabalhou alguns meses para ajudar a financiar o negócio: o presidente da Corticeira Amorim, António Rios de Amorim, foi lá fazer compras. Aproveitou a oportunidade e explicou-lhe que comprava cortiça à empresa para fabricar chinelos. Recebeu uma chamada da Corticeira Amorim no dia seguinte e os dois acabaram por constituir sociedade. No ano passado, alargaram a parceria à empresa portuguesa de calçado Kyaia, detentora das marcas Fly London e Softinos. “Com a líder mundial da cortiça e a líder nacional do calçado, conseguimos estar em todo o mundo”, garante Pedro Abrantes, responsável pelo desenho das coleções. “A cortiça sempre me fascinou pela sua história mas também pelo seu potencial”, afirma. “É uma matéria-prima ecológica, mais leve do que outros materiais utilizados no calçado e não deixa o pé transpirar nem aquece ao sol”, enumera. Pedro Abrantes acredita que As Portuguesas “mostram a portugalidade de uma forma inovadora”. O surfista Garrett McNamara é o atual embaixador da marca. “Nós vendemos nos dois hemisférios, e estamos presentes em muitos aeroportos, por isso fazemos negócio o ano inteiro”, revela. No entanto, este ano, arriscaram lançar um modelo de inverno igualmente com sola de cortiça. Até agora, o principal mercado deste novo produto é o norte- -americano. As exportações são responsáveis por mais de 70% das vendas totais da empresa. Pedro Abrantes admite que o nome da marca é difícil de pronunciar em algumas línguas, mas acredita que esse é mais um traço distintivo: “As pessoas são obrigadas a decorar.” Em Portugal, estão presentes em mais de 140 lojas. O crescimento previsto para este ano está acima dos 500%. Pedro Abrantes já tem um novo sonho: “Gostava que As Portuguesas se tornassem um ícone nacional.”

Pop-up store – Ter um espaço físico torna-se fundamental na altura do verão, quando muitos estrangeiros passam férias no Algarve
Filipe Farinha
Cia. das Cestas: De Portugal para o mundo
Valorizar o artesanato nacional, sobretudo a arte da empreita, está no ADN desta empresa familiar que começou como uma brincadeira de verão.
Sofia Costa estava a terminar a tese de mestrado em Branding de Moda quando fez uma viagem com a mãe, Beatriz, à Turquia. As cestas que encontraram por lá inspiraram-na a fazer uma “brincadeira de verão”, para que a mãe, recém-reformada, e ela própria pudessem ter algo com que se entreterem. “As cestas de empreita são típicas do Algarve, sobretudo do nosso concelho de Loulé. Só precisávamos de lhes dar um toque de inovação”, conta à VISÃO. “A minha mãe foi buscar três cestas a uma senhora que ainda hoje faz os nossos modelos exclusivos, pintou-as e eu levei-as para a praia com duas amigas. E logo nesse dia umas senhoras perguntaram-nos onde as podiam arranjar.” Nesse ano, entre julho e setembro, venderam 200 cestas. Daí até criarem uma marca e precisarem de mais do que o corredor e a sala de estar para a produção foram poucos meses. Às cestas de empreita já se juntaram também as cestas de Alcobaça – feitas naquela cidade e de forma artesanal, também – e alguns sacos de lona. Tudo tentativas de se reinventarem num mercado que está em constante ebulição. “Também temos cestas que vêm de Marrocos, porque havia pessoas que procuravam um produto mais barato, mas nem podemos comparar a qualidade dos dois”, afirma Sofia, cuja tese de mestrado foi precisamente sobre a criação da Cia. das Cestas, a qual, desde então, se dedica em exclusivo à empresa, sobretudo na parte da pintura das cestas. A mãe, Beatriz, toma conta da burocracia e outra colaboradora está a tempo inteiro no atelier. Durante o verão, geralmente, contratam alguma ajuda. Esta marca algarvia, que pretende recuperar as tradições nacionais, vende sobretudo para o estrangeiro, com os mercados ingleses e suecos a liderarem a lista de clientes. Durante os primeiros anos, as cestas estavam expostas apenas em lojas selecionadas – “queremos manter o caráter exclusivo da marca” – e disponíveis para encomenda online. No entanto, neste ano, Sofia e Beatriz têm finalmente um pequeno corner numa loja de artigos de praia em Almancil. “Já andávamos há cerca de dois anos à procura de um espaço físico, e a maior parte dos nossos clientes tem casa aqui na Quinta do Lago e no Vale do Lobo”, justifica Sofia, que jamais pensou em ter um negócio próprio, mas que garante sentir-se “totalmente realizada” com a Cia. das Cestas. A sazonalidade deixou de ser um problema com a globalização, uma vez que “as pessoas estão sempre a viajar para destinos de calor”. E claro que a presença em outras geografias já está a entrar na equação.

Conchanata – Michele Tarlattini trabalha cerca de 18h por dia e é o único a conhecer a receita dos gelados mais tradicionais da capital
Luís Barra
Conchanata: Dezoito sabores que só se sentem no calor
É uma das mais badaladas geladarias de Lisboa que, com quase 70 anos de vida, mantém o fabrico tradicional de sorvetes italianos e o fecho nos meses de inverno.
A porta ainda não abriu há cinco minutos e já há fila para entrar. A Conchanata reabriu as portas em fevereiro – “o inverno também já não é o que era, e as pessoas começam logo a querer gelados”, confidencia Celina à VISÃO – e, desde então, é o frenesim do costume. Ainda que o aquecimento global tenha trocado as voltas à família Tarlattini, há mesmo meses em que a geladaria está fechada. Aqui, as tarefas são claras: Michele Tarlattini é quem faz os gelados nas antigas máquinas Carpigiani – têm entre 40 e 50 anos – e garante que gasta entre 16 e 18 horas por dia para conseguir dar vazão ao movimento. As máquinas são lentas, e a capacidade pequena, mas ele não pensa mudar o que quer que seja, porque o objetivo da Conchanata é, além de manter a qualidade, garantir que as memórias sejam preservadas. “Sabe quando chega a um lugar e quer provar aquele gelado que comia com a sua avó quando era pequena? É preciso não defraudar essa expectativa”, conta Celina, responsável por toda a parte administrativa. “É ela que vai ao banco, que fala com os jornalistas e que atende o público”, diz-nos Michele sem parar de tirar gelado de chocolate e de pôr mais a gelar. Os dois filhos também se vão revezando no balcão. Para Celina esta é, aliás, a parte mais difícil do negócio: garantir que os problemas do trabalho não vão para casa e gerir os humores do marido e dos filhos. O resto é história contada por várias gerações de famílias que passam por este pequeno espaço na Avenida da Igreja, em Alvalade. Todos os gelados são feitos artesanalmente, sem recurso a corantes ou conservantes, com produtos de qualidade e todos preparados pelo próprio Michele. Um gelado da Conchanata tem de ser consumido em três dias, mas isso não é problema, uma vez que é raro chegarem, sequer, ao dia seguinte. “Os litros de gelado que vendemos, só eu é que sei. É segredo”, atira o dono da Conchanata, com uma gargalhada, antes de desaparecer para dentro da fábrica.
10 mil – Há meses em que Isabel e Sónia chegam a receber pedidos de entrega de 10 mil Bolas da Praia
Lucília Monteiro
Bolas da Praia: Estas bolas não vão à praia
As Bolas da Praia nasceram porque era preciso matar as saudades do verão durante o inverno. Há sete anos que chegam às empresas do Norte e já têm um polo em Lisboa. Só não vão à praia.
Isabel Câmara e Sónia Serôdio estavam numa praia em Matosinhos, na primavera de 2011, quando tiverem vontade de comer uma bola de Berlim “daquelas que só comemos no Algarve”. Apercebendo-se de que era produto que não havia durante o inverno – nem a Norte – aproveitaram que se tinham ambas demitido recentemente e puseram mãos à obra. “Assim que começámos percebemos que, se tivéssemos cabeça, conseguiríamos crescer”. Isso significa manter uma relação próxima, “mas nunca informal” com o cliente, garantir sempre a qualidade e não dar passos maiores do que a perna. De entregas apenas no Porto passaram rapidamente a entregar também em Lisboa – tendo para isso recorrido a pasteleiros na capital, para garantir a qualidade do produto –, onde a quantidade e dimensão das empresas lhes permite um retorno maior. O único lugar onde Isabel e Sónia não fazem entregas é na praia, precisamente, porque aí as regras do jogo são outras e as duas amigas e sócias não estão interessadas em competir. Trabalham sobretudo com colaboradores a prazo, consoante o volume de entregas e ações, e Isabel revela à VISÃO que não sabe exatamente durante quanto mais tempo manterão as Bolas de praia vivas. “Apareceram imensas empresas a fazer imitações e até já tive problemas com clientes que confundem tudo”, lamenta a empresária. Até lá, continuará a fazer do seu principal objetivo levar as melhores recordações da praia até às casas e escritórios de quem quiser.
2east: Às costas da estação (f)estival
A venda ambulante de bebidas passou a fazer parte dos festivais de verão, com a ajuda da empresa fundada por Bruno Leste. Começou por encher mochilas térmicas com cerveja, mas já chegou ao café.
Neste ano, a equipa da 2East cumpriu, em Lisboa, o seu décimo terceiro festival Rock in Rio (RiR). Também já passou pelas edições do Rio de Janeiro, de Madrid e de Las Vegas. No mês passado, circularam pelo Parque da Bela Vista 150 vendedores de mochila às costas. Nos primeiros quatro dias do festival, venderam cerca de 30 mil litros de cerveja e de cidra, mas as mochilas da 2East carregam muitos outros produtos, como água, refrigerantes, batatas fritas ou, até, merchandising. Bruno Leste, 42 anos, estava nos Estados Unidos da América, a assistir a um jogo de basebol, quando lhe serviram um refrigerante de uma mochila, pela primeira vez. “Era horrível”, recorda. Não duvidou de que conseguiria fazer melhor. Cedo percebeu que o segredo seria criar a própria mochila. Elegeu como parceira a marca portuguesa Monte Campo. O modelo mais ergonómico desenvolvido, garantindo a qualidade de conservação do produto, pesa 19 quilos, depois de carregada com 12 litros. Ao fim de dois anos de atividade, em 2006, já com a mochila operacional, a 2East seria convidada para operar no Rock in Rio Lisboa. “Foi o nosso primeiro grande contrato”, sublinha. O arranque da empresa, porém, não se fez sem sobressaltos: “Cheguei a perder 30 mil euros num só concerto. Investimento mal calculado, desperdício de matéria-prima, chuva durante o espetáculo… Nunca mais voltou a acontecer”. A partir de 2012, os clientes passaram a procurar a 2East, e não o contrário. Além da forte presença nos festivais de música portugueses, também operam em quase 50 eventos europeus. Depois de implantados nos concertos, Bruno Leste pensou em levar as mochilas para as praias portuguesas, mas a legislação complicou o processo. Já no seu mercado estrangeiro de eleição, o Brasil, onde estão há oito anos, distribuem, até, protetor solar, no areal. Também estrearam do outro lado do Atlântico mochilas carregadoras de telemóveis: das 800 mochilas da 2East, entre 300 e 400 estão concentradas no território brasileiro. A distribuição de gelado é outra das possibilidades de negócio. Uma certeza, à medida do território nacional, é a distribuição de café. Poderá passar a haver, nas estações de metro, por exemplo, vendedores com mochilas de café às costas. Em Portugal, a 2East está presente em Lisboa, Porto, Algarve, Madeira e Açores. Lá fora, tem uma estrutura permanente (à volta de dez pessoas em cada país) no Brasil, EUA, México e Espanha. A sazonalidade da época dos festivais é combatida graças a campanhas promocionais solicitadas pelas marcas, mas, acima de tudo, através da presença no estrangeiro. Foram, inclusivamente, convidados para assegurarem a distribuição de bebidas nos estádios do Mundial de Futebol, na Rússia, mas Bruno Leste sentiu que não teria capacidade para garantir um serviço de excelência. A faturação da 2East World, no ano passado, foi de 3,5 milhões de euros e deverá crescer entre 10 e 15% em 2018. “Ou estamos no verão de Portugal ou no do Brasil”, afirma Bruno Leste, para quem a vida se tornou um festival sem fim.
“Seria muito mais barato fabricar na China, mas o selo ‘made in Portugal’ já tem impacto lá fora”
Lucília Monteiro
Darkside: Do lado negro do verão
Carolina Castro começou a desenhar óculos de sol por brincadeira, mas cedo percebeu que tinha um negócio sério em mãos. As vendas online garantem o escoamento de 60% da produção para o estrangeiro.
À formação em Design Gráfico somou-se a experiência enquanto revendedora de óculos de sol. O resultado foi a vontade de desenhar a sua própria coleção de óculos. Carolina Castro, 31 anos, começou por lançar cinco modelos da sua autoria no final de 2015. “Queria testar o negócio antes do verão seguinte”, revela. A fábrica responsável pelo fabrico dos óculos de sol, encontrou-a perto de casa, em Gondomar, a menos de 20 quilómetros da cidade do Porto, onde vive. “Seria muito mais barato fabricar na China, mas o selo ‘made in Portugal’ já tem impacto lá fora”, defende. Os modelos da Darkside, a marca que criou, são produzidos manualmente e podem demorar duas semanas a ficar prontos – os mais baratos custam €159. Carolina Castro deixou o emprego de revendedora em junho de 2017, passando a estar totalmente focada na sua empresa. Se, no ano passado, vendeu cerca de 240 óculos de sol, este ano prevê um aumento de vendas de quase 300%, com 700 pares vendidos e a faturação a rondar os €100 mil euros.
A máxima da marca é slow living (viver devagar). “Implica comprar menos, mas comprar melhor”, esclarece a empresária. Como tinha experiência no ramo, sempre teve consciência da sazonalidade do negócio. “Claro que as vendas são muito melhores no verão”, admite. “Mas há sempre os hemisférios Norte e Sul”, graceja. As redes sociais têm sido fundamentais nas vendas nacionais e, sobretudo, internacionais: 60% da produção é vendida online a estrangeiros. Os clientes chegam-lhe dos antípodas: “Temos muitas vendas para a Austrália, gostava de exportar mais para lá porque é um país muito soalheiro.” Em Portugal, estão presentes online e em lojas no Porto, em Aveiro, na Mealhada, em Lisboa e no Algarve. Carolina Castro traz sempre dois pares Darkside consigo: “Gostava de ter mais, mas não posso esquecer-me de que tenho de os vender!” Vê-os também como um acessório de moda, útil em todas as estações
do ano. Afinal, há paixões de verão que duram o ano inteiro.
Cantê: Inspiração dos trópicos
Se os portugueses eram loucos por biquínis brasileiros, será que também podiam ser loucos por biquínis nacionais? As amigas Mariana Delgado e Rita Soares puseram a ideia à prova e, sete verões depois, já não têm dúvidas.
Quando terminaram o curso de Arquitetura e decidiram fazer uma viagem ao Brasil, todas as amigas lhes pediram para trazerem biquínis brasileiros na bagagem. Às tantas, Mariana Delgado e Rita Soares interrogaram-se por que razão não haveria uma marca portuguesa capaz de apaixonar assim as amantes de praia. Quando regressaram a Lisboa, tentaram perceber se quem sabia desenhar casas também sabia desenhar fatos de banho. “Mostrámos a algumas pessoas do universo da moda e disseram-nos para avançarmos”, recorda Mariana Delgado, 33 anos. Já com o exame de admissão à Ordem dos Arquitetos feito, lançaram a sua marca de biquínis e fatos de banho no verão de 2011. A Cantê, sinónimo de “quem dera”, começou por causar impacto nas redes sociais, depois veio o passa- -palavra e, agora, é a rede social Instagram que mais retorno digital lhes traz. Contudo, conta Mariana Delgado, “o negócio esteve quase para morrer na praia”. As fábricas de têxteis recusavam-lhes as encomendas por serem quantidades demasiado pequenas e uma associação empresarial chegou a dizer-lhes para se dedicarem à cortiça porque os fatos de banho eram muito sazonais… Avançaram com fundos próprios, o marido de Mariana foi um dos investidores, também faziam projetos de arquitetura e, mais surpreendente, vestidos de noiva para financiarem a empresa. Só ficaram totalmente dedicadas à Cantê em 2015, ano em que abriram uma loja em nome próprio no Chiado, em Lisboa. “Organizámo-nos de maneira a conseguirmos viver sobretudo das vendas de verão”, esclarece Rita Soares, 32 anos. No inverno, o negócio é animado pelas promoções e pelos clientes que viajam para destinos de praia. Também têm coleções de homem e de criança. Com a estreia da marca na lingerie, no ano passado, passaram a ter novidades o ano inteiro e o inverno tornou-se mais dinâmico. Continuam a ser ambas responsáveis pelo desenho das coleções: “Tentamos criar as nossas próprias tendências em vez de seguirmos a moda”. São o design arrojado e as estampas coloridas que mais surpreendem os fãs da marca, acreditam. Atraem, sobretudo, pessoas entre os 18 e os 40 anos. Os modelos femininos mais procurados vendem na ordem da centena – com preços a partir de €95,90. O objetivo é sempre esgotar. Atualmente, a equipa tem onze elementos, sem contar com os quatro funcionários da loja. O passo seguinte será a abertura de um espaço comercial no Porto, no próximo ano. A seguir aos portugueses, os espanhóis e ingleses são os que mais compram na loja online – 30% das encomendas chegam do estrangeiro. As exportações, até à data entregues às vendas digitais, assumem-se, agora, como uma aposta. “Fazemos as coleções mais cedo para conseguirmos levá-las a feiras internacionais e estamos a fazer campanhas com bloggers espanholas”, revela Mariana Delgado. Já fotografaram catálogos em várias geografias, da ilha Menorca, nas Baleares, às Maldivas, no Índico. Rita Soares acredita que também vendem sonhos. “Afinal”, diz, “as pessoas são muito mais felizes nos meses de calor”. Mariana Delgado não tem dúvidas quanto a isso: “Eu, se pudesse, vivia o ano inteiro no verão”.
(Artigo publicado originalmente na VISÃO 1324 de 19 de julho)