Saiba aqui tudo sobre as Conferências do Estoril
Ninguém arrancou tantas palmas na subida ao palco das Conferências do Estoril como Sérgio Moro. O juiz de primeira instância que se celebrizou como responsável da Operação Lava Jato provou na tarde desta terça-feira, na Nova SBE, em Carcavelos, que a sua fama de superjuiz atravessa fronteiras e parece ter sobrevivido à sua polémica passagem a ministro do governo de Jair Bolsonaro.
O juiz de 1ª instância sabia que não seria uma transição pacífica. Em conferência de imprensa dada no final do painel sobre combate à corrupção, integrado no ciclo de Conferências do Estoril, e em resposta a uma pergunta da VISÃO, Sérgio Moro explicou que quando foi convidado para integrar o executivo brasileiro teve a preocupação de olhar para o pacote de medidas de Bolsonaro para perceber se era convergente com o que defende: “Entendi que tinha melhores condições para lutar contra a corrupção como ministro do que como juiz de primeira instância. Aceitei um pacote de medidas que coincidiam com o que defendo. Não aceitei nada que fosse contra os meus princípios. Mudei de cargo, mas continuo o mesmo.”
Durante o painel em que falou ao lado da ex-Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e de Janine Lénis, ministra da Justiça de Cabo Verde, sobre combate à corrupção, Sérgio Moro já tinha abordado brevemente esse seu “caminho sem volta”, como apelidou a sua passagem de juiz a governante. “Foi uma oportunidade de continuar a trabalhar nisto na área da Justiça. Decidi que naquele momento eu serviria mais a causa do meu país dentro de uma posição governamental. Estou sujeito a críticas, sim, isso faz parte da vida pública. O futuro vai dizer se foi a decisão certa ou não mas sinto-me confortável. Não foi fácil porque é um caminho sem volta. Não sei como é aqui em Portugal, mas no Brasil não posso voltar à magistratura.”
O ministro brasileiro defendeu que para combater crimes como a corrupção ou o branqueamento de capitais é necessário “trabalhar para diminuir as oportunidades” de quem comete estes crimes, na medida em que a corrupção é “um crime que envolve uma escolha racional, risco e oportunidade”: “É por isso que acredito na transparência, no ter fiscalizações mais eficientes. A corrupção envolve pessoas muito poderosas e o sistema de Justiça tem a sua força mas foi criado para combater outro tipo de criminalidade.”
Para Sérgio Moro, uma das formas mais eficientes de diminuir os crimes de colarinho branco é diminuir a “sensação de impunidade” e “passar a mensagem de que o crime não compensa”: “As pessoas sentem-se à vontade para infringir a lei porque acham que é um comportamento normal. É preciso iniciar um ciclo virtuoso. Temos uma grande gama de empresas estatais, e tradicionalmente elas estão ligadas a grandes casos de corrupção como a Petrobras e o que aconteceu na Lava Jato. É preciso fazer que as pessoas acreditem que a lei é para valer. No Brasil havia um quadro de corrupção disseminado, que afetava a vida pública, afetava inclusivamente a produtividade da economia”.
Sobre um dos temas que mais marcou o painel – a delação premiada, figura que permite que no Brasil os criminosos denunciantes de crimes possam ter uma atenuação de pena -, Sérgio Moro continua a bater-se pela causa: “Determinados crimes como a corrupção são praticados em segredo e estão normalmente envoltos num pacto de silêncio. Muitas vezes as únicas pessoas que podem servir de testemunhas destes crimes são criminosos. Mas quando o sistema opta por falar com eles, fá-lo para poder chegar ao grande criminoso.” E exemplifica com um caso prático: “No Brasil fez-se um acordo com um sr. da Odebrecht, que ficou apenas uns anos preso, mas revelou uma série de casos de subornos – não só no Brasil, mas no mundo inteiro – a que dificilmente conseguiríamos chegar se não fossem essas informações.
Por razões semelhantes, Sérgio Moro defende a importância de ver no Brasil decisões condenatórias passarem a definitivas com a condenação em segunda instância. “Esperar pela última decisão seria o mais seguro, claro. Mas por outro lado, perante um sistema moroso, o que acontecia é que esse sistema era manipulado exactamente pelas pessoas poderosas que cometiam estes crimes para nunca cumprirem pena, apesar de haver abundantes provas contra elas.”
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