Numa viagem recente de dez dias à Argentina com o Fernando e um grupo de amigos amantes de tango, cresci, e de que maneira, no contacto com um continente, um país, uma cidade e um povo que tanto têm por descobrir. Também no que têm de comum com a velha Europa, seja na forma dos edifícios, das avenidas ou na cultura. Retenho desta viagem boas visitas a locais fabulosos, boa música, bons tangos, boa comida, boa gente que bem sabe tirar partido das circunstâncias da vida.
Mas retenho, e de que maneira, cada momento de uma conversa de duas horas com um homem tão sábio e visionário quanto sensato, interessante, comprometido e apaixonado pela humanidade. Nos seus cinquentas, e com formação em Direito, Pedro Tarak, foi co-fundador da Fundação Avina e, mais recentemente, da Emprendia, a primeira das 1500 empresas B já existentes em todo o mundo. Apenas meia dúzia em Portugal, coincidência que três sejam associadas GRACE? Nenhuma delas grande empresa, mas em jeito de inspiração, uma sociedade de advogados que se tem afirmado num modelo de gestão bem sucedido, à la empresa.
Mas de que trata afinal uma empresa B? Trata mesmo de redefinir o seu modelo de negócio por forma a combinar lucro com a solução de problemas sociais e ambientais e fundamentar o seu sucesso numa filosofia de empresa para o mundo e não apenas de empresa no mundo. Tal organização integra na sua missão objetivos de longo prazo para todos os seus stakeholders, não descurando a criação e implementação de standards muito rigorosos de gestão, transparência, sustentabilidade, governance.
Se achamos que estas empresas se ficam por aqui no garante de uma estratégia bem conseguida, desenganemo-nos. Quem criou este modelo de gestão pensou de imediato em sistemas de avaliação de impacto moldados à realidade corporativa da época contemporânea. “Measure what matters and redefine your purpose”, em estreita colaboração entre sociedade civil e empresas, foi, desde o primeiro minuto, a preocupação no sucesso de implementação e desenvolvimento desta estratégia.
”Já foste a Costanera Sur?” Perguntou-me o Pedro a dada altura da nossa conversa. Claro que no dia seguinte rumámos a Puerto Madero para podermos perceber o fundamento de tal pergunta. Cerca de 300 hectares de reserva natural caminhada ao longo de 5 kms. Milhares de espécies animais e vegetais. Ali. Com torres gigantes e o mundo financeiro como pano de fundo, e de braço dado com o Rio de la Plata e com o coração de uma cidade de Buenos Aires onde as pessoas não param, como que a garantir uma vida plena de sentido em círculos de 24 horas por dia.
Soube nesta viagem que o executivo da capital argentina e o governo central, movidos pela convicção de organizações ambientalistas, retiraram espaço à cidade para criarem um mecanismo de sustentabilidade, melhor, de saúde, para os milhares de cidadãos que ali habitam. Tudo isto em articulação com empresas que, mais do que com lucro, se preocupam com um modelo de economia de regeneração, ou seja, a que visa recuperar do ponto de vista social e ambiental os impactos negativos decorrentes da sua atividade essencial. Segundo Pedro Tarak, num sistema de acumulação de riqueza que tem o seu lado B, ou seja, o que longe das revoluções ou lutas armadas propõe uma mudança de paradigma, com a criação de uma nova geração de empresas em que a lógica de produção e de consumo é orientada para o capital social e ambiental e não apenas para o dinheiro.
E então nós, empresários portugueses? Para quando a conversão em empresas B e a redefinição do sucesso empresarial num modelo que combine lucro com a solução de problemas sociais e ambientais, rumo à conquista do estatuto de empresa para o mundo e não apenas no mundo?
Este é um desafio que se entende ainda melhor depois de uma visita à Argentina e mais concretamente a Buenos Aires. Mesmo que o objetivo inicial resida num tango no estado ótimo de passos de cruzada, corte ou media volta.
Porque, a mais pura das verdades é que, a propósito do tango argentino, se colhem belas lições sobre o que de melhor se pode fazer em matéria de sustentabilidade. No mundo, na Argentina, ou em Portugal.