Sempre achei a invisibilidade uma arma poderosa do mal. Por isso é tão importante revelar, porque só o que é visível pode ser combatido ou elogiado.
Fiquei contente, portanto, quando vi que novos cronistas tinham aceitado o desafio de escrever para a Visão Solidária. Sobretudo os mais jovens, que nos trazem histórias positivas e otimistas, decididamente merecem um tributo elogioso dos mais velhos, como eu, não apenas porque a sua motivação é um exemplo, mas também porque o seu incentivo é indispensável para todos, nestes tempos difíceis.
Gostei de saber que no nosso País há tantas pessoas envolvidas em Organizações Não Governamentais. É muito gratificante essa notícia, pois o compromisso ético da sociedade civil é importantíssimo. Parabéns, Miguel Pavão!
E adorei a história da “Cinderela”. Que bom termos fadas verdadeiras que conseguem mudar a vida de seres humanos despojados. Bem-haja, Bárbara, pela sua perseverança!
Circula nas redes sociais um vídeo de dois amigos que decidiram levar alegria a dezenas de sem-abrigo e que conseguiram sorrisos comoventes. Divulgá-lo faz bem à alma de todos quantos consideram a pobreza uma indignidade, neste mundo com tanta riqueza por repartir…
Mas estou convicta que a par das notícias boas, teremos de continuar a denunciar o que está errado porque a realidade continua a interpelar-nos todos os dias.
Há uma semana, soubemos do martírio de Souhair Al-Batae, uma menina de treze anos que foi arrancada à vida na sequência da mutilação genital que foi obrigada a sofrer.
A Organização Mundial de Saúde aponta um número aterrador de 140 milhões de vítimas de Mutilação Genital Feminina.
Muitas crianças ficam com problemas sérios de saúde, com consequências para o resto da vida e continua a haver muitas mortes que ocorrem na sequência de infeções causadas por esta prática tão prejudicial para o seu desenvolvimento. A excisão é uma violação dos direitos humanos praticada em segredo e por isso tão difícil de combater.
Em Portugal, ainda não temos a previsão expressa do crime de mutilação genital, como já se exige na Convenção de Istambul, que foi ratificada no ano passado.
Creio que não será necessário ficarmos à espera da entrada em vigor da Convenção, porque se reconhece a justeza da tipificação desta infração tão censurável.
E como escrevo no dia em que soube que a Organização Internacional do Trabalho decidiu assinalar este ano o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil com uma chamada de atenção especial para o trabalho doméstico, achei importante falar de mais esta prática tão sigilosa.
A OIT estima que as crianças envolvidas em trabalhos domésticos ultrapassem os dez milhões e que desses, mais de seis milhões sejam crianças que têm entre 5 e 14 anos, sendo mais de 70% meninas ou adolescentes do sexo feminino.
O trabalho doméstico tem sido desvalorizado, porque se tem a ideia errada de que não é pesado, como o trabalho nas minas ou nas plantações. No entanto, muitas destas crianças prestam-no em regime de verdadeira servidão.
Alguns de nós ainda se lembram das meninas que vinham para a cidade “servir”, muitas delas sujeitas a sevícias. Tive no Tribunal de Menores no início dos anos 90 alguns casos dessas crianças invisíveis, de meninas sem direitos, privadas da escola e do direito a brincar, que eram espancadas quase diariamente.
Creio que poderemos dizer que se evoluiu muito em 20 anos, mas não podemos ficar indiferentes ao que se passa no mundo e lembro-me que quando no final dessa década se fez em Portugal um estudo sobre o trabalho infantil com a colaboração da OIT, ainda havia casos em número significativo, sobretudo no domicílio, e em especial no setor das confeções. Crianças que antes de irem para a escola tinham de exercer tarefas repetitivas durante horas e que a seguir à escola tinham de ir para os campos ajudar a família. Dispendiam diariamente cerca de quatro horas em trabalho, não remunerado, obviamente, mas ainda assim trabalho, que lhes retirava o gosto por aprender, e lhes negava o tempo de lazer.
O trabalho domiciliário é sempre menos visível e é por isso que os progressos têm sido mais difíceis.
Fez bem pois, a OIT em dedicar-lhe este ano o Dia do combate ao trabalho infantil!
No ano passado, falei do belíssimo livro de Soeiro Pereira Gomes “Esteiros”, que dedicou “aos homens que nunca foram meninos”.
Este ano, lembrei-me de um livro de Maria Velho da Costa “Bastardia”, que fala de um rapaz que trabalhava como serviçal na casa de um tio e que só queria ver o mar…