“Vamos ter de sofrer, vai doer, vai custar imenso dinheiro.” É isso que Peter Villax espera do cumprimento de alguns dos critérios ESG. Para o presidente da Associação de Empresas Familiares, “será o maior desafio de gestão dos próximos dez anos para as empresas familiares”, afirmou durante a sua intervenção num painel das ESG Talks, ciclo de conferências organizado pelo novobanco em parceria com a EXAME, a VISÃO, a PwC e a Nova SBE, em cujo campus de Carcavelos decorrem todas as sessões. O regresso das ESG Talks 2023 deu-se esta quarta-feira, numa sessão dedicada ao impacto nas PME.
ESG significa Environmental, Social and Corporate Governance (ambiental, social e governança empresarial) e refere-se a critérios de atuação de grupos privados na forma como se relacionam com esses três vetores, seja na utilização de recursos, relação com os trabalhadores ou política de remunerações. Normalmente, estes critérios são usados para nos referirmos à atuação das grandes empresas, mas PME começam também a ter de dar resposta.
Villax sublinha três motores da pressão que as empresas de menor dimensão deverão sentir: lei, clientes e banca. Do lado legislativo, será necessário reportar o que as empresas “consomem” e a origem das suas matérias-primas. Informação que será depois usada para monitorizar reduções. “O segundo driver são os nossos clientes, que estarão sob a mesma pressão. Terão de obter matérias-primas com padrões mais apertados de descarbonização. O terceiro é a banca, que apenas emprestará com critérios de responsabilidade ambiental”, explicou o também Presidente da Bionova Capital (ex-Hovione Capital). “Vamos ter de conhecer os nossos produtos a fundo para ver onde podemos poupar uns Watts aqui, uns joules ali.”
Mariana Ribeiro Ferreira, vice-presidente da Grace, em representação da CUF, frisa o mesmo ponto: “As empresas deixam de ter reportar apenas o que se passa dentro de sua casa e passam a ter de reportar o que se passa na sua cadeia de valor. Que critérios estão na base da escolha de fornecedores?”, questiona.
Para ilustrar as dificuldades que as empresas mais pequenas podem ter, a gestora conta um episódio com um fornecedor da CUF de média dimensão, em que lhe é pedida informação sobre o tratamento de um resíduo e ele responde com uma tabela de preços, notando que teria de colocar uma pessoa a tratar de encontrar, compilar e tratar essa informação. “O grande desafio das PME é no pilar ambiental, para conseguirem reportar às grandes, que estão muito pressionadas. Acredito que no futuro haverá fundos comunitários para capacitar PMEs. Elas criam riqueza e emprego, não podem ser asfixiadas”, acrescenta.
O debate do painel acabaria por se centrar na sucessão nas empresas familiares. Um momento em que a sua sobrevivência fica frequentemente ameaçada. Peter Villax reconhece que há uma dimensão de maior “emocionalidade” nesses grupos e que é muito importante “a sucessão demorar anos”. “É importante que haja um grande envolvimento da família e dos pares do sucessor, os da mesma geração”, adianta.
Outro dos intervenientes, Jorge Milne e Carmo, CEO da Carmo Wood, argumenta que, para tirar o peso emocional das empresas familiares, “temos de trazer de fora independentes que não pensam como a família”. Família essa que não deve ser a única responsável por escolher quem liderará a empresa. “Ninguém é insubstituível. Mas há empresas muito complexas. É preciso tempo para se adaptarem.” Jorge dá o exemplo da empresa que fundou, que abriu 20% do capital a um investidor para permitir a entrada de “sangue novo” na estrutura de governança do grupo.
Peter Villax concorda. “O segredo da transformação da empresa familiar é abri-la a ADN de fora. As empresas familiares têm sucesso quando sabem adaptar-se à ambição que têm ou querem ter”, concluiu.
Jorge Milne e Carmo ilustrou a questão da sucessão e dos seus eventuais problemas da seguinte forma: “a empresa serve para dar dinheiro à família, não para dar emprego à família”. Acrescentou ainda que quando o sucessor é da família “até tem um handicap, porque tem de ser muito melhor do que as alternativas”.