Sempre preferi um nada existe fora da história ou fora do jogo entre uma plural e infinita relação de forças foucaultianas do que o “il n’y has pas de hors-text” (nada existe fora do texto) derridiano. A diferença entre estes dois posicionamentos foi o que sempre distanciou os dois pensadores franceses um do outro.
Invoco-os não com o propósito de me debruçar sobre uma velha questão, já por mim e por outros abordada noutros espaços, mas para refletir um pouco o quanto, nestes últimos tempos, os media, frequentemente tidos como o 4º poder, se afirmam com cada vez maior determinação e força como o 1º grande poder ou o poder por excelência. Os media não existem pelo poder económico ou político, nem lhes estão sujeitos. São antes estes e infinitos outros, os poderes a quem os media conferem ou não existência, todos os dias.
Existir custa dinheiro. Por isso, não deixa de ser óbvia a relação entre o que ganha vida nos meios de comunicação social e o capital. Mas se, por um lado, existir implica ou acarreta custos ou recursos, por outro, exige o poder decisório de uma entidade ou de alguém que determina quem deve ou não aparecer. O direito à informação, que entendo como o direito à pluralidade dos factos, das fontes e seus objectos, sem exclusões, ou o domínio de uns sobre outros, tem talvez nos Provedores do Cidadão e quem sabe, na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), uma tentativa de associar a vontade da sociedade civil à vontade de quem decide, mas a verdade é que são cada vez mais os media a deliberar quem, que assuntos ou temas, que poderes, devem ou não fazer parte e interferir na vida do público em geral.
Uma maior fiscalização do exercício do poder em democracia tem feito aparecer nos media novos rostos, novas realidades que não se imaginariam fora deles. Infelizmente, as denúncias resultam com frequência de mútuas e subtis declarações de guerra entre os mais variados interesses. Os media não só não são inclusivos como a realidade de quem ganha vida dentro deles não é eticamente isenta. No final, contribuir para o bem-estar das pessoas, das famílias, ou da sociedade em geral não é critério que presida ao nascimento dos conteúdos que os media fabricam todos os dias.
Penetrar o poder dos media e fazer bom uso dele a favor de democracias mais inclusivas e participativas não é de todo fácil. Às organizações que no terreno apoiam pessoas vítimas dos mais cruéis dramas, os media negam repetidamente qualquer tipo de espaço por não terem ou não serem assunto de interesse. Não é a primeira vez que rádios e televisões, jornais e revistas, agências e agentes de comunicação vedam a existência à recuperação da dignidade e autonomia de tantos. Permanece a ideia de que o bem não arrebata audiências, mas que sobretudo os media nada têm a ver com isso.
Como palco onde a história acontece, os media continuam a produzi-la hoje com os comportamentos e interesses, as verdades e mentiras de quem é detentor de poder – habituais protagonistas de outros tantos historiadores. Ergue-se no seio da sociedade civil, a par de um generalizado descontentamento, a sensação de total impotência, ou a incapacidade de resistir. Todos sabemos o quão enviesado e manipulado é o debate político-económico. Mas vai-se fazendo.
No entanto, aquele sobre o qual pouco ou nada se discute, tendo-se tornado paradoxalmente intocável e impenetrável, é precisamente o que os media excluem sistematicamente dos seus espaços: os próprios media. Mas hoje a qualidade inclusiva da narrativa humana depende da qualidade dos media que a contam, enquanto 1º poder. E se os pagamos, se lhes temos direito, então também os devemos perscrutar, saber quem assassinam e permitem viver, e assim questionar e transformar.