A sessão foi dada por concluída ao fim de quatro horas, naquela que já foi considerada a mais longa audição de uma pessoa apenas perante os membros do parlamento britânico: Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica (CA), afirmou que ‘Brexit’ teria sido derrotado, que o presidente da CA mentiu e que espera que a empresa feche portas.
“É perfeitamente aceitável dizer que, sem batota, o resultado do referendo teria sido diferente”, afirmou Wylie. E pede ainda que se tenham em atenção dois pontos: “Primeiro, se uma pessoa é apanhada com dopping nos Jogos Olímpicos, ninguém pergunta se isso fez diferença para ganharem a corrida. Não se pode ganhar com batota”, sublinha lembrando que o referendo sobre o Brexit obrigou a uma mudança fundamental na Constituição. “Segundo, o próprio Dominic Cummings (estratega do movimento Vote Leave) afirmou que a campanha na Internet foi o que fez toda a diferença” nos resultados, lembra.
Wylie confirmou também que a CA utilizou, sem autorização, dados de utilizadores do Facebook, e garante que Alexander Nix mentiu quando afirmou que a empresa não o fazia. “É categoricamente mentira que a Cambridge Analytica nunca tenha usado dados do Facebook”. Aliás, explicaria mais à frente, “é impossível desenvolver targeting software [que permite uma abordagem individualizada] sem acesso aos dados dos utilizadores que se querem influenciar. Questionado sobre se o Facebook saberia desta apropriação indevida, Wylie remeteu a pergunta para os responsáveis da rede social.
Nix já foi entretanto afastado da liderança da CA, à qual chegou porque “o seu pai tem uma participação na companhia”, revelou o antigo funcionário, acrescentando que Nix não tem qualquer formação em tecnologia, psicologia, política ou qualquer outro ramo essencial do negócio.
“Estou arrependido de ter demorado tanto” a falar
Apesar do tom absolutamente tranquilo com que falou durante as quatro horas, um dos deputados confrontou Wylie com os motivos que o levaram a denunciar as práticas da CA, afirmando que sentia que o antigo funcionário estava “zangado com a empresa”, o que Wylie confirmou. “Não denunciei tudo antes porque ameaçaram processar-me, para além do facto de ter um acordo de confidencialidade”, justificou. Na mesma ocasião, Wylie lembrou que a CA tem por hábito utilizar técnicas intimidatórias, dando o exemplo do que foi feito na Nigéria, durante uma campanha política, em que foram divulgados junto dos eleitores vídeos de pessoas a serem desmembradas, queimadas vivas ou a serem apunhaladas e deixadas a sangrar até à morte. “Isto é o quão intimidante” é a empresa e as personalidades que a apoiam, adiantou. E salienta o facto de a a repórter que fez a investigação do The Observer[que expôs o escândalo] ter falado com “12 a 15 fontes” e nenhuma querer dar a cara. “Eu tenho-me tornado no rosto” da história, mas há mais pessoas que corroboram a sua versão, sublinha antes de acrescentar que “sim, quero que a empresa venha abaixo. Nada de bom vem da CA . Não é um negócio legítimo. Não acredito que deva continuar no ativo”, atirou. “Eles não querem saber se o que estão a fazer é legal ou não, desde que o trabalho fique feito”, remata.
Durante a audição explicou ainda que o seu antecessor morreu no Quénia, em circunstâncias ainda por esclarecer, mas que houve rumores de que teria sido envenenado no quarto do hotel depois de um “negócio ter começado a azedar”.
Os deputados da comissão foram afirmando, ao longo da audição, que Wylie forneceu ao Parlamento diversos documentos que comprovam o seu relato e as acusações que faz, e que depois de os analisarem em profundidade, é possível que os tornem públicos.
Zuckerberg não fala no Reino Unido
Entretanto, o presidente do Facebook fez saber que não prestará depoimentos aos deputados britânicos, tal como tinha sido convidado a fazer, mas que enviará um dos seus vices para o fazer. O presidente da Comissão, Damian Collins, admite chamar o Chief Product Officer da rede social, mas não quer deixar de ouvir o presidente da companhia, a quem vai escrever a reiterar o convite. “Creio que, depois das evidências extraordinárias de que tivemos conhecimento hoje, é absolutamente inacreditável que Mark Zuckerberg não esteja preparado para se submeter, pessoalmente, a questões perante o Parlamento”, atirou. “Vou, com toda a certeza, pedir-lhe que reconsidere, se tem alguma consideração pelas pessoas que usam os serviços da sua empresa”. Collins afirmou ainda que está disponível para propor que a conversa com o empresário possa ter lugar através de video-chamada, no caso de o responsável não ter agenda para se deslocar a Londres.
Algumas horas mais tarde, a CNN avançava, no entanto, que o presidente da maior rede social do mundo testemunhará perante o Congresso norte-americano. Segundo a mesma cadeia noticiosa, que cita fontes do próprio Facebook, a pressão do público, dos deputados e dos media terá pesado na decisão. O empresário estará já a delinear a estratégia para quando tiver que marcar presença no Capitólio. Recorde-se que tanto Zuckerberg como os CEO da Google, Sundar Pichai, e do Twitter, Jack Dorsey, foram oficialmente convidados a comparecer perante os deputados para falar sobre proteção de dados no próximo dia 10 de Abril.
As acções do Facebook seguem a perder terreno na bolsa de Nova Iorque, e caíam 1,25% para negociar abaixo dos 160 dólares. Os títulos têm sido penalizados, nos últimos dias, por todo este escândalo que arrisca continuar a marcar a agenda mediática e traz novas questões sobre a capacidade de manipulação da democracia e claro, sobre a proteção de dados.
[notícia atualizada às 17h45 com informação sobre o testemunho de Zuckerberg perante o Congresso norte-americano]