“Estar parado e desocupado é a pior coisa que pode acontecer a um imóvel”.
Quem o diz é José Vinhas Mouquinho, presidente da comissão executiva da Banif Imobiliária, empresa de imobiliário do banco. E é por isso que, à semelhança de quase todas as instituições bancárias portuguesas, o Banif se desdobra em ideias e iniciativas para colocar no mercado os imóveis que tem hoje em mãos, provenientes de crédito malparado ou de dação, vendendo-os ou arrendando-os. Para já, está a reconvertê-los.
Em parceria com um “grande player internacional, um dos melhores do mundo no sector turístico” (por motivos de confidencialidade do contrato, ainda não pode ser revelado), a Banif Imobiliária vai transformar frações de habitação em unidades de turismo. “Vamos colocar ativos que estão no nosso balanço sem rendimento e que, a partir de 2013, vão passar a ter”, conta José Mouquinho. Trata-se de um conjunto de ativos que representam uma área bruta de 50 mil metros quadrados de construção e 110 milhões de euros de colocação no mercado. Ativos que “estão a ser customizados à marca que os irá explorar”, revela. A operação será anunciada em fevereiro e estará totalmente concretizada até 2015.
Responsável pela gestão de cerca de 1800 unidades (um prédio de 50 frações, por exemplo, é considerado uma unidade), que valem cerca de 1000 milhões de euros em 2010, tinha cerca de 700 unidades. a Banif Imobiliária é detida pelo grupo Banif e tem como função gerir o património imobiliário do banco, que inclui habitação, mas também projetos associados a atividade industrial, comercial e logística. Conta com 31 trabalhadores (em 2011 eram 15) e tem uma área de obras e projetos, porque “há imóveis que nos chegam sem estarem acabados. Isto é um negócio e queremos ser vistos no mercado como uma empresa profissional da gestão imobiliária”, afirma o gestor.
Tiro saiu pela culatra
O imobiliário só é hoje um negócio para os bancos por causa da “entrada maciça das famílias no mercado do crédito” e que “foi sucessivamente acomodada pelos bancos”, aponta uma nota temática da Caixa Geral de Depósitos (CGD) sobre “A atualidade do sector imobiliário residencial”, de novembro de 2011, elaborada pela consultora Augusto Mateus & Associados. O mesmo documento descreve: “Em 20 anos, o crédito à habitação cresceu seis vezes mais depressa que o rendimento disponível, com destaque para a década de 90 em que praticamente triplicou o número de transações de prédios urbanos e duplicou o número de fogos concluídos”.
Dados do Eurostat para 2009 mostram que três em cada quatro portugueses residem em casa própria.
Com o clima de austeridade a agravar-se, os portugueses enfrentam penhoras do Fisco (ver caixa “Finanças têm poder ‘desmesurado'”) e muitos estão incapazes de cumprir com os seus compromissos creditícios. Resultado: entregam os imóveis aos bancos, que contabilizam agora milhares de unidades nos seus balanços. Só no terceiro trimestre de 2012 houve cerca de 1100 imóveis entregues aos bancos para pagamento da dívida, segundo os últimos dados da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação (APEMIP).
Para Jorge Góis, diretor do negócio imobiliário do Millennium bcp, “os bancos desenvolvem serviços financeiros.
Não tinham nenhuma razão para atuar no mercado imobiliário. Mas para terem rentabilidade, têm de voltar a colocar os imóveis no mercado”. No caso do Millennium bcp este esforço tem de se concentrar em cerca de 7100 imóveis que o banco regista no seu balanço, no valor de 1000 milhões de euros.
Jorge Góis contabiliza imparidades de 17% nos imóveis que estão em venda. Ou seja, “temos uma perda de 100 milhões de euros em 640 milhões de euros. Esta é a diferença no valor dos imóveis face ao momento em que entraram no banco”, explica. Até ao final de outubro, o banco já vendera 2150 imóveis. “Este negócio passou a ter de ser gerido de forma ativa, profissional e com objetivos claros de alienação dos imóveis”, responde o gestor.
Sem estrutura e capacidade montada, os bancos precisaram de investir em força na área do imobiliário. A passar por um processo de rescisões de contratos de trabalho com 600 colaboradores, o número de pessoas dedicadas ao imobiliário do Millennium bcp aumentou de cerca de 30 (há dois anos) para 80.
Estratégia de vendas
“Entregar os imóveis aos mediadores é o passo crítico do sucesso da nossa atividade”, garante Jorge Góis. O Millennium bcp trabalha com cerca de 200 mediadores imobiliários que comercializam mais de 80% dos imóveis do banco. Todos os bancos contactados pela Exame dizem ter acordos com mediadoras nacionais e internacionais.
O BPI recusa falar sobre esta ou qualquer outra questão relacionada com a dimensão do imobiliário que tem em mãos. No caso do Santander Totta, por exemplo, as mediadoras são responsáveis por cerca de 40% das vendas do banco.
Confrontado com o facto de algumas vozes no mercado acusarem os bancos de desviarem clientes, alegando “concorrência desleal”, José Mouquinho, da Banif Imobiliária, faz questão de destrinçar: “A atividade dos bancos é emprestar dinheiro; a de terceiros não é. Portanto, não podem ter as mesmas condições. É natural que os bancos possam fazer condições diferenciadoras”.
Condições como o alargamento dos prazos das operações, períodos de carência de capital, alterações das datas de cobrança das prestações ou até mesmo troca de casa. O Millennium bcp, por exemplo, oferece um spread de 1% sobre a Euribor, nos primeiros três anos. Na CGD está a decorrer, até 31 de março de 2013, a campanha “Compre casa na Caixa. E os custos ficam por nossa conta”. E “estamos a oferecer uma taxa fixa promocional de 2,75% com spread zero durante os primeiros anos. E bonificações que podem ir até aos 1,5%”, afirma Paulo Sousa, diretor de imobiliário da CGD.
As condições de financiamento do Santander para os imóveis que são propriedade do banco “compreendem um spread a partir de 2,25% e um financiamento até 100% do preço de venda, podendo ainda o financiamento total superar o preço de venda (até mais 10%), mas na condição de ser inferior a 95% do valor de avaliação do imóvel”, adianta Jacinto Galante, responsável pela área de imobiliário do banco.
O gestor revela ainda que o Santander “tem há mais de 10 anos uma estrutura própria para tratar do desinvestimento”, onde trabalham 40 pessoas. A carteira de imóveis do banco cresceu cerca de 30% nos últimos dois anos (15% em 2011 e 16% em 2012) para 1800 unidades.
Uma das soluções que esta instituição financeira encontrou para fazer face ao crescente número de imóveis que recebe foi a dos leilões de imóveis (ver caixa “Colocar em praça no exterior”). O Santander foi pioneiro nesta modalidade, tendo realizado o primeiro evento em março de 2004. Desde então, realiza uma média de 10 leilões por ano, colocando em venda entre 50 a 60 imóveis. A taxa de sucesso das vendas varia entre 60% e 70% no norte do país, e 50% e 60% no sul.
Para vender os imóveis, os bancos estão a repensar as suas estratégias de atuação a outros níveis, inclusive internacionais.
A CGD, por exemplo, que conta com 45 pessoas para acompanhar a área de comercialização dos imóveis, tem marcado presença em leilões e salões imobiliários, em França, Angola, Suíça e Brasil.
O mesmo tem feito o Banco Espírito Santo (BES), que está a entrar nos mercados internacionais para vender os imóveis que tem em carteira. “Estamos a apostar em mercados como o chinês, o russo ou o brasileiro”, afirmou Ricardo Salgado na apresentação de resultados do terceiro trimestre de 2011. O presidente do banco revelou ainda que, só nos primeiros nove meses deste ano, o BES conseguiu arrecadar mais com a venda de imóveis do que o obtido em 2011 (1280 imóveis vendidos, com um encaixe de 191 milhões de euros).
Já nos primeiros meses deste ano os 1269 imóveis vendidos corresponderam a 240 milhões de euros. A coordenação da venda destes imóveis tem sido feita pela nova Área de Gestão Imobiliária do banco.
Mundos e fundos
A par dos leilões, os bancos tem participado ou criado fundos de arrendamento.
“A Caixa foi o primeiro banco a lancar, em 2009, um fundo de arrendamento em Portugal”, refere Paulo Sousa. O gestor adianta ter mais de 1000 imóveis disponíveis no mercado de arrendamento e ter sido o pioneiro, com várias autarquias, no lançamento de programas de habitação social para escoar alguns dos seus ativos. Uma dessas iniciativas – o projeto Arco-íris – foi criada em parceria com a Câmara Municipal de Gaia. “Foi o que desencadeou o mercado social de arrendamento”, sublinha Paulo Sousa. O Fundo de Arrendamento Social e gerido pela Norfin e em parcerias com vários bancos.
O Banif e outro dos bancos que participam no fundo da Norfin e tem, a nivel interno, o Renda Habitação, com uma carteira de 53 fracções habitacionais, no valor de 18 milhões de euros. Já o Montepio tem mais de 100 milhões de euros colocados em três fundos de arrendamento: no Montepio Arrendamento, gerido pela Finivalor (sociedade do banco), no Fundo Social de Arrendamento e num fundo da Square Asset Management. Houve mais 40% de imóveis que entraram este ano no balanço do banco, em comparação com 2011, contabilizando cerca de 3000 frações no valor de 400 milhões de euros. Como explica Ricardo Carvalho, responsável pelo departamento de Gestão de Imóveis do Montepio, onde trabalham cerca de 40 pessoas, estes fundos “acabam por ser uma forma de conseguir arrendar e retirar os imóveis do balanço dos bancos”. Uma das muitas soluções adoptadas pela banca desde que se tornou também refém do mercado imobiliário.
Execuções fiscais
Finanças têm poder “desmesurado”
Com uma carreira feita na área comercial, Amândio Coelho, diretor da Montepio Recuperação de Crédito, diz que “recuperar crédito é conversar, negociar, chegar a entendimento”, afirma. O gestor revela os tipos de ações que conduzem à chegada dos imóveis aos bancos: execuções judiciais (quando o banco pede o imóvel para saldar a dívida) ou execuções fiscais (quando o fisco penhora os bens). Estas são as ações coercivas. Porém, “mais de 50% dos imóveis que hoje chegam à nossa posse vêm pela via da dação (entrega voluntária do imóvel para saldar a dívida)”, adianta.
Sobre as execuções fiscais, Amândio Coelho é crítico: “As Finanças têm hoje um poder desmesurado e discricionário”.
Além de “penhorarem e venderem imóveis por dívidas bastante inferiores, nós (banco) temos de ir à praça comprar o bem na totalidade.
Mesmo que a dívida às Finanças seja de 5000 euros, pagamos o valor total (100 mil euros, por exemplo) e ficamos à espera que se paguem dos seus 5000 euros e nos devolvam 95 mil”. O gestor considera a situação “escandalosa”, na medida em que “os credores podem ficar anos à espera do dinheiro, que está nas Finanças de borla, sem pagar juros”, acusa. Mais: “As Finanças depositam esse dinheiro, recebem juros e chegam a fazer aplicações na banca. Pagamos taxas de juro por dinheiro que é nosso”.
A Exame questionou o Ministério das Finanças, mas não foi possível obter respostas.
Leilões imobiliários
Colocar em praça no exterior
A “moda” dos leilões imobiliários começou com a EuroEstates, em 2004.
A empresa e uma das principais leiloeiras do mercado – onde concorre com a Uon – e trabalha com todos os bancos, mas sobretudo com o Millennium bcp, o Santander Totta, a Caixa Geral de Depositos (CGD), o Banco Espírito Santo (BES) e o BPI (o Montepio deixou de fazer leilões). Só em 2012, realizou mais de 30 leilões, cerca de 10% mais do que em 2011, tendo levado a praca cerca de 2000 imóveis.
O Millennium bcp, por exemplo, tem feito leilões em Lisboa e no Porto, leilões regionais e iniciativas semanais, onde durante uma semana, há um ou dois imóveis numa sucursal com condições especiais de preço, sendo leiloados à sexta-feira.
“Este ano já vendemos mais de metade (55%) dos imóveis que colocamos em leilão”, avança Jorge Gois, diretor do Negócio Imobiliário do banco.
Os leilões além-fronteiras tem sido outra das apostas dos bancos. O primeiro foi em Paris, no Salon de L’Immobilier Portugais, em setembro, onde o banco leiloou cerca de uma centena de imóveis.
Saldo final: 40% de casas vendidas e um encaixe de 2,6 milhões de euros.
CGD e BES seguem agora o mesmo caminho, promovendo iniciativas em mercados como o francês, o angolano e o brasileiro.
Este artigo é parte integrante da edição 345 da Revista EXAME