Estamos na semana europeia da imunização, uma iniciativa do setor europeu da Organização Mundial da Saúde, que visa sensibilizar a população para a importância da vacinação na prevenção de doenças e na proteção da vida.
A campanha deste ano pretende melhorar a aceitação das vacinas num contexto de retrocesso global nas taxas de vacinação. É uma oportunidade para refletir sobre todas as vacinas que temos à nossa disposição, e em como estas mudaram as nossas vidas – a Covid-19 é um exemplo muito presente na memória de todos –, mas também para pensar nas vacinas de que ainda não dispomos e na falta que elas nos fazem.
Um dos casos mais prementes, porque é ubíquo e com pesados custos para as famílias e para o SNS, será talvez o do vírus sincicial respiratório (VSR ou, na sigla em inglês, RSV). As crianças, o principal grupo de risco, a par dos idosos, dificilmente chegam aos dois anos sem terem sido alvo de contágio: de acordo com dados da revista médica The Lancet, cerca de nove em cada dez crianças serão infetadas com VSR até aos dois anos. Números que assustam, mas os médicos rejeitam alarmismos.
Se não é caso para alarme, sê-lo-á, sem dúvida, para esclarecimento. Que vírus é este, afinal? Quais são os sintomas? Como se dá o contágio? E o que podemos fazer para evitá-lo? Falámos com quatro médicos pediatras, que nos explicaram tudo o que é preciso saber sobre o VSR.
VSR: Que vírus é este, afinal?
Como o próprio nome indica, o VSR é um vírus que afeta as vias respiratórias. De acordo com João Farela Neves, pediatra na Unidade de Imunodeficiências Primárias do Hospital Dona Estefânia, “na grande maioria das crianças, a doença tem um curso absolutamente benigno, originando uma constipação ‘banal’ ou podendo causar bronquiolite, na maior parte dos casos bem tolerada”. Já Manuel Magalhães, pediatra no Centro Materno-Infantil do Norte, refere o seu caráter sazonal – a época epidemiológica decorre entre novembro a março – e diz ser este vírus “um dos principais causadores de infeções respiratórias que levam as pessoas a visitar as urgências, causando pressão nos hospitais e na vida das próprias”.
Gustavo Januário, pediatra no Hospital Pediátrico de Coimbra, sublinha que “o VSR é o vírus que mais frequentemente causa a bronquiolite aguda, e vários estudos comprovam que é igualmente a causa mais importante de pneumonia”. Manuel Magalhães acrescenta que a componente que provoca ansiedade nos pais, e até nos médicos, é mesmo o facto de “nunca se saber como cada criança vai evoluir”.
“A maioria destas crianças não apresentará sequelas futuras, mas algumas terão vários episódios posteriores de sibilância e poderão mesmo vir a ser diagnosticadas com asma.”
Gustavo Januário, pediatra no Hospital Pediátrico de Coimbra e um dos autores do estudo BARI
Gustavo Januário explica o que pode acontecer: “Os sintomas mais preocupantes, e que deverão motivar a observação por um médico, são, por exemplo, a prostração, as dificuldades alimentares e a dificuldade respiratória. Não existe nenhum tratamento específico aprovado e, muitas vezes, o tratamento prescrito é apenas sintomático, tendo como objetivo, por exemplo, o controlo da febre através da utilização de antipiréticos como o paracetamol, o aumento do aporte de líquidos para combater a desidratação e o fracionamento alimentar, para não se aumentar o esforço respiratório. Em situações em que exista gravidade associada, poderá ser necessário internamento hospitalar acompanhado de soroterapia por via endovenosa, administração de oxigénio ou mesmo apoio ventilatório. A maioria destas crianças não apresentará sequelas futuras, mas algumas terão vários episódios posteriores de sibilância e poderão mesmo vir a ser diagnosticadas com asma.”
“Esta infeção transmite-se através da inalação de gotículas respiratórias de uma pessoa infetada, produzidas durante a respiração e a tosse. Tem a particularidade de se transmitir igualmente por contacto.”
João Farela Neves, pediatra na Universidade de Imunodeficiências Primárias do Hospital Dona Estefânia
João Farela Neves esclarece que “esta infeção transmite-se através da inalação de gotículas respiratórias de uma pessoa infetada, produzidas durante a respiração e a tosse. Tem a particularidade de se transmitir igualmente por contacto. Isto significa que as gotículas infetadas, que se depositam nos objetos, podem igualmente causar infeção”. Acrescenta ainda que “a máscara é muito útil na limitação do contágio”, devendo ser usada sempre por quem se sente doente – não pelos bebés, naturalmente, mas pelos adultos que, dessa forma, vão reduzir a circulação do vírus.
Sintomas do VSR
- Rinorreia
- Obstrução nasal
- Espirros
- Tosse
- Febre
- Irritabilidade
- Dificuldades respiratórias
- Dificuldades alimentares
- Prostração
VSR é principal causa de hospitalização em crianças até 12 meses
“Paradoxalmente”, refere Rita Machado, pediatra e coordenadora do serviço de urgência do Hospital Dona Estefânia, “a esmagadora maioria dos casos graves, os quais necessitam de hospitalização, refere-se a crianças saudáveis”. E acrescenta: “o VSR é, mesmo, o principal motivo de internamento em crianças com menos de um ano. Este vírus respiratório é responsável [ao nível mundial] por 33 milhões de infeções das vias aéreas inferiores em crianças com menos de cinco anos, das quais 3,6 milhões necessitam de internamento e cerca de 26 mil acabam por perder a vida devido a complicações”. A pediatra conclui dizendo que, “num período de estudo entre 2015 e 2018, ocorreram nove mortes no nosso país, devido a VSR”.
A médica explica ainda que, “até aos três anos, todos já teremos tido a primeira infeção por VSR. Geralmente, a primeira vez é a mais grave. O nosso sistema imunitário não gera imunidade duradoura contra o VSR, pelo que teremos infeções causadas por este vírus ao longo da vida, por vezes na mesma época epidemiológica e pelo mesmo tipo de VSR”.
“Paradoxalmente, a esmagadora maioria dos casos graves, os quais necessitam de hospitalização, refere-se a crianças saudáveis”.
Rita Machado, pediatra e coordenadora do serviço de urgência do Hospital Dona Estefânia
Transmissão e reducão do contágio do VSR
Se a jusante, no tratamento, as possibilidades são limitadas, resta-nos agir a montante, no contágio. O que podemos fazer para reduzi-lo? Manuel Magalhães é perentório: “É importante que os pais entendam que os bebés não devem ir passear para o shopping. É preferível – não só preferível mas também saudável – levar o bebé a passear à rua, mesmo que esteja a chover e estejam dois graus negativos.” Sobre isto acrescenta que um dos picos do VSR ocorre 15 dias depois do Natal e que isso está relacionado com o tempo passado em superfícies comerciais e em espaços fechados, com muita gente nessa altura.
“É importante que os pais entendam que os bebés não devem ir passear para o shopping. É preferível – não só preferível mas também saudável – levar o bebé a passear à rua, mesmo que esteja a chover e estejam dois graus negativos.”
Manuel Magalhães, pediatra no Centro Materno-Infantil do Norte e co-autor do “Position Papers”, do RSV Think-Tank
Manuel Magalhães levanta ainda outra questão relativa ao contágio: “Nos primeiros dois anos de vida, os bebés não deviam ir ao infantário, onde facilmente entram num círculo vicioso de infeção e de reinfeção. Alguns países já se estão a mover no sentido de alargar a duração da licença de parentalidade. E, de facto, fazendo contas aos recursos usados no SNS e à falta de produtividade dos pais, que são obrigados a faltar ao trabalho, é possível que saia mais caro do que os custos relativos ao aumento do tempo de licença.”
A carga do vírus: SNS e famílias
No que diz respeito à aferição dos custos do VSR no SNS, bem como da carga financeira e emocional do vírus nas famílias, há a referir dois documentos importantes: o estudo intitulado Impacto e Gravidade das Hospitalizações em Portugal pelo Vírus Sincicial Respiratório em Crianças (2015-2018), também conhecido como BARI (a sigla inglesa referente a Burden Of Acute Respiratory Infections), e o recém-apresentado Position Paper, do RSV Think-Tank, um grupo multidisciplinar integrado por pediatras e neonatologistas, médicos de saúde pública, enfermeiros, economistas, associações de pais e decisores, criado com o objetivo de fomentar a discussão e a procura de soluções para se mitigar este problema. O RSV Think-Tank é uma iniciativa Sanofi, em parceria com a XXS – Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro e a Associação Portuguesa de Economia da Saúde, dinamizada pela MOAI Consulting. Um dos autores do Position Paper é o médico Manuel Magalhães.
Olhemos primeiro para o BARI. Este estudo teve como objetivo descrever a carga de hospitalizações potencialmente relacionada com o VSR em hospitais públicos portugueses, em crianças com menos de cinco anos, entre 2015 e 2018, nas épocas de VSR, ou seja entre novembro e março de cada ano. No período em estudo, ocorreram 15214 hospitalizações de crianças, das quais 7243 foram diretamente causadas por VSR, 4878 por bronquiolites sem causa especificada e 3093 por outras infeções agudas das vias respiratórias inferiores sem causa especificada. Essas hospitalizações resultaram em 29 mortes potencialmente relacionadas com VSR, das quais nove tiveram o VSR como causa direta; uma, por bronquiolite sem causa especificada; e 19 por outras infeções agudas das vias respiratórias inferiores.
Contas feitas, neste período, o VSR custou ao SNS €5,1 milhões por ano, dos quais €2,4 milhões estão relacionados com hospitalizações causadas pelo VSR; €1,3 milhões, com bronquiolites sem causa específica; e €1,4 milhões, com hospitalizações causadas por outras infeções agudas das vias respiratórias inferiores.
Perfil de hospitalizações por VSR
Caraterísticas das 7243 crianças hospitalizadas com VSR em hospitais públicos portugueses, com menos de 5 anos, entre 2015 e 2018, durante as épocas de VSR, definidas como o período entre novembro e março de cada ano:
95% Crianças Saudáveis
85% Crianças < 12 meses
67% Crianças < 6 meses
72% Casos graves*
5 Dias de internamento
*hospitalizações em que foi necessária a utilização de ventilação mecânica – invasiva ou não invasiva – e/ou oxigenoterapia
Fonte: Estudo BARI
Este pediatra refere ainda a importância do VigiRSV, uma rede de vigilância, integrada por 19 hospitais públicos e um privado, criada em 2021, com o objetivo de monitorizar as alterações na circulação do VSR em Portugal. “Semanalmente são reportados os casos de infeção respiratória aguda em crianças internadas com menos de 24 meses e, desde a sua criação, já permitiu a identificação de dois períodos de atividade anómala de VSR em Portugal”, explica. Esta monitorização possibilitou, por exemplo, “a antecipação da toma de um medicamento utilizado para a profilaxia da infeção por VSR em crianças de risco elevado”.
Gustavo Januário, um dos autores deste estudo, diz que o BARI “demonstrou que o VSR é responsável por um elevado número de hospitalizações em crianças, sobretudo durante o primeiro ano de vida, e que a maioria se observa em crianças saudáveis, facto crítico a considerar na elaboração das futuras estratégias de imunização”.
Mas voltemos aos custos e à carga do VSR, desta vez no âmbito das famílias. De acordo com um questionário elaborado pelo RSV Think-Tank, em média, por infeção respiratória, as famílias portuguesas gastam €87,18 (€59,62 em tratamento farmacológico e €27,56 em refeições e deslocações). Por outro lado, 79% dos participantes reportaram que tiveram de faltar ao trabalho devido a episódios de infeção respiratória durante a infância do seu filho e 39% disseram que foi o parceiro quem teve de faltar ao trabalho. Os cálculos elaborados com base nos dados recolhidos permitiram concluir que o custo por família associado ao absentismo dos pais, por criança, devido a todas as infeções respiratórias durante a infância, é de cerca de €734. Por último, 47% dos participantes referiram que os episódios de infeção respiratória afetaram a sua progressão de carreira – 92% das respostas pertenciam a indivíduos do género feminino.
Custo para o SNS: €5,1 milhões por ano, dos quais:
€2,4 MILHÕES relacionados com hospitalizações causadas pelo RSV codificado como causa
€1,3 MILHÕES relacionados com hospitalizações causadas por bronquiolites sem causa específica
€1,4 MILHÕES relacionados com hospitalizações causadas por outras infeções agudas das vias respiratórias inferiores sem causa específica
Fonte: Estudo BARI
Futuro da imunização: vacinas e anticorpos monoclonais
E agora chegamos ao tema-chave: a prevenção. De acordo com o RSV Think-Tank, “ainda não existem medidas preventivas disponíveis para todas as crianças, mas há novas soluções que estão já em fase avançada de desenvolvimento e com perspetiva de disponibilidade para breve”.
A publicação The Lancet confirma que a indústria farmacêutica tem cerca de 30 vacinas e anticorpos monoclonais em desenvolvimento para este vírus. De resto, já há uma profilaxia monoclonal que é usada, nomeadamente em Portugal, mas em bebés muito prematuros ou com doenças crónicas (displasia broncopulmonar, fibrose quística, cardiopatia congénita, etc.), ou seja, de acordo com Rita Machado, apenas “4% a 6% da população global é elegível”.
NÚMEROS MUNDIAIS
Em 2019, estima-se que ocorreram, ao nível global, em crianças com menos de cinco anos, cerca de 33 milhões de episódios de infeções por VSR, 3,6 milhões de internamentos, 26 300 mortes hospitalares e 101 400 mortes, no total, atribuídas à infeção por VSR
Fonte: RSV Think-Tank, “Position Paper”
Aqui interessa, talvez, explicar a diferença entre vacinas e anticorpos monoclonais. As vacinas funcionam ao estimular uma resposta do sistema imunitário a um vírus ou bactéria, criando uma memória imunitária que permite ao corpo lembrar-se de determinado vírus ou bactéria e defender-se, prevenindo as doenças que estes provocam. No caso dos anticorpos monoclonais, estes ligam-se a uma das proteínas presente no VSR, impedindo a sua penetração nas células epiteliais das vias aéreas.
Nas palavras do pediatra Manuel Magalhães: “Enquanto com as vacinas é o próprio corpo que produz as defesas, com o anticorpo monoclonal nós damos diretamente as defesas e, assim, o corpo não precisa de fazer nada.” O pediatra acrescenta ainda que em “Espanha já há previsão para se começar a imunizar com anticorpos monoclonais. Itália e França também estão a desenvolver esforços no mesmo sentido e Portugal deveria fazer o mesmo”.
Uma ideia digna não só de reflexão, mas também de planeamento necessário para que seja posta em prática.
Este artigo foi elaborado com o apoio da Sanofi. A redação do texto é da responsabilidade do TIN Brand Studio. As opiniões dos médicos são da sua responsabilidade.