A gravidez não impede Assunção Cristas, ministra da Agricultura, de continuar a exercer em pleno as suas funções, mesmo que a agenda compreenda várias viagens pelo mundo. A governante afiança que o sector “está vivo e com esperança”e recusa a ideia de que a agricultura seja apenas uma moda anticrise.
Como é que os seus interlocutores lidam com a gravidez?
Recentemente, encontrei o ministro da Agricultura de Moçambique em Berlim, na Semana Verde reunião ministerial promovida pela ministra da Agricultura alemã que juntou 80 ministros do mundo e que me dizia, com pena, que por causa da gravidez provavelmente eu já não iria a Moçambique. Mas eu respondi: ‘Eu vou. Já lá estive grávida e não tem problema nenhum’.
Recentemente esteve em Moçambique, com uma missão empresarial. Portugal terá ali oportunidades?
Há oportunidades locais, é uma área em que temos conhecimento e escala, com o Alqueva onde teremos 120 mil hectares de regadio. Se olharmos para o que existe em Moçambique inteiro, são apenas 50 mil hectares de regadio. Para mais, o país tem água, bacias hidrográficas e rios internacionais e essa é mais uma área em que podemos trabalhar e dar formação.
Não receia fazer viagens de longo curso e a África?
Sempre que estive grávida trabalhei e fiz viagens, até para dar aulas, e isso não me assusta.
Como vai preparar a sua ausência do Ministério e quanto tempo ficará fora, de licença?
Eu ainda não estou a pensar nisso, com franqueza. Quando chegar a altura, logo verei. Mas os secretários de Estado estão todos aptos a assegurar as matérias. O secretário de Estado da Agricultura, por delegação de competências, é que terá de me substituir.
O secretário de Estado da Agricultura coordenará?
Não, eu acho que não vai ser preciso nada disso. Cada pessoa sabe exatamente o que tem de fazer e eu não vou propriamente desaparecer. Vou estar tranquila, durante algum tempo, e vai correr tudo bem.
Vai tirar a licença de maternidade a que tem direito?
Algum tempo hei de estar em casa, tranquila. Seguramente. Mas ainda não pensei em detalhes.
Portugal pode atrair investimentos moçambicanos. Em que áreas fazem mais sentido?
São sempre bem-vindos! Sempre que estamos com estrangeiros destacamos o sector alimentar, porque numa altura em que o país retrai a 3,2% temos a agricultura que cresce em 2,8% (ainda não há números relativos ao ano de 2012 sobre o crescimento do sector da agricultura), mas isto significa que há um sector que cresce e que tem capacidade de criar emprego, nomeadamente na criação do próprio posto de trabalho, por exemplo com a instalação de jovens agricultores.
Como é que cresceu o seu número?
Quando chegámos ao Governo abrimos a linha de apoio aos jovens agricultores em permanência e começámos a receber na linha dos 200 por mês, depois 240 e no último dezembro, talvez por ser o final do ano para a contratação dos fundos, tivemos uma avalanche de 700 pedidos de instalação de novos agricultores, o que nos subiu logo a média do ano de 2012 para 280.
É vital fazer a renovação etária dos agricultores?
Precisamos renovar a média, que é muito elevada. Abaixo dos 35 anos tínhamos apenas 2%.
Além de rejuvenescer para crescer, o que falta mais?
Falta acrescentar mais valor, por isso a parte do agroalimentar e agroindústria é relevante, até porque quando fazemos o comparativo na balança comercial estamos a aumentar a produção e a exportar mais, de forma sustentada e acima da média das exportações. Temos também de ter uma estratégia de internacionalização, que a Portugal Foods articulou com a FIPA, PortugalFresh, entre outras. Hoje há um documento que é um instrumento de informação do sector e que nos ajudará a mobilizar fundos comunitários. Isto alinha com o nosso site , Agriglobal, do Gabinete de Planeamento, de apoio à internacionalização.
Como é que o regadio do Alqueva está a avançar? De que modo conquistou a McDonald’s?
Temos 60% do que já está infra-estruturado em produção. Quando olho para os 100% digo sempre que 60% é pouco, porque falta 40%, mas na verdade é bom. Em 2015 queremos ter os 120 mil hectares estruturados e com culturas, e a verdade é que têm estado a chegar projectos interessantíssimos. Por exemplo, a McDonald’s está agora a fazer plantação de cebolas. Levou a espécie específica de cebolas que utilizam e que hão de abastecer o mercado europeu.
Algum outro exemplo de destaque em Alqueva?
Há uma fábrica de tomate, de japoneses a procurar oportunidades para o cultivo. Temos o Qatar muito interessado também no Alqueva, e já estive com o embaixador do Qatar. Há também um bom diálogo com a China nesse sentido, já estive com o embaixador e, na semana passada, estive em Roma numa reunião dos ministros do sul da Europa com o vice-primeiro-ministro chinês, que trata da área do desenvolvimento rural, para procurarmos ter uma acção conjunta. Nesse discurso destaquei o Alqueva porque sem prejuízo de outras zonas do país aqui estamos, de facto, a assistir a uma reformulação profunda.
O orçamento comunitário 2014-2020 sofreu cortes. No que diz respeito à PAC, que balanço faz?
É a primeira vez que temos um orçamento que diminui. No caso da PAC o corte geral médio para os países foi de 14,4%, mas para Portugal foi de 7,4%, uma redução menor do que a média geral. Quer no primeiro pilar, de ajudar directas, quer no segundo, de ajuda ao investimento, temos uma melhoria em relação aos outros países, o que é positivo.
Como é que convenceu a comissão Europeia a cortar menos em Portugal do que aos outros países?
Com duas coisas. Uma: os números da execução do PRODER. Quando começámos as negociações, a CE tinha muito má memória da execução dos fundos comunitários em Portugal e nós demonstrámos que tivemos o PRODER executado acima dos 60%, o que está acima da média comunitária. O ano passado, conseguimos executar 704 milhões de euros foi o melhor ano de sempre. No ano anterior, tínhamos 660 milhões. Duas: a criação de emprego aliado ao crescimento de 2,8% no sector alimentar, que, para a Europa, é um valor muito positivo; mais o aumento das exportações (cerca de 12% de crescimento médio nos últimos anos; se formos para alguns sectores específicos, como os frescos, por exemplo, 16%; no ano passado, os frescos atingiram os 1000 milhões de euros, ficaram acima do vinho, cerca de 650).
Sem esquecer a modernização. Aliás, o secretário de Estado da Agricultura costumava dar o exemplo de uns bombons de queijo de Trás-os Montes e levou-lhes esses bombons para provarem. Por isso, entre os grandes números e o exemplo concreto, e dizendo-lhes que se estão a instalar, em média, 240 jovem agricultores, conseguimos convencê-los.
Considera que a agricultura não é só uma moda?
Penso que, pelo contrário, é um discurso que tem durabilidade e sustentabilidade a médio/longo prazo. Temos um mercado interno para preencher, continuamos a importar muito. Segundo: temos um mundo que será mais populoso. Além disso, temos de ajudar a desenvolver as agriculturas em várias geografias.
A PAC prevê um corte mas atribui uma tranche em condições preferenciais para o desenvolvimento rural. O que significa isso para o sector?
Temos 500 milhões de euros sem cofinanciamento nos primeiros anos. Temos uma taxa de cofinanciamento nos 85%, que é positiva para um país que tem limitações orçamentais e isso ajuda a poder executar os fundos mais rapidamente.Temos uma sinalização que foi feita pelo primeiro-ministro e que significa, ao nível dos regulamentos comunitários, ter a hipótese de poder eleger a irrigação no Fundo de Desenvolvimento Regional. E isso é importante, porque nos dá a oportunidade de poder alocar mais uma área, onde podemos alocar um montante relevante e, com isso, também ajudar a agricultura.
O seu homólogo espanhol, Miguel Cañete, anunciou que vai aplicar multas de 3 mil a 1 milhão de euros sempre que a indústria alimentar abuse de um agricultor ou ganadeiro. E multas de 100 mil euros sempre que haja atrasos nos pagamentos. Portugal vai aplicar medidas do género?
Temos no Parlamento uma lei sobre práticas restritivas de comércio onde há uma série de práticas que são proibidas e que têm penalizações fortes. Aliás, por isso é que foi para o Parlamento: porque excedia o regime geral das contraordenações. Essa legislação, bem como a legislação que tem a ver com os prazos de pagamento, foram aprovadas no Conselho de Ministros, no seguimento do trabalho da PARCA Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar. Recentemente, no Conselho de Ministros, aprovámos o Pacote do Leite, que estabelece contratos obrigatórios, com quantidades, preço, critério objetivo de variação do preço. Ou seja, há aqui um conjunto de legislação que reforça a necessidade de termos uma cadeia agroalimentar a funcionar de uma forma que seja mais equitativa.
E as multas previstas serão da mesma grandeza?
As multas serão muito mais pesadas do que as que existiam, estão inseridas precisamente no Diploma das Práticas Comerciais Restritivas, que está para trabalho no Parlamento. Entretanto, baixou à comissão. Os valores dependem, porque há a diferenciação entre as micro, as pequenas e as médias e grandes empresas ou pessoa singular. Estamos a falar de multas que podem ir até largos milhões de euros.
Em relação à polémica carne de cavalo, como é que Portugal está a prevenir e a actuar?
Essa matéria é , essencialmente, de fraude ao consumidor. O que está a acontecer em Portugal, acontece em todos os outros países: há uma fiscalização da entidade responsável por esta matéria. A fiscalização dos produtos da distribuição é uma responsabilidade da ASAE. Trata-se de uma matéria que veremos em Conselho de Agricultura, que já está marcado para os próximos dias. Mas isto também significa que estes alertas europeus funcionam.
Esteve envolvida no polémico debate da Lei das Rendas, na Assembleia da República, muito marcado pela disputa política entre as forças da coligação de Governo. Sentiu-se testada naquele momento?
Tem graça, não vejo nada as coisas assim. Estranharia se estivéssemos a aplicar a lei e não houvesse nada a ser sinalizado. Penso que o que é importante é termos forma de destrinçar o que é a lei, tal como foi aprovada e como está a ser aplicada (e se está a ser aplicada conforme a lei), e o que é o combate político em torno da lei, por parte de quem sempre se opôs à lei e não mudará de opinião. Depois, há aqui também um contexto político sensível, que é a proximidade das eleições autárquicas. O que eu peço é que a pretexto do combate político não se ajude a desinformar as pessoas e a gerar mais confusão. Isso é que eu acho que é ilegítimo e intelectualmente muito pouco honesto.
A propósito de outra pasta que tem em mãos, para quando a privatização da Águas de Portugal?
Está tudo a andar como previsto. Nas Águas, temos com objetivo lançar no segundo semestre deste ano a venda e, durante este ano todo, fazer a reestruturação do grupo, na parte das águas. E isso está a andar.
ADN africano da ministra Assunção Cristas
Nome
Assunção Cristas
Função
Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
Próximas missões ao estrangeiro
Maputo (Março), São Paulo (Abril) e Brasília
Nascimento e naturalidade
Nasceu em 1974, em Angola Formação Jurista doutorada
Maternidade
Vai ter o quarto filho no próximo verão
Este artigo é parte integrante da edição 347 da Revista EXAME