Nas últimas semanas, uma imagem comparativa do preço dos combustíveis, durante os governos de Pedro Passos Coelho e António Costa, tem circulado insistentemente pelas redes sociais, despertando os mais variados comentários. A imagem sugere uma relação entre a subida do preço da gasolina e do gasóleo e o nome do primeiro-ministro. Mas será o aumento do preço dos combustíveis, ao longo da última década, responsabilidade do Governo? A publicação – muito partilhada no Facebook – voltou a ganhar vida desde a última segunda-feira, altura em que o aumento do preço dos combustíveis voltou a acelerar, anulando o recuo verificado nas duas semanas anteriores – o preço médio da gasolina em Portugal é, hoje, de 1,689 euros por litro; enquanto o do gasóleo é de 1,454 euros por litro.
O impacto do preço do barril do petróleo
“Em termos gerais, as variações de preços dos combustíveis acompanham a evolução dos preços do petróleo. Este é um primeiro ponto fundamental para compreender o valor final imputado ao consumidor, e que foi confirmado em diversas análises aprofundadas de entidades competentes pela supervisão e regulação do setor”. A conclusão de Pedro Dias, analista de mercado de energia, da Deco Proteste, explica, em parte,a “enorme subida” de preços, que se registou entre junho de 2020 e junho 2021 – e que fez disparar a insatisfação dos consumidores. “[Este aumento de preços] tem por base esta variação de preços da matéria-prima, que, em meados deste ano retomou (e superou) os níveis pré-pandemia”, explica Pedro Dias.
“Em Abril de 2020, o preço do barril de petróleo colapsou em virtude de uma quase completa paragem económica mundial. Episódios como valores negativos de preço de petróleo ou médias de preços mensais abaixo de 20 dólares por barril foram parte do ‘normal’ em 2020, o que causou um impacto disruptivo mundial neste mercado. O mercado encontra-se atualmente em reajuste e com alguns efeitos da imprevisibilidade trazida pela pandemia ainda em resolução, a que se juntam alguns posicionamentos geo-políticos que tiveram a sua influência, como é exemplo o comportamento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) neste período”, explica.
Observando a evolução do preço do barril de Brent – utilizado como referência em cerca de dois terços das transações mundiais de petróleo, incluindo Portugal –, publicada pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), é possível concluir que o Governo de Pedro Passos Coelho beneficiou, durante o seu período de governação, entre junho de 2011 e novembro de 2015, de uma queda significativa do valor deste ativo, que se acentuou em finais de 2014, atingindo o seu preço mínimo em novembro de 2015 (41,235 euros/barril). Por outro lado, o Governo de António Costa tem enfrentado maior variações do valor deste ativo, que conheceu uma tendência de queda, pela crise no mercado provocada pela Covid-19, seguida de uma recuperação iniciada, principalmente, a partir do final de 2020. O crescimento do preço do barril de Brent acelerou a partir de fevereiro deste ano – fixando-se, no passado mês de junho, nos 63,584 euros/barril (de acordo com os últimos dados publicados pela DGEG).
O aumento da carga fiscal
Outro fator distinto na formação do preço final, e que parece ser o motivo da publicação viral nas redes sociais, tem a ver com a carga fiscal ou intervenção estatal que influencia o preço. A carga fiscal aumentou, de facto nos últimos anos, mas não se pode responsabilizar, diretamente, o Governo por essas medidas.
“Existe atualmente uma carga fiscal superior à de há uma década, mas o desígnio da descarbonização e os compromissos assumidos neste período não são comparáveis. Esta alteração teve de ser gerida pelos diversos governos, mas resulta de uma linha estratégica nacional e europeia que tem um horizonte temporal superior ao de uma legislatura”, afirma Pedro Dias.
Em janeiro de 2011, o IVA sobre o preço da gasolina e do gasóleo passou a ser cobrado à taxa de 23%, ainda antes de Pedro Passos Coelho ou António Costa assumirem a liderança dos respetivos Executivos. Por sua vez, o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) não tem sofrido variações significativas, à exceção da atualização de fevereiro de 2016, quando o ISP da gasolina passou de 0,518 euros/litro para 0,578 euros/litro. O valor deste imposto, porém, até desceu em 2019, fixando-se atualmente nos 0,526 euros/litro, perto do valor de há cinco anos. No caso do gasóleo, o ISP aumentou, igualmente, em 2016: dos 0,278 euros/litro para os 0,338 euros/litro. E está agora nos 0,343 euros/litro.
Outro aumento, até mais acentuado, verificou-se também na Taxa de Carbono: de 0,0115 euros (em 2011) para 0,0543 (em 2021), na gasolina, e de 0,0126 euros (em 2011) para 0,0592 (em 2021), no gasóleo. “As alterações fiscais que ocorreram na última década, com um enfoque na penalização das emissões de carbono, são o principal vetor no âmbito fiscal. É um rumo comum aos vários governos e que resulta do compromisso do país no sentido de descarbonizar a economia, alinhado com um desafio europeu e mundial no mesmo sentido”, diz o especialista.
Conclusão
ENGANADOR
Existiu, de facto, um aumento do preço dos combustíveis ao longo da última década, mas esse facto não pode ser apenas imputado às medidas tomadas pelos governos. O preço do barril de petróleo (Brent) é o principal fator que define o preço final a pagar pelo consumidor – o que se verificou em 2020, quando os valores da gasolina e do gasóleo chegaram a recuar para números inferiores aos da segunda imagem (à direita). Já o impacto dos impostos e taxas nos combustíveis no preço final surge, essencialmente, na penalização das emissões de carbono, na sequência do compromisso de Portugal para descarbonizar a economia, alinhado com outros países europeus e mundiais – o que permite antever, com elevado grau de certeza, que, no futuro, os preços dos combustíveis poluentes podem continuar a aumentar.