Não é fácil conciliar o duro e competitivo mundo dos negócios com a sustentabilidade ambiental. Numa frase, é esta a conclusão do painel dedicado às preocupações ambientais das PME, integrado nas ESG Talks desta quarta-feira, 21, que decorreram no campus de Carcavelos da NOVA SBE.
O debate, moderado por Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, arrancou com Francisco Teixeira, managing partner da consultora Get2C, que começou por lembrar que é impossível o País trilhar o caminho da sustentabilidade sem levar a bordo as pequenas empresas. “De 1,359 milhões de empresas portuguesas, 1,305 são microempresas, com menos de 10 pessoas, que representam 78% do emprego e 70% do PIB. São o motor de portugal. Se este caminho da sustentabilidade não for acompanhado pelas PME, não vai funcionar.”
O primeiro passo é compreender a realidade. “Estas empresas têm desafios. A primeira questão é a capacitação: as PME não fazem ideia do que fazer. Segundo drama é o curto prazo versus médio e longo prazo: a sustentabilidade pressupõe longo prazo, mas a maior parte das empresas têm de pôr o pão na mesa todos os dias. Terceiro é o financiamento: é preciso dinheiro para implementação, mas antes tem de haver uma estratégia, e portanto têm dificuldade em arrancar.”
Miguel Ferreira, professor de Finanças Sustentáveis da Nova SBE, sublinhou que Portugal tem um problema de baixa produtividade, “que tem muito que ver com o tecido empresarial, em particular com as PME”. “Um fator crítico é o baixo nível de qualificação dos gestores de PME, o que explica a incapacidade de as empresas crescerem.”
Há, no entanto, vontade de aprender. Miguel Ferreira destacou o entusiasmo com que foi recebida a formação gratuita dada pela Nova SBE a 400 PME sobre várias competências de gestão, incluindo sustentabilidade, que será seguido de um projeto semelhante, mas mais específico, focado em eficiência energética, para ajudar as empresas a fazerem essa transição.
O professor lembrou a importância da informação e do financiamento no caminho da sustentabilidade, já que o objetivo das empresas será sempre terem retorno financeiro de longo prazo. Quanto às dúvidas de que esse investimento compensa, Miguel Ferreira cita evidências “de que a geração mais jovem está disposta a sacrificar 10 a 15% do salário para trabalhar em empresas com negócios mais sustentáveis, o que gera retorno para as empresas, porque atraem e retêm melhor o talento.”
Tânia Teixeira, da Montiqueijo, deu alguns exemplos de medidas implementadas na empresa da qual é diretora de marketing. “Apostamos na economia circular, aproveitando 60% dos resíduos, temos um sistema de efluentes que faz o reaproveitamento das águas, o estrume das vacas serve para fertilizar os campos de cultivo…” Outra iniciativa importante foi a redução do metano produzido pelas vacas, ao misturar na ração trevos (cultivados no local) que melhoram o processo digestivo.
Estas preocupações, porém, nem sempre são premiadas. “Muitas vezes, o que as empresas investem em sustentabilidade não é reconhecido no produto final”, em termos do preço que pode ser praticado perante consumidores asfixiados no seu poder de compra.
José Vieira, CEO da Viarco, trouxe uma visão pragmática ao debate, recordando que tudo o que fazemos tem impacto no ambiente. “Não podemos pensar que uma indústria pode ser inócua só porque usa madeira natural e reflorestada. Vai continuar a consumir energia e a produzir resíduos. Não há nada que seja inócuo.” Outro problema são as dificuldades em cumprir leis restritivas e complexas. “Se até o Estado tem dificuldade em cumprir a lei , como podemos esperar que as PME o consigam fazer? Enquanto estivermos à espera do Estado e dos bancos para fazer grandes transformações, não vamos conseguir fazê-las. Nós [Viarco] fazemos porque podemos. É uma questão de bom senso e educação.”
O gestor refere ainda outra perversidade do sistema: a pressão para as empresas mostrarem resultados no curto prazo. “Olhamos para as empresas pela sua rentabilidade, com os gestores a serem obrigados a apresentar resultados no fim do trimestre. Isso não permite ter visões de longo prazo.”
Sustentabilidade também financeira
A mudança não é fácil, mas é inevitável, por uma questão de sobrevivência, garante Francisco Teixeira, da Get2C. “Vai acontecer porque é melhor para as empresas. Uma empresa sustentável vai-se aguentar. Uma que só olha para o curto prazo e só paga as contas, daqui a uns 50 anos não consegue cá estar.” As empresas, acrescenta, vão tornar-se mais sustentáveis porque do ponto de vista legal serão obrigadas a isso, sim, mas também “porque as torna mais valiosas”.
Tânia Teixeira, da Montiqueijo, lamenta, por seu lado, a cultura do preço baixo e a dificuldade de transmitir ao cliente as boas práticas ambientais, no campo do marketing e da comunicação, para o qual muitas empresas têm meios reduzidos. “Como é que fazemos para passar ao consumidor o que torna o nosso produto diferente? É importante as pessoas conhecerem o produto.”
José Vieira, da Viarco, diz que as certificações ambientais podem ajudar os consumidores a separar o trigo do joio, mas estão longe de ser perfeitas. “Valem o que valem. Nós temos certificação FSC e vamos tentar utilizar madeira local, também com floresta certificada pelo FSC. Mas podemos ter na mesma um carimbo de sustentabilidade se usarmos cedro que vem dos EUA, vai para a China e só depois regressa à Europa em tábuas, apesar de isso não ser sustentável. O consumidor não tem como perceber o que é marketing e o que é realidade.”
Miguel Ferreira, da Nova SBE, partilha algum deste ceticismo trazido à discussão por José Vieira, que assume ter-se tornado “cínico”. “Temos sofrido imenso com má governação, más políticas públicas e um mau sistema judicial. Estamos entre os cinco piores países da Europa em termos de rapidez dos tribunais, e isto é uma barreira muito grande para o desenvolvimento do País.”
Mas “há razões para termos esperança”, continuou o professor, dando três exemplos de “boa pressão”, no sentido de as empresas se tornarem mais sustentáveis. “Os consumidores: temos cada vez mais sinais de que esta é uma preocupação crescente em muitos setores; Empresas: são cada vez mais exigentes em termos dos fornecedores com que trabalham, exigem que tenham modelos de negócio mais sustentáveis; Investidores: em questões de ESG e nomeadamente ambientais, os mercados financeiros têm tido um papel de liderança a promover mudanças; é cada vez mais comum só investirem em empresas ambientalmente sustentáveis, o que vai promover mudanças nas próprias empresas.”
As ESG Talks são uma iniciativa do novobanco, em parceria com a Visão, a Exame, a Nova SBE e a PwC, e tiveram quatro sessões em 2022. Este ano, além desta primeira sessão dedicada às PME, haverá mais três ESG Talks no último trimestre, com os seguintes temas: “Alterações climáticas, Risco de negócio e Finanças Sustentáveis”; “Novas formas de organização do trabalho, a Igualdade e a Inclusão”; e “Governança sustentável e Greenwashing”, a fechar.