|
Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aproveitaram a rentrée política no tradicional comício do Pontal para tentarem captar o voto de um milhão de eleitores indecisos, fazendo o discurso da normalidade. E esse discurso assentou subliminarmente em três pontos: nestes quatro anos, o Governo fez o que tinha de ser feito; o que o PS propõe é o regresso à casa de partida, ou seja, às receitas que conduziram o país ao pedido de ajuda internacional, e nos próximos quatro anos a coligação propõe-se continuar a fazer o mesmo. Este discurso seguramente que é sensível aos ouvidos desse tal milhão de eleitores, que prefere o que conhece ao risco do desconhecido, que não tem causas nem ideologia, que tanto vota no centro direita como no centro esquerda e que desde que lhe garantam a sua rotina segura, segundo o lema “p’ra melhor está bem, p’ra pior já basta assim”, opta por esse caminho. Acontece que tudo o que se passou nos últimos quatro anos não foi normal. Não foi normal que o país tenha voltado a pedir ajuda internacional, a terceira em 40 anos mas desse pecado está isenta a coligação. Mas a partir do momento que chegou ao poder, PSD e CDS foram além do que lhes pediam. Foram além da troika por vontade própria. Cortaram metade do 14.º mês a todos os contribuintes que estivessem acima do salário mínimo e subiram o IVA da energia para 23% logo em 2011. Contra o que estava acordado, procederam a um “enorme aumento de impostos” em 2013. Introduziram uma sobretaxa de 3,5% no IRS e procederam ao congelamento das carreiras e dos salários na função pública. Os bancos foram obrigados a restringir severamente o crédito a empresas e particulares. Como resultado, milhares de empresas colapsaram e o desemprego ultrapassou os 17%, perante a “surpresa” do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e da própria troika (há hoje razões suficientes para pensar que Gaspar e a troika sabiam exatamente que o desemprego iria disparar e que queriam precisamente que isso acontecesse, para reduzir brutalmente os custos do trabalho e precarizar com menos oposição as relações laborais). Nas privatizações, foram muitíssimo além do que era exigido pela troika. Em vez dos cinco mil milhões de euros previstos, o Governo encaixou mais de nove mil milhões e mantém a sua fúria ‘privatizadora’, entregando empresas públicas com base unicamente nos montantes oferecidos e sem qualquer visão estratégica relativamente ao que daí pode resultar no futuro para os interesses políticos e económicos do país. Empresas chave como a PT estão nas mãos de acionistas que manifestamente não compreendem o papel da operadora enquanto dinamizadora da inovação, do investimento e do emprego qualificado no país. O BES implodiu porque o Governo nada fez para travar esse destino. A Cimpor, a empresa portuguesa não financeira mais internacional, foi vendida abaixo do preço por pressão de um representante do Governo (António Borges) e desapareceu de Portugal. A TAP também já está nas mãos de um operador internacional, que manda, embora haja um acionista português maioritário no consórcio. E o rol continua, com o país a ser invadido por investidores chineses, brasileiros e angolanos, mas a não se ver novo investimento em atividades e empresas estruturantes para a economia portuguesa. O investimento que apareceu foi para comprar o que existia e estava feito muito dele com o dinheiro dos contribuintes. A memória é curta, e hoje, em que os indicadores económicos começam a melhorar e as pessoas se habituaram a viver bem abaixo dos níveis de 2011, interiorizando a falsa culpa de ter vivido “acima das suas possibilidades”, odiscurso de normalidade de Passos e Portas até pode colher. Mas não, não é verdade. O que se passou nestes últimos quatro anos foi tudo menos normal. E eles os dois são os principais responsáveis por isso. Este artigo é parte integrante da edição de setembro da Revista EXAME |
O discurso da normalidade
O que se passou nestes últimos quatro anos foi tudo menos normal. E Passos Coelho e Paulo Portas são os principais responsáveis por isso.