As empresas portuguesas de calçado afinaram estratégias e entraram no campeonato das marcas. Em seis anos, nasceram 300 insígnias no país e o mundo passou a estar disponível para pagar mais pelos sapatos made in Portugal, agora os segundos mais caros à escala global. A viragem tática da indústria trouxe novos protagonistas ao sector, coincide com a chegada da segunda ou terceira geração ao negócio da família, rende prémios e conta com o apoio da Associação dos Industriais de Calçado – APICCAPS, a investir milhões em campanhas de internacionalização sucessivas com a ambição de dar à fileira o estatuto de “principal referência mundial com base na produção própria”
Na hora de apresentar a sua empresa, Mário Cunha sabe pintar o quadro geral em poucos traços. A Sleek tem um volume de negócios de 20 milhões de euros, exporta 99% da produção para clientes como a Inditex, Massimo Dutti ou Hugo Boss e “um dia”, quando descia Oxford Street, o jovem empresário até viu vários pares de sapatos feitos na sua fábrica, em Felgueiras, para diferentes marcas internacionais nas montras daquela rua histórica do comércio londrino.
Ao ouvir este relato na Micam, a maior feira de calçado do mundo, em Milão, o então ministro da Economia, Pires de Lima, felicitou o empresário, mas aproveitou a sua experiência como gestor para lhe deixar uma nota de ambição. “No futuro, talvez possa passar na mesma rua e ver sapatos com a sua própria marca, o que lhe permitirá duplicar a rentabilidade”, disse o governante, que já foi presidente da Compal e da Unicer.
Foi essa a escolha da Exceed, uma empresa de Felgueiras que fatura seis milhões de euros e patrocina figuras públicas na Coreia do Sul, para “impor a marca e abrir espaço em novos mercados”, como explica Agostinho Marques, a dar a cara pela terceira geração da Fábrica de Calçado Dura.
Aqui, o ciclo de exportações começou há 20 anos, limitado à produção para marcas de clientes, numa etapa que ajudou a empresa a ganhar experiência antes de avançar com a marca própria Exceed, em 2005. A indústria portuguesa de calçado vivia, na altura, anos difíceis, com a debandada das multinacionais e a concorrência crescente dos sapatos made in Asia, mas a empresa estava “disponível para investir quatro ou cinco anos sem retorno”. Uma década depois, o contributo da marca própria ainda está limitado a 10% das vendas, mas Agostinho Marques acredita que fez a aposta certa, combinada com “a almofada confortável” assegurada pelas encomendas de outros clientes. E apresenta números: o preço de venda ao público da marca própria varia entre 150 e 200 euros, “o que significa um ganho de 20% em valor”.
Quantificar o valor exato que a marca própria ajuda os sapatos portugueses a ganhar é uma missão que parece impossível. Os empresários contactados pela EXAME evitam a resposta ou apresentam percentagens que variam numa escala alargada entre 20% e 70%, sublinhando sempre que há também custos acrescidos, da imagem à logística ou à escala de produção, habitualmente limitada a pequenas séries.
Já Amélia Brandão, professora de Market ing e Gestão de Marcas na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, com experiência de consultoria junto de empresas industriais, sector do calçado incluído, garante que os empresários conhecem bem todos os números do negócio e, entre o trabalho para private label (insígnias de clientes) e a marca própria, “os ganhos de valor chegam por vezes a 500%”.
A verdade é que se o private label continua a ser um pilar para as empresas portuguesas do calçado, a aposta na marca própria é um caminho cada vez mais seguido no sector, e basta folhear os catálogos semestrais das presenças na própria Micam para perceber como a tradição industrial está a cruzar-se com uma nova dinâmica de investimento em marcas, design e marketing para criar valor.
A onda das marcas
Os registos da APICCAPS -Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos são claros: só nos últimos seis anos foram criadas mais de 300 marcas de calçado em Portugal. No entanto, contabilizar o seu peso direto nas exportações torna-se difícil. Os dados recolhidos pela associação indicam que metade das exportações serão já feitas com marca própria, mas estes 50% poderão estar inflacionados, uma vez que o universo em causa está limitado às 130 empresas que respondem habitualmente aos inquéritos sectoriais de conjuntura.
Feitas as contas nesta base, sem esquecer que o grupo de análise em causa, apesar de ser pequeno, reúne as principais empresas da fileira, os negócios de marca própria poderiam valer 900 milhões de euros e justificam, em boa parte, a subida superior a 40% do preço médio dos sapatos portugueses à saída da fábrica na última década até aos 31,8 dólares atuais, o segundo valor mais alto do mundo, atrás de Itália.
Analisando os dados de outra forma, entre 2004 e 2014 as exportações de calçado aumentaram 47% em valor, para 1,8 mil milhões de euros, enquanto o número de pares vendidos ao exterior cresceu apenas 2%, para 76,9 milhões de euros. Procurando um outro ângulo, um teste cego ao mercado, em 2004, mostrava que o made in Portugal implicava diretamente uma desvalorização de 30% nos sapatos portugueses, o que significa que um cliente pronto a pagar 100 euros por um par reduzia esse valor para 70 euros quando sabia que o modelo em causa era fabricado em Portugal. Há um ano, um novo teste cego mostrou que o défice de imagem do made in Portugal tinha caído para 17%.
Para a APICCAPS, que tem vindo a investir na afirmação da imagem da fileira no mundo e assume o objetivo de impor Portugal como “referência internacional da indústria do calçado com base na produção própria”, mais do que os resultados conseguidos no passado, designadamente o reforço de 54% nas exportações desde 2009, importa trabalhar para eliminar este défice de 17%, o que significaria exportar mais 300 milhões de euros por ano.
É um trabalho fundamental num sector habituado a bater recordes nas vendas ao exterior, mas que admite ter falhado a meta de passar a barreira de dois mil milhões de euros em 2015. A APICCAPS acredita, no entanto, ter obtido o sexto recorde consecutivo nas exportações por “uma curta margem”. Até novembro último, o sector exportou 1,73 mil milhões de euros, ficando 0,4% abaixo de 2014, mas o saldo final poderá ser positivo depois de corrigidos os números oficiais, tal como em 2014, quando a associação retirou às estatísticas do INE 10 milhões de pares e 18 milhões de euros relativos a operações que envolvem calçado oriundo da China para ser vendido a outros países. Olhando para o mapa, no primeiro semestre do ano o principal responsável pela quebra na vocação exportadora da fileira foi a Europa e, em especial, França, o seu maior mercado. Já nos últimos meses, o efeito negativo ficou a dever-se à Rússia e a Angola.
Quando olha para o desempenho do sector, que se apresenta ao mundo como a indústria mais sexy da Europa em sucessivas campanhas internacionais, a última das quais protagonizada pela atriz Victória Guerra, e com uma imagem consistente de qualidade, o presidente da APICCAPS, Fortunato Frederico, admite que o sucesso de uma empresa pode assentar na marca própria, tal como pode assentar em projetos para terceiros, mas não tem dúvidas de que “as marcas têm ajudado a subir o valor médio do sapato português” e a “atrair bons clientes no private label”.
Não será por acaso que empresas como a Rodrigues & Fonseca apresenta três volumetrias diferentes para cada tamanho de pé da marca de calçado infantil Reguila a pensar nas características físicas dos seus pequenos clientes da Europa do Sul, Europa do Norte e EUA. Também não será por acaso que marcas como a Chanel, Hugo Boss, Dolce Gabanna ou Dior produzem no país e que a Prada assume o made in Portugal nos seus sapatos.
No terreno, a atração pelas marcas tem coincidido com a chegada de novos protagonistas. Nos ateliers, há cada vez mais empreendedores/criadores empenhados em deixar a sua marca nos sapatos, como Filipa Júlio e as sabrinas de luxo Josefinas, que já foram apresentadas como as mais caras do mundo, as gémeas Célia e Ana Silva, que mergulharam no programa Shark Tank, da SIC, para convencer os tubarões João Koehler e Tim a injetarem 80 mil euros na Xperimental Shoes, ou a família Teixeira da Mota, unida no projeto Citadin, incubado na Startup Lisboa e focado nas vendas online.
Nas fábricas, a viragem corresponde, em geral, à chegada da segunda ou terceira geração às empresas da família, como sublinha o especialista em marketing Carlos Melo Brito, professor da Porto Business School e pró-reitor da Universidade do Porto para o empreendedorismo e inovação. Coincide também com a valorização do made in Portugal, com a entrada de quadros qualificados no sector, com a reestruturação produtiva e a reorganização das empresas.
Sem o jogo das marcas lusas, “tanto a qualidade como a moda oferecidas nos sapatos portugueses poderiam ser as mesmas, mas grande parte do valor criado estaria certamente muito mais do lado dos donos das marcas internacionais”, diz. E a experiência acumulada pelos empresários do sector leva-os a concordar com esta análise.
Santos, Carlos Santos
Para Carlos Santos, o empresário que arriscou combinar “tecnologia e métodos artesanais na construção de sapatos com alma portuguesa”, fazer calçado é um trabalho de pormenor, que termina no momento da embalagem, quando cada par entra na sua caixa acompanhado por um certificado de produção. A sua missão é “fazer um produto de excelência”, “posicionado no topo da pirâmide” e incorporar valor, conta o empresário, há 43 anos na empresa Zarco, de S. João da Madeira, onde chegou como operário e foi comprando quotas até assumir 100% do capital.
As vendas de 10 milhões de euros (nove milhões em 2012) estão distribuídas por duas dezenas de países e um dos objetivos é aumentar a quota de 30% nos mercados fora da Europa. Para isso, aposta nos EUA, onde fatura atualmente 10 euros em cada 100 euros, e quer passar a concentrar 40% do valor em cinco anos.
Com uma loja na Bélgica, começou por investir na Mack James há 25 anos, mas em 2008 assumiu os seus sapatos em nome próprio, apoiado na valorização do made in Portugal, segmentando a oferta em duas linhas, que concorrem com os melhores fabricantes do mundo: Santos by Carlos Santos, no mercado a partir de 300 euros, e Carlos Santos Handcrafted, com um preço de venda ao público que começa em 500 euros e pode chegar a cinco mil.
Armando Silva & Companhia
“Uma empresa que se queira afirmar verdadeiramente como empresa tem de ter uma marca sua.” A citação é de Manuel Silva, administrador da Armando Silva, S. A., fundada pelo pai em 1946, em S. João da Madeira, para fabricar sapatos de homem de estilo clássico. Hoje, a empresa tem mais de 90% do volume de negócios de cinco milhões de euros (3,5 milhões em 2011) dedicados às marcas próprias criadas a partir da década de 80 para “dar a volta à crise”, depois de muitas viagens de aprendizagem pelo mundo e de um “olhar atento ao trabalho que estava a ser feito pelas grandes marcas internacionais”.
É assim que à Armando Silva, marca que replica o nome da própria empresa em sapatos clássicos, que calçam ministros e Presidentes da República, se juntou a Yucca, uma “linha americana para executivos”, a Gino Bianchi, para clientes mais jovens, a Di Stilo, comprada numa altura em que a sonoridade internacional ainda parecia ser importante para vencer no mercado externo, e, mais recentemente, os sneakers (calçado urbano desportivo) Gino-B, já nos pés de futebolistas como Roben, Snijder ou Van Hooijdonk, o ex–benfiquista com quem a marca lusa desenvolveu uma parceria.
A primeira empresa portuguesa de calçado a embalar os seus sapatos em sacos de flanela com calçadeira, há já 30 anos, tem apostado em ganhar espaço em países como a Holanda, a Bélgica e, mais recentemente, a Alemanha com patrocínios a figuras públicas, do desporto à televisão e às artes. “É uma forma de ganhar notoriedade”, explica o empresário, à frente de uma equipa de 85 pessoas, que exporta 75% do que produz para 11 países, mas continua a ter em Portugal, onde vendia inicialmente tudo o que fazia, uma base sólida de trabalho.
No mercado a partir de 200 euros, os sapatos da Armando Silva, S. A., podem trazer gravado o nome de quem os calça e têm permitido à empresa “não depender de terceiros, ganhar prestígio”, mas o objetivo é continuar a dedicar algum espaço a outras insígnias de clientes, “apesar de as margens serem muito apertadas, uns 30% abaixo da marca própria”. Porquê? “As encomendas têm maior volume e estas parcerias permitem-nos complementar a nossa oferta, recolher informação, aprender coisas novas”, justifica Manuel Silva.
Ronaldo entra em campo
A Portugal Footwear trouxe Cristiano Ronaldo para o mundo do calçado numa jogada para marcar golos no campeonato das vendas. Lançada em 2010, em Guimarães, num formato de agência aberta a trabalhar com várias marcas e parceiros em diferentes tipos de calçado, pronta a fazer tudo o que o cliente precisa, do desenho à comunicação, a empresa obteve a licença de conceção, produção e comercialização da marca Cristiano Ronaldo Footwear a nível mundial em 2015 e já assumiu que o investimento em imagem tem de posicionar o futebolista no mundo da moda.
A trabalhar três coleções CR7 (casual/ urbano), CR7 Junior (infantil) e Cristiano Ronaldo (premium), no mercado entre 79 e 600 euros, para abarcar diferentes segmentos -, a empresa garante que tudo passa pelo crivo do próprio jogador e apresenta como prova o facto de as suas amostras serem todas no tamanho 42, à medida do pé do avançado português. A valorização que o nome do desportista traz a cada par de sapatos é uma pergunta que a Portugal Footwear deixa sem resposta, tal como o volume de vendas da marca. Sem CR7, a Portugal Footwear e os seus 45 trabalhadores faturam 2,4 milhões de euros, adianta apenas a administração, já a pensar criar mais uma linha, de calçado feminino, para reforçar a marca, e a aproveitar o momento para lançar a nova insígnia We Are Underdogs, com sapatos sem estação e modelos unissexo, a par do trabalho para clientes como a Chevignon, Carolina Herrera e Linder.
Quanto às coleções CR7, estão a revelar-se uma alavanca para dinamizar a plataforma de vendas online da empresa, atrair novas marcas e clientes. Pelos seus próprios passos, sempre cuidadosamente calculados, para respeitarem outros compromissos contratuais de Ronaldo, chegaram a lojas físicas em 30 países num ano, entraram via online num navio de guerra americano, estão nas lojas CR7, ao lado dos perfumes, camisas e roupa interior do jogador, na Finlândia, Coreia do Sul, Malta e Irão. Estão numa loja de marca própria só com calçado no Egito e preparam novas inaugurações no Médio Oriente e EUA.
Rui Duarte Silva
A geração Dkode
No Grupo Sozé, criado em 1976, em Felgueiras, a marca Dkode nasceu em 2009, a acompanhar a chegada da segunda geração à empresa, e já é o maior cliente da casa, onde tem uma quota de 50% nas vendas de 10 milhões de euros (nove milhões em 2012), e permitiu alargar a oferta, inicialmente centrada no calçado de senhora, aos sapatos de homem.
Com 160 trabalhadores e uma capacidade de produção própria de dois mil pares por dia, o grupo integra uma unidade industrial no Minho, exporta 95% do que faz e continua a trabalhar para terceiros, apresentando no currículo clientes como a Ecco, Clarks, Hugo Boss ou Kickers, mas está a investir na marca de forma “a controlar mais elos na cadeia de valor e ganhar margem de manobra, da produção à distribuição e ao retalho, aproximando a empresa do consumidor”. Garante também uma maior dispersão de mercados, que estavam muito concentrados na Europa e agora incluem EUA, Canadá ou China, explica o administrador Vasco Sampaio.
Sendo “uma marca de moda urbana capaz de seguir tendências com um olhar disruptivo” em 100 modelos por coleção, a Dkode tem um preço médio de venda ao público de 130 euros, coloca uma fatia de 10% da produção em Portugal, mas tem mais mil pontos de venda em 25 países.
“Quando trabalho para terceiros, por mais proativo que seja, estou sempre dependente das suas decisões e a fidelização do cliente passa pelo preço e pelo produto. Com a marca, fidelizamos o cliente final, o que pode demorar mas garante maior estabilidade a médio e longo prazo”, afirma.
O mais importante nesta estratégia não será o reforço da margem de lucro “em 10% ou 20%, mas a afirmação da própria empresa e a oportunidade de dominar a cadeia de valor”. Vasco Sampaio não tem dúvida de que se os sapatos portugueses são cada vez mais valorizados isso deve-se, “em boa medida, à alteração da gama de clientes de private label, que premeiam a qualidade, a flexibilidade, a resposta rápida, a capacidade para os ajudarmos a encontrar soluções, e que estão a concentrar em Portugal as encomendas de maior valor acrescentado”.
Felmini leva botas a Hollywood e Itália
A Felmini, a marca portuguesa de sapatos que mais vende em Itália, calçou uma das protagonistas da saga Transformers 4 – A Era da Extinção com as suas botas made in Felgueiras, sempre com marca própria. Criada em 1973, a Felmini já era usada para o empresário Joaquim Moreira apresentar o produto aos clientes, que depois colocavam as respetivas marcas nos modelos escolhidos, mas há 12 anos, com a deslocalização de encomendas para Oriente, a empresa percebeu que “tinha de mudar de rumo”, e reorganizou-se, começou a aproximar-se do retalho espanhol e há uma década assumiu que o caminho certo era flexibilizar para produzir 50 ou 200 pares da sua marca de cada vez, “e não milhares de botas para terceiros”.
A aposta “traz ganhos de valor”, que Joaquim Moreira recusa divulgar. “Também tem custos acrescidos”, mas o balanço final é positivo. “A opção que fizemos traz mais-valias, e ver o nosso sapato, com o nosso design, numa montra, a piscar o olho ao cliente com sucesso, é algo que para nós não tem preço”, diz, resignado a ver as suas botas serem copiadas, designadamente em modelos made in China, à venda a 10 euros, ou até em lojas italianas, quando os originais custam 130 a 350 euros.
No volume de negócios de 13 milhões de euros (11,5 milhões em 2011), 99% relativos à exportação, Itália vale 30%, mas a Alemanha está a crescer e as botas, que já absorveram 90% deste valor, representam hoje 7 em cada 10 pares produzidos, já que a marca está a acompanhar as tendências de moda apostando também na oferta de sandálias e calçado desportivo.
Para explicar o sucesso em Itália, o empresário usa a palavra ‘persistência’. “Quando se tem moda e um produto diferente, é possível conquistar qualquer mercado”, afirma, admitindo, no entanto, que depois de três anos a tentar, sem sucesso, entrar no país esteve à beira de desistir. “O que fez a diferença foi insistir mais uma vez. Era a coleção certa e tudo começou a correr bem”, recorda. Quanto ao sucesso atual, apresenta uma explicação mais racional: “Em Itália, trabalham muito com reposições, para reduzirem riscos e evitarem encargos com os stocks, e nós garantimos uma resposta eficiente. Oferecemos pequenas séries, a partir de oito pares, e fazemos reposições semanais. Asseguramos entregas em três dias em qualquer ponto da Europa.”
São 190 trabalhadores e fazem 1200 pares/dia, “para vender no mundo, até na Austrália”. O último mercado conquistado foi o Chile, onde a Felmini espera ter aberto a porta para conquistar a América Latina. Faz 35 a 40 linhas por coleção, para selecionar, depois, umas 22, com quatro a cinco modelos cada. Olhando para a empresa, acredita que a história positiva que tem para contar poderia não existir se não tivesse investido na marca própria, mas não deixa de sublinhar que no passado já produziu muito mais pares.
Rui Duarte Silva
A Guava a 3D de Inês
Inês Caleiro, 31 anos, estreou-se no mundo do calçado com a marca Guava há cinco anos, numa lógica que contraria a tradição industrial de um sector que começava “a ganhar consciência da importância da marca, apesar de assentar numa base produtiva”. Melhor aluna do seu curso no London College of Fashion, recém-premiada com um Dream Award, dedicado aos mais promissores designers, descobriu a paixão pelos sapatos depois de um convite da Jimmy Choe para estagiar com a diretora criativa da marca, mas ainda passou pelo mobiliário da Boca do Lobo, em Washington, e por uma start-up de joalharia, em Londres, antes de arriscar tudo na Guava, onde cria modelos “com arquitetura”, para “uma mulher jovem, contemporânea, cosmopolita, entre os 30 e os 60 anos”.
Cada coleção tem 10 a 15 modelos e os saltos altos, com formas geométricas e um toque de extravagância, que gosta de combinar com sapatos de estilo clássico, irão começar a ser acompanhados por uma nova linha de saltos de 3 cm, também geométricos. No seu trabalho, tudo começa, precisamente, no desenho do salto. “É a partir daí que o sapato ganha vida”, explica Inês, que teve de bater a muitas portas antes de encontrar uma empresa portuguesa disposta a tentar produzir par a par os seus modelos complexos, destinados ao segmento médio alto e prontos a subir na cadeia de valor. A marca, a trabalhar para se afirmar no mercado global, ainda está longe de alcançar a dimensão de vendas desejada, mas a empresária acredita que “tudo começa a encaixar-se da forma certa depois dos primeiros cinco anos dedicados à sua construção”. Se as vendas, maioritariamente online, rondam ainda 100 mil euros, a Guava já chegou a lojas da Irlanda à Arábia Saudita, está nas Galerias Lafayette, no Dubai, e prepara-se para subir o preço médio de venda ao público de 250 para 400 euros na próxima coleção, afirmando a sua vocação de luxo com “pormenores e glamour, do sapato à embalagem. Sinto ter margem para isso”, justifica.
Já quiseram pôr uma marca famosa num dos seus sapatos, mas disse que não. Já quiseram levá-la a desenhar para outras marcas e pôs a proposta em maturação. Nesta fase, quer concentrar-se a 100% no design, comunicação e comercialização da marca, pensada para abarcar acessórios, como prova a primeira mala criada, e para incluir novas tecnologias: os seus saltos vão passar a ser feitos no gabinete de design com recurso à impressão 3D. Nos planos para o futuro próximo está uma parceria com uma celebridade internacional, “provavelmente uma atriz norte-americana”. Mais à frente, quando tudo tiver amadurecido, quer uma loja com o universo Guava, de preferência no país, porque a marca assume desde o início o made in Portugal nos seus sapatos.
Rui Duarte Silva
A assinatura Luís Onofre
O ponto de partida de Luís Onofre foi criar um sapato com assinatura própria, a exemplo do que via fazer em Itália. Foi assim que a marca nasceu, em 1999, em Oliveira de Azeméis, a par da aprendizagem feita a trabalhar para clientes como a Kenzo, Cacharel, Daniel Hechter ou, mais recentemente, a consultoria para designers convidados da H&M. Na terceira geração de uma família ligada ao calçado através da fábrica Conceição Rosa Pereira, que replica o nome da avó, Luís Onofre habituou-se a “olhar muito para o pé das mulheres”, e desenha as suas coleções com apoio técnico sobre tendências e o pé feminino, gostando de lançar “desafios difíceis” a si próprio e, depois, “lutar até ao fim para tornar o desenho exequível”.
Conhecido pelos seus sapatos de saltos vertiginosos, trabalhados como joias, com materiais de excelência e pormenores de luxo, sempre com o escudo de Portugal nas solas, já calçou a primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, a rainha Letizia, de Espanha, a princesa Victoria, da Suécia, as atrizes Penélope Cruz e Naomi Watts. Recentemente, a milionária norte–americana Paris Hilton voltou atrás, depois de deixar um hotel em Madrid, para recuperar a caixa exclusiva dos seus sapatos Luís Onofre, forrada a cetim, e uma das últimas conquistas do designer português, a princesa Ohoud, do Kuwait, descobriu a marca na loja aberta há dois anos em nome próprio na Avenida da Liberdade, no coração do comércio de luxo lisboeta.
São 300 modelos de sapatos e 60 carteiras por coleção, a preços variáveis, que podem passar os 1500 euros, e o designer não pára de procurar novos caminhos, sempre fiel ao objetivo de reforçar a identidade própria, como a ideia de cruzar corações de Viana em filigrana com o calçado.
Na frente industrial tem uma empresa a trabalhar para outras marcas de calçado e assume que tem “aprendido muito nesta colaboração” com marcas conhecidas, que prefere agora manter num registo de confidencialidade, mas que admite ter atraído através dos sapatos que assina. A margem que ganha na marca própria é um indicador que diz não ser fácil de precisar, “porque tudo varia muito em função das quantidades e dos próprios materiais”, mas admite ser difícil passar os 50%.
O volume de negócios caiu 15% em 2015, comparativamente aos 11 milhões de euros de 2014 (10 milhões em 2012), “muito por culpa da Rússia”, na dupla vertente das vendas para o país e das compras feitas por turistas russos noutros países, mas as exportações continuam a responder por mais de 90% das vendas, numa rota diversificada que acaba de o levar à Malásia e à Indonésia. Quando fala em mercados, Onofre destaca os Estados Unidos, onde acredita poder potenciar o crescimento da marca a nível mundial, mas preferia estar lá em franchising, para continuar focado no desenho e na produção. Admite, no entanto, que gostaria de ter um espaço no Porto, logo que seja possível “definir claramente” uma zona de comércio de luxo na cidade. Depois, pensa em estar nos corações da moda, em Paris, Londres e Nova Iorque.
Nobrand com B. I.
A marca lusa de sapatos mais vendida na Alemanha nasceu há 28 anos, “de um erro de casting”, como assume Sérgio Cunha, o empresário que um dia decidiu montar um estúdio para desenvolver coleções próprias para os clientes, mas depressa percebeu que isso ocupava apenas três ou quatro meses por ano e era preciso rentabilizar o resto do tempo. Surgiu, assim, uma fábrica que não estava nos planos de negócio iniciais e uma marca “de design com conforto”, que apresenta hoje um preço de venda ao público entre 120 e 250 euros, chega a 33 países e vale 50% do volume de negócios de 14 milhões de euros (sete milhões em 2012) da Maximo Int., integrada num grupo que fatura 45 milhões de euros.
E os outros 50%? “São private label, um porto de abrigo que dá escala e traz encomendas de grandes marcas e de pequenos retalhistas, apesar de nos obrigar a trabalhar com preços mais baixos”, explica Sérgio Cunha, à frente de um grupo de 300 trabalhadores, 120 dos quais dedicados à Nobrand, que tem no pessoal da casa “a cobaia para testar e aprimorar todos os nossos modelos”.
Em valor, a margem da marca própria pode bater em 70% as vendas para terceiros, mas “os custos, da logística ao serviço, e as quantidades em causa atenuam a diferença”, diz o empresário, que vende os seus sapatos com B. I. (bilhete de identidade), onde fica identificada cada fase do processo de produção.
A criação desta marca orgulhosamente lusa, como diz a etiqueta, “Proudly made in Portugal”, está a cargo de designers portugueses, apoiados por um inglês na montagem das coleções, compostas por 70 modelos de homem e outros tantos de senhora. É um trabalho que beneficia do contacto com o cliente final, no retalho, através de uma loja exclusiva em Medellin, na Colômbia, país onde Sérgio Cunha espera abrir mais um espaço este ano e admite chegar às cinco lojas. Porto, Lisboa, as principais capitais europeias, algumas cidades alemãs e a China, onde a Nobrand já tem um showroom, também poderão ter lojas da marca portuguesa.
Para dar forma a esta ambição, o empresário de Felgueiras está a desenvolver mais duas marcas, a Eat My Dust, uma linha de sneakers com custo entre 180 e 400 euros, e a No Studio, dedicada a “uma mulher sofisticada”, que pode pagar 200 a 400 euros por par. E explica: “São segmentos diferentes que podem complementar a oferta da Nobrand numa estratégia de loja e trazem maior valor acrescentado.”
Rui Duarte Silva
O cartão de visita da Sr. Prudêncio
João Pedro Filipe estudou no Institut Français de la Mode, desenvolveu protótipos para a Louis Vuitton, estagiou com Felipe Oliveira Bastista, mas foi buscar ao avô, sapateiro na Benedita nos anos 50, o nome para a marca Sr. Prudêncio, dedicada a calçado de homem no mercado desde 2012, com preços entre 250 e 700 euros e a alguns acessórios.
Na comparação que faz com as outras marcas portugueses, o designer, de 35 anos, reconhece que, no seu caso, falta o apoio do pilar industrial, mas considera que ganha assim “um bocado mais de liberdade para trabalhar e desenvolver produtos sem ficar limitado pelas competências internas de uma fábrica”.
Com um volume de negócios de 80 mil euros por estação na marca própria, tem aqui 20% da faturação do seu estúdio e um motor de crescimento. “A Sr. Prudêncio é um cartão de visita que ajuda a comunicar o estúdio e a conquistar encomendas e clientes. Não vendemos muitos sapatos, mas tenho trabalho como designer para novos projetos para empresas portuguesas e mesmo para clientes internacionais, à conta da marca”, refere João Pedro Filipe, que criou caixas de madeira, inspiradas no sector do vinho, para guardar os seus modelos e passar a ideia de um produto “a conservar”, consciente de que o homem não compra sapatos de seis em seis meses só para seguir a moda. Cria cerca de 40 modelos de sapatos por coleção e tem uma linha permanente, em que alguns modelos estão sempre à venda, alheios às estações do ano.
Quando olha para este sector, afirma que “Portugal é mais um país de produção do que de marcas”, apesar de reconhecer a evolução das empresas no caminho da afirmação com marca própria, “fundamental para criar mais valor”, e de considerar que este “será o momento certo para este tipo de investimento, uma vez que o mercado internacional já aprendeu a valorizar o made in Portugal e está aberto ao design português”. Pelas suas contas, “uma marca pode trazer um ganho de 70% em valor”.
As escolhas da Undandy
“Olhámos para o mercado e vimos o quadro geral: um país que produz e faz sapatos de qualidade para as grandes marcas mundiais tem poucas marcas com notoriedade internacional e volume de vendas. Acreditámos que havia espaço para o nosso projeto”, conta Gonçalo Henriques para explicar a aventura iniciada em setembro, com o sócio Rafic Daud, na Undandy, uma marca de calçado personalizado para homem que permite mais de 156 mil milhões de combinações a partir de três formas, 75 modelos e uma panóplia de cores. Bastam cinco passos para cada pessoa desenhar o seu próprio modelo com as peças disponíveis.
Feitos à mão, em S. João da Madeira, os sapatos têm um preço médio de 220 euros, que pode chegar a 280. “Se estivéssemos a falar de uma marca de renome no retalho, custariam 300 ou 400 euros sem customização, mas podemos bater esses preços porque o nosso modelo de negócio não exige stocks nem a entrega de margens aos retalhistas”, explica o empresário, que desenvolveu o negócio a partir de duas tendências do mercado: “A customização e a relação direta com o consumidor.”
Para isso foi desenvolvida uma plataforma de vendas online e orçamentado um investimento de 450 mil euros no lançamento da marca, que deverá responder com vendas de 750 mil euros em 2016, em especial em mercados como a Inglaterra e a Alemanha, líderes no comércio eletrónico na Europa. Já estiveram com Nuno Gama na Moda Lisboa e lançaram uma gama especial, com peles exclusivas, sempre para personalizar, disponível na loja do estilista. Em dezembro estrearam-se, no aeroporto de Lisboa, num espaço físico, onde o consumidor pode experimentar o modelo, fazer a encomenda e receber o sapato em casa. O Google também descobriu a marca e nomeou um account (gestor de conta) para trabalhar diretamente na sua publicidade online. A justificar a confiança no futuro, Gonçalo Henriques diz que, “nos sapatos, Portugal bate Itália quando está em causa a relação qualidade-preço, porque o consumidor sente que está a pagar o preço justo pelo que compra, sem extras para a imagem da marca ou do país”.
Rui Duarte Silva
30 lojas e um salto global
Há um ano, a Eureka chegou ao Luxemburgo pela via do franchising. Agora, prepara a entrada na Alemanha e Holanda
Em Vizela, a Alberto Sousa/Eureka Shoes tem duas unidades de produção, numa estratégia industrial desenhada para calçar na perfeição o modelo de negócio desta empresa familiar, onde Alberto Sousa e o filho, Filipe, trabalham lado a lado.
A primeira, mais mecanizada, com três máquinas de corte automático por jato de água e capacidade para fazer 1400 pares de sapatos por dia, trabalha para marcas como a alemã Birkenstock. A outra, destinada a encomendas mais pequenas de clientes com pedidos especiais e das lojas Eureka, produz 700 pares por dia, mas consegue fazer em simultâneo sete sapatos diferentes .”Está vocacionada para linhas com mais valor acrescentado, como a nossa marca própria”, explica Filipe Santos, que tem também uma minifábrica para o desenvolvimento de amostras e protótipos e uma área dedicada a costuras manuais.
Quando nasceu, em 1986, por baixo de uma sapataria da família, a Alberto Sousa tinha cinco trabalhadores especializados em calçado masculino. Seis meses depois empregava 20 pessoas. Agora, são 400, entre produção, logística, marketing e lojas. A empresa está no top 5 dos maiores fabricantes nacionais de calçado, combinando coleções de homem e senhora, faturou 24 milhões de euros em 2014 e cresceu mais de 16% em 2015.
A percentagem de exportações está abaixo da média das maiores empresas portuguesas do sector, em 70%, porque quase um terço das vendas da empresa se destina à rede de 30 sapatarias da marca própria Eureka distribuídas pelo território nacional. “As vendas da Eureka no estrangeiro ainda são residuais, em destinos distantes como o Japão, Singapura, Austrália, mas estamos a trabalhar para mudar isso, através de clientes multimarca noutros países, a partir de 2016”, explica Filipe Sousa, diretor-geral da empresa.
Em ano e meio, o objetivo é ter metade da produção concentrada na marca própria, num salto rápido para a internacionalização, em que a Eureka espera aproveitar o impulso do desenvolvimento da sua rede através do franchising. A estreia do novo modelo de negócio, com uma loja no Luxemburgo, aconteceu no final de 2014 e terá réplicas este ano em Colónia e Amesterdão. Mas aos acordos de franchising individuais a Eureka junta planos de master franchising em destinos como a Colômbia e o Chile, sem esquecer Espanha, Norte de África e Península Arábica.
De Philipe a Eureka
Quando Filipe entrou na empresa, em 2002, no dia a seguir a concluir a licenciatura em Economia, nasceu a marca Philipe Souza, ainda com sonoridade estrangeira e a colaboração de um designer espanhol, mas já a procurar dar resposta a uma questão básica: “Se as grandes marcas procuravam Portugal para produzir, porque não poderia a indústria nacional estar na primeira linha do design, criar e produzir marca própria?”
Em pouco tempo percebeu que não perdia nada em assumir o made in Portugal nos seus sapatos. E agora a Filipe Sousa é uma das marca da empresa, ao lado da Eureka, a designação comercial que acabou por ganhar maior peso na estratégia interna, e de outras insígnias, como Mr. Sousa, Miss Julie, Eureka Concept ou Eureka 25, de forma a abarcar uma oferta alargada, a pensar no homem mais clássico, nas mulheres jovens à procura de moda e conforto, nos nichos mais futuristas e experimentais ou na reedição de um modelo clássico unissexo. Há ainda espaço para parcerias com designers, bloggers e figuras públicas, que já levaram a Eureka a cruzar-se com nomes como Nuno Gama, Sr. Prudêncio, Manuel Luís Goucha, Pedro Crispim ou Raquel Prates. Tal como vai trabalhar na Holanda com uma das principais bloggers de moda do país.
Quanto à Eureka, construída a pensar “na fusão dos fatores moda e preço”, “reúne uma oferta mais casual e urbana”, com 120 modelos de homem e senhora por coleção, design interno e um preço médio de venda ao público entre 100 euros na primavera/verão e 120 euros no outono/ inverno. “Optamos por trabalhar paralelamente com submarcas, porque a oferta é ampla, do sapato mais clássico ao sneaker mais ousado, e pensámos que fazia sentido segmentar para não confundir os clientes”, explica o gestor.
Apostar na marca era “um passo lógico de afirmação no mercado, uma forma de marcar a chegada da segunda geração à empresa, a garantia de dominar o processo a montante e a jusante e a oportunidade de criar valor”. E uma marca pode dar mais de 50% de valor acrescentado a um par de sapatos, apesar de implicar também “um investimento brutal”.
Na hora de investir a sério na marca própria, em 2009, a empresa acabou por escolher a Eureka, que tinha sido desde a primeira hora a referência comercial da Adalberto Sousa, e avançou pelo lado do retalho, com a abertura de lojas em Vizela, Guimarães, Braga e Penafiel no mesmo mês. “Posicionamo-nos num segmento médio e começámos nos vales do Ave e do Sousa, perto de casa, depois de avaliarmos o mercado e concluirmos que havia uma lacuna ao nível das lojas de referência para comprar sapatos.”
Sete anos e cinco milhões de euros depois, Filipe Sousa acredita ter ainda espaço para abrir mais 8 a 14 lojas em Portugal enquanto prepara o salto global da marca. Quando abriram as primeiras sapatarias, metade da oferta era escolhida fora de portas. Hoje, 80% dos modelos apresentados são criados internamente e, no futuro próximo, tudo será desenvolvido dentro de casa, com recurso a subcontratação de alguns tipos de sapato.
O ritmo de vendas está a obrigar a fábrica a trabalhar mais duas horas por dia para fazer 2700 pares. Ao mesmo tempo, a empresa investiu um milhão de euros em dois pavilhões, um para o seu armazém e outro dedicado ao retalho. A nível industrial não estão previstos investimentos, mas o orçamento médio por loja ronda 150 mil euros e é ainda preciso alimentar a ofensiva comercial no estrangeiro e a jovem plataforma online, “já a vender tanto como uma loja física”.
A lista de clientes externos, que junta nomes como Isabel Marant, Cos, H&M, TBS, Lanvin ou Jimmy Choe, é para defender. “Queremos continuar a trabalhar para terceiros. O sucesso da nossa marca e das lojas próprias pode trazer alterações à nossa estrutura, mas a estratégia é manter os dois pilares do negócio com recurso à subcontratação se a procura assim o exigir”, antecipa Filipe Sousa.
Rui Duarte Silva
A ambição de liderar nos sapatos
Fortunato Frederico, o dono da Fly London, já tem os seus objetivos definidos até 2025. Vai investir anualmente 1,5 milhões de euros dos lucros. Espera duplicar a produção e o volume de vendas
A pergunta é direta: “Porque é que há duas décadas a Kyaia decidiu investir numa marca própria?” E Fortunato Frederico, presidente do maior grupo português de calçado, responde sem hesitar: “Porque percebi que os sapatos mais caros tinham marca e vi que os nossos sapatos saíam da fábrica de Guimarães a 10 libras (13,6 euros à cotação atual) e estavam à venda nas lojas inglesas a 50 ou 60 libras.”
Na estratégia da empresa a aposta foi “pensar a longo prazo na criação de valor”. Hoje, o empresário não tem dúvidas de que “as taxas de crescimento, os planos para o futuro, a possibilidade de gerar lucros para reinvestir sem recorrer ao endividamento” estão diretamente ligados a esta decisão “de risco”.
A história da Kyaia, como fabricante de sapatos, começa em 1984. A ligação à Fly London nasce 10 anos depois, quando Fortunato Frederico se cruza com “um stand abandonado” na feira de Dusseldorf e entra em contacto com os autores do projeto para comprar a insígnia inglesa, que escolheu uma mosca como imagem de marca.
“Pensei que se a Kyaia era para andar, o calçado do futuro tinha de ser para voar”, afirma o empresário, em jeito de justificação, numa entrevista publicada em julho último no diário espanhol El País, a provar que o voo da Fly London nos últimos 21 anos deu à marca um estatuto verdadeiramente internacional.
Vale 50% do volume de negócios de 60 milhões de euros do grupo, quase inteiramente realizado na exportação (97%), emprega 370 dos 620 trabalhadores da Kyaia, com quatro fábricas entre Paredes de Coura e Guimarães, e já chega a 63 países, com a ajuda de um caderno de encargos que obriga a marca a conquistar três novos mercados por ano.
Coreia do Sul e Tailândia são os destinos mais recentes no mapa do avanço global da mosca da Fly, que já calçou clientes como a atriz norte-americana Sarah Jessica Parker ou a banda de rock inglesa The Rolling Stones e apresenta no seu currículo o prémio de melhor marca de calçado do ano, atribuído pela revista inglesa de moda Drapers em 2009, ou o estatuto de marca de sapatos mais copiada em Londres na última viragem de década.
Assume uma personalidade jovem, irreverente, original, sem esquecer as técnicas tradicionais de construção de um sapato. Apresenta preços de venda ao público entre os 100 e os 300 euros. Está presente em mais de três mil lojas multimarca espalhadas pelo mundo. Para dar visibilidade à marca e ter contacto direto com os clientes, tem sete lojas flagshipstores (lojas bandeira) em Londres (duas), Copenhaga, Dublin, Lisboa, Porto e Nova Iorque.Saltou dos sapatos para os acessórios de moda.
Viragem para a América
Durante anos, Inglaterra foi o melhor mercado da Fly London. Em 2015, a ‘mosca’ de Guimarães passou a concentrar no bloco Estados Unidos/Canadá a maior fatia das suas vendas. “O trabalho de formiguinha”, a presença constante em feiras nos EUA, o investimento em marketing ao longo dos últimos seis anos para criar uma alternativa válida “ao crescimento anémico da Europa” trouxe resultados concretos.
“Já temos 25% das nossas vendas nos dois países do outro lado do Atlântico e será aí que iremos sustentar o nosso crescimento nos próximos tempos”, diz o empresário, sem desistir de continuar a conquistar novas geografias.
A provar o seu otimismo no futuro apresenta uma agenda cheia até 2025, com objetivos bem definidos. Na próxima década vai investir 1,5 milhões de euros por ano na empresa e quer ver as vendas duplicar. Tudo sem endividamento, com recursos internos, como tem feito até agora. Para Fortunato Frederico, construir uma marca é uma viagem de longo curso. “Há quem crie uma insígnia e invista uma pipa de massa para se dar a conhecer, mas nós não trabalhamos assim. Queremos fazer as coisas de forma sustentada, com o que a própria marca dá.”
É uma política em que combina doses de imaginação e iniciativa, como quando decidiu começar a colocar os camiões da casa em locais estratégicos, junto ao Estádio das Antas, em dia de jogos grandes do FC Porto, para “ter canal”. Assim, recorda, “quem ia ao futebol via-nos, e através das imagens das reportagens de televisão chegávamos ao resto do país”.
Investir é uma palavra que usa em várias frentes. No final de 2015, significou inaugurar novas cantinas para os trabalhadores em Paredes de Coura e Guimarães e a compra de uma frota de carros elétricos, “mais amigos do ambiente”. Mas também é sinónimo de tecnologia, inovação, crescimento, ambição, e tem tradução prática em projetos como o High Speed Shoe Factory, iniciado há três anos a pensar no potencial de vendas na Internet, que representam atualmente 25% do negócio total do sector do calçado no mundo, sem esquecer a necessidade de levar a flexibilidade da produção ao limite.
Para lá dos equipamentos novos que o projeto já trouxe, promete também responder em 24 horas a pedidos de sapatos personalizados até 2018, de forma a “reforçar a imagem de marca, valorizar o produto e seguir as tendências da moda”.
Outra aposta tecnológica é a aplicação de uma solução RFID (identificação por radiofrequência) nos sapatos, um processo digital que recorre a um chip eletrónico para seguir o rasto de cada par de sapatos, desde a saída da fábrica até aos pés do comprador, disponibilizando informação fundamental para todo o processo logístico de distribuição.
A produzir 4500 pares de sapatos por dia, o grupo quer chegar aos nove mil pares e conquistar um lugar entre os cinco maiores produtores de sapatos da Europa no espaço de uma década, dividindo este esforço entre a Fly, a rede de 70 sapatarias Foreva, que entrou no universo da Kyaia em 2005, e a Softinos, a marca lançada em 2011 com a dupla missão de “desfazer o mito de que o calçado confortável é para velhos” e “valer o que a Fly London vale atualmente dentro de 10 anos”.
Na Softinos, segue a mesma escola da Fly. Acredita que “o segredo do sucesso, como no cozido à portuguesa, é ter um pouco de tudo: bons comerciais, bons produtos, boa resposta, boa relação qualidade-preço e bom design”. Não é por acaso que a Fly London tem seis pessoas em diferentes países a colaborar com a equipa de design interno. “É fundamental termos esses olhares diversificados para criarmos uma marca global”, diz Fortunato Frederico, sem esquecer “os anos difíceis que é preciso viver para lançar uma marca”.
Se a Fly London passou em 2015 a barreira do milhão de pares de sapatos vendidos, o trabalho começou numa altura em que as fábricas ainda não tinham incorporado o trunfo da flexibilidade e estavam preparadas apenas para grandes séries. Fortunato Frederico aguentou “quatro anos a perder dinheiro, com encomendas de 10 pares por modelo”.
Rui Duarte Silva
Pronto a calçar como um rebuçado
A Procalçado faz solas há 43 anos. Quando decidiu produzir sapatos, quis encontrar um caminho alternativo, para não fazer concorrência direta aos seus clientes. Foi assim que nasceu a Lemon Jelly
Na indústria do calçado há quem diga que estes são os sapatos do futuro. Na verdade, são botas, sandálias, sapatos construídos sem recurso a peles de animais, com processos inovadores, design, cores fortes e cheiro a limão, como se fossem rebuçados. E não é por acaso que a marca Lemon Jelly assume uma personalidade apetitosa, a querer despertar “memórias doces da infância” através do olfato. José Pinto, presidente executivo da Procalçado, acredita que no século XXI a experiência de compra deve “tocar os vários sentidos”, mas os sapatos têm deixado de lado o aroma, uma forma simples de acrescentar mais valor ao produto.
Há dois anos no mercado, já com vários prémios no currículo e uma nomeação para o título de melhor marca de calçado de senhora do ano dos Drapers Footwear Awards, considerados os óscares do calçado ingleses, ao lado de referências como Melissa, Timberland ou Adidas Ultra Boost, a Lemon Jelly é apontada como “um exemplo” do trabalho que é possível fazer com as empresas tradicionais. Afinal, “há sempre margem para transformar o que temos nas mãos e para criar projetos de valor acrescentado”, sustenta o gestor.
No caso da Procalçado, a missão não era óbvia. Fundada há 43 anos para fazer componentes que outras empresas e marcas usam nos seus sapatos, a fábrica de Vila Nova de Gaia conquistou um lugar entre os maiores fabricantes europeus de solas e, quando decidiu dar o salto, teve de procurar o seu caminho dentro de balizas estreitas, entre a vontade de inovar, a necessidade de aproveitar a experiência acumulada da área das soluções injetadas, a obrigação de não entrar em concorrência direta com os seus clientes e de complementar a gama oferecida pela indústria nacional ao mundo.
“Nos nossos sonhos, o ponto onde estamos começou há mais de 10 anos, com a ambição de chegar mais perto do consumidor final, de alcançar um público global. É um projeto de fôlego para o longo prazo. A nossa porta de saída passou por desenvolver projetos de injeção de alta tecnologia e transportar isso até ao sapato. E encontrámos assim uma nova área de negócio”, explica José Pinto, filho do fundador da Procalçado, José Ferreira Pinto.
É um caminho que decidiu correr por etapas, como prova a Wock, o primeiro projeto industrial com marca própria. Destinada ao segmento profissional, a pensar em quem tem de passar muitas horas em pé, a Wock nasceu em 2007, já com cheiro a limão, a remeter para a ideia de higiene, de acordo com um modelo simples e colorido, que combina um plástico especial, desenvolvido para a indústria alimentar, à prova de alergias, palmilhas respiráveis e soluções antiestáticas, antibacterianas, esterilizáveis.
“Quisemos validar tecnicamente materiais e produtos antes de passar para a uma segunda fase, que corresponde ao lançamento de uma marca de calçado de moda”, saliente José Pinto, que recebeu, em dezembro, o prémio produto inovação COTEC – Nors com esta marca, registada em 50 países.
A hora do limão
O conceito Lemon Jelly, formatado para aliar o calçado de plástico à moda, com detalhes e acessórios de qualidade, chegou em 2013 com uma aposta na “irreverência e cor”, a par do “conforto e originalidade”. A marca traz também a reinterpretação de modelos clássicos com novos materiais, tendo-se estreado com botas e botins, para abrir depois a coleção a outros produtos, dos chinelos às sandálias, bailarinas ou sapatos. A oferta atual ronda os 60 modelos por coleção, numa multiplicidade de cores, mas está pronta a ser alargada com o lançamento de sapatilhas e acessórios.
O design e o desenvolvimento é feito internamente, mas conta com consultores externos “no mundo, porque é importan beber informação de todo o mercado”, diz José Pinto, a trabalhar para preços de venda ao público entre 60 e 180 euros, consciente de que o preço “é um problema enquanto as marcas estão a bater-se para ganhar reconhecimento”, mas certo de que o seu objetivo também não é vender os modelos da Lemon Jelly a 600 euros, como fariam algumas insígnias de luxo. “Queremos ser mais democráticos, o que significa trabalhar para o segmento médio alto, mas não assumir uma posição de exclusividade”, afirma.
Presente em 20 países, maioritariamente na Europa e Ásia, a Lemon Jelly acaba de regressar de Paris, onde foi convidada a expor os seus produtos, durante um mês, no Le Bon Marché, do Grupo Louis Vuitton, ao lado de marcas como a própria Vuitton, Prada ou Gucci, “que não têm oferta neste segmento de produto”, numa iniciativa que culminou com a presença de uma costureira para personalizar os modelos escolhidos pelos clientes com elásticos, ao gosto de cada um.
Para José Pinto, com formação em marke ting, “foi um passo decisivo para o reconhecimento da marca. Mostra que já chegámos ao segmento onde queremos estar e agora trata-se de manter a estratégia definida”.
Para rentabilizar os investimentos de mais de cinco milhões de euros feitos na Procalçado nos últimos cinco anos e aproveitar toda a capacidade instalada, a empresa passou a desenvolver, tal como nas solas, projetos específicos para outras marcas, como Carolina Herrera, Jimmy Choo ou Hunter, e o trabalho feito na Lemon Jelly conseguiu atrair as atenções de clientes norte-americanos, também interessados em trabalhar com o dono da insígnia.
O valor criado pela marca é uma questão à qual José Pinto não responde diretamente. Prefere salientar que a empresa chegou a mercados e a consumidores que nunca alcançaria com os seus componentes, “desenvolveu-se industrialmente, aumentou a capacidade de produção e faturação, inovou, tornou-se uma referência internacional”. Já quando pensa em indústria, “parece mais fácil trabalhar para outras marcas”, pelo menos no curto prazo. E explica: “Recusar um cliente que quer pôr o seu nome no nosso produto e compra 50 mil pares para defender uma marca que vende poucos pares é difícil. Aconteceu-me isso duas vezes. Recusei com a força da ambição de fazer a marca vingar e vir a ter melhores margens no futuro.”
Presentemente com 350 colaboradores, uma produção de seis milhões de solas e sapatos por ano e um volume de negócios de 23 milhões de euros, a Procalçado tem nas marcas próprias 20% da faturação e espera garantir aqui 50% das vendas em menos de cinco anos.
Para isso, a Lemon Jelly tem novos projetos em desenvolvimento. Depois de se afirmar como marca de moda, pode apostar nas vertentes vegan e reciclável, tal como em palmilhas inovadoras, na personalização do calçado, em novos produtos e materiais, num trabalho de colaboração com o Centro Tecnológico do Calçado e as Universidades do Minho e de Aveiro, ou ainda avançar no retalho, com lojas próprias.
Lucília Monteiro
O segredo está na palmilha ondulada
A Comforsyst investiu na marca própria Softwaves, com tecnologia e patente, para fazer frente à concorrência pelo preço. Agora tem um cartão de visita para conquistar clientes premium
Na Comforsyst, o momento da viragem, com aposta na marca própria, está bem definido. “No final dos anos 90, quando a China entrou em força na produção de sapatos e as encomendas começaram a ser canceladas, deslocalizadas, percebemos que não podíamos baixar mais os nossos preços e o caminho tinha de ser outro”, recorda Orlando Santos, administrador da empresa de S. João da Madeira, onde trabalha ao lado do pai, Leonel, e dos irmãos Marcelo e Hélder.
A mudança estratégica coincide no tempo com a chegada da segunda geração a esta empresa familiar, onde Leonel começou por trabalhar como técnico oficial de contas, mas acabou por comprar a quota aos sócios para garantir o controlo total em 1990. Na altura, a fábrica chamava-se Lisboas e Companhia, Lda, seguia as indicações dos clientes e produzia sapatos clássicos quase exclusivamente para o mercado inglês. No momento de ir à luta, já com o apoio do filho Marcelo, agora presidente executivo da empresa, Leonel rebatiza a unidade como Comforsyst e em 2000 avança com o projeto de criação da marca Softwaves, focada no conforto, na qualidade de construção do sapato, para lá da moda.
“Tivemos de criar argumentos próprios para fidelizar clientes e obrigá-los a comprar aqui os sapatos, e fizemos isso com uma marca que começou como um produto de puro conforto, direcionado para senhoras na casa dos 50 anos, mas que rapidamente alargou o seu alvo para uma faixa dos 30 aos 60 anos”, sintetiza Orlando Santos.
O desafio obrigou a desenvolver internamente uma palmilha patenteada, em poliuretano transpirável, com uma ondulação suave, que promete fazer uma massagem ao pé enquanto caminha, mas que pode ser amovível, para permitir a introdução de soluções personalizadas através de um sistema de scanner usado nalguns mercados.
O preço médio dos sapatos, que andava nos 20 euros, oscila agora na Softwaves entre 99,99 e 250 euros, com a oferta a chegar a 40 países, ilhas Guadalupe incluídas.
Durante 13 anos, os esforços da equipa, com cinco pessoas a trabalhar no desenvolvimento de produtos e duas no seu design, estiveram concentrados na afirmação da marca, na diversificação de mercados e na apresentação em feiras internacionais, a par do contacto direto com retalhistas e da criação de uma estrutura de distribuição complexa, que combina vendas em lojas, farmácias, catálogos e online, sem esquecer a Amazon Inglaterra.
“Apostámos na exclusividade do produto. Tivemos clientes como a Scholl Retail, que quis vender os nossos sapatos para a Dr. Scholl, e recusámos, conscientes de que ficávamos a perder em encomendas, no imediato, em nome do reconhecimento futuro da nossa identidade, e era essencial assumir que tínhamos deixado de trabalhar para private label (outras marcas)”, refere o gestor.
Neste percurso, a família Santos não se esqueceu de ir procurando abrir novas portas e espaço no mercado, o que conduziu ao lançamento da John Blue Bear, entretanto acoplada à Softwaves como Green Edition, uma coleção amiga do ambiente com materiais biodegradáveis e naturais, e a Fit & Smart, mais orientada para o segmento moda. O objetivo, explica Orlando Santos, é ir tentando encontrar novos conceitos para ganhar espaço nas lojas onde a Softwaves já está presente.
Neste caminho, a própria Softwaves foi-se abrindo ao design, num processo revelador da forma como os irmãos Santos cruzam as suas competências. Se Marcelo, engenheiro industrial de formação, e Orlando, dedicado à gestão, estavam mais voltados para a tecnologia da produção e para o calçado de conforto técnico, a chegada de Hélder, licenciado em Arquitetura, depois de uma passagem pela Noruega, onde trabalhou na conceção de grandes navios de cruzeiro, “trouxe moda e um look mais jovem à marca” a partir de 2013.
Ao mesmo tempo, a empresa foi-se adaptando ao novo modelo de negócio. Reorganizou-se, criou linhas de produção a partir de carrinhos com quatro prateleiras para ficar apta a produzir minisséries de sete pares, aumentou a produtividade, “ganhou espaço e margem de manobra”. E aí, explica Orlando Santos, descobriu que tinha espaço para abrir novamente as portas a outros clientes, agora “numa lógica de parceria”, em que cabe à Comforsyst fazer o desenvolvimento do produto. Os acordos exigem confidencialidade, mas são cinco marcas – três francesas, uma espanhola e um dinamarquesa -todas posicionadas no segmento médio alto, com preços de venda ao público entre os 350 e os 700 euros.
São parcerias que se tornaram possíveis exatamente pelo trabalho feito na Softwaves, a revelar-se “um verdadeiro cartão de visita para atrair clientes premium”, diz o gestor.
Feitas as contas do ano, a empresa, com 100 trabalhadores e uma capacidade de produção de 700 pares/dia, fatura seis milhões de euros, 80% dos quais através da sua marca principal. No balanço das mais-valias da marca própria, Orlando Santos admite que o espaço da margem de rentabilidade aumenta uns 20% a 30%, mas trabalhar para terceiros também tem vantagens. Desde logo, diz, “dá-nos a oportunidade de aprender com eles, aproxima-nos das tendências de mercado, traz-nos escala, ideias em que nunca pensaríamos, desafia-nos a encontrar novas soluções”.
TRÊS PERGUNTAS A…
Alberto Castro
O professor da Universidade Católica do Porto e autor dos últimos planos estratégicos do sector do calçado acredita que as marcas estão a ajudar a fileira a ganhar valor.
As marcas trazem valor ao sapato português?
A subida na cadeia de valor tem a ver com as marcas, mas por trás disso há também uma melhoria substancial na qualidade do sapato. Foi preciso percorrer um caminho de aprendizagem, em que algumas empresas foram precursoras e outras aproveitaram a dinâmica.
Mas as empresas têm dimensão para investir aqui?
Estamos a falar de PME e criar uma marca sai caro. Exige muito mais do que um nome e um logótipo. É preciso fazer contas, ser capaz de esperar pelo retorno e estar consciente de que muitas das empresas mais rentáveis não têm marca própria.
É a altura certa para dar esse passo?
Podemos conceber uma indústria sem marca, mas a subida na cadeia de valor seria mais lenta. O made in Portugal já não é penalizador, o que permite às empresas melhorar as margens e ter maior retorno, num processo virtuoso em que ganham notoriedade e podem, até, trabalhar para terceiros noutro patamar.
Lucília Monteiro
A MARCHA DOS NÚMEROS
1,8 mil
milhões de euros foi o valor das exportações de calçado em 2014. Em 2015, o sector deverá ter ficado muito próximo deste valor, mas a APICCAPS admite que dificilmente terá batido a barreira de dois mil milhões de euros. O objetivo continua a ser exportar 2,5 mil milhões de euros em 2020
31,8
dólares ou 29 euros é o preço médio de um par de sapatos à saída da fábrica em Portugal. Um valor só ultrapassado por Itália ( 50 dólares). Na China, que produz 151 pares de sapatos por cada par português, o preço médio é de 4,44 dólares. Até final da década, a fileira quer investir 160 milhões de euros (o dobro do valor relativo ao último Quadro Comunitário de Apoio) em inovação, internacionalização e qualificação
54%
em valor cresceram as exportações portuguesas de calçado desde 2009. No mesmo período, Itália, o principal concorrente de Portugal, viu as vendas ao exterior aumentarem 14%. Os sapatos made in Portugal chegam a 152 países. No ano passado, as vendas ressentiram–se de uma quebra ligeira na Europa e em Angola. No resto do mundo cresceram 6%
95%
são as exportações da indústria do calçado, que é o sector que mais positivamente contribui para a balança comercial portuguesa, com um saldo positivo de 1,3 mil milhões de euros gerado em 1430 empresas, com 37 mil postos de trabalho
Este artigo é parte integrante da edição de fevereiro de 2016 da Revista EXAME