“É difícil responder a uma pergunta tão simples, mas simultaneamente tão exigente. Para quem tem quase quarenta anos de vida política, o que devo dizer, antes de tudo, é que há muito por fazer para dignificar a vida política e a participação cívica, num momento em que o vazio de valores gera a indiferença e a confusão entre a cidadania ativa e a mera defesa de interesses individuais.
Nesse sentido, a cidadania exerce-se pelo exemplo, pelo cuidado com os outros, pela atenção a quem está ao nosso lado, pela solidariedade e pela responsabilidade social. A crise só se superará com mais verdade e mais justiça, custe o que custar. Mas temos de partir da imperfeição humana, recusando a intolerância. Ao falarmos de direitos fundamentais estamos também a referir todos os deveres inerentes, que nada têm a ver com as obrigações dos súbditos da sociedade antiga, mas com uma cidadania inclusiva moderna – com liberdade, igualdade e fraternidade. Eis por que razão o bem comum exige uma liberdade igual e uma igualdade livre.
A crise que vivemos deve-se, no fundo, à desvalorização da igualdade e da dignidade humana. Assim, procuro exercer a cidadania em todas as atividades da minha vida – desde o exercício da magistratura, no Tribunal de Contas, à função de professor, passando pela defesa do património cultural, da língua, da criação, da educação e da ciência. Mas reconheço que há sempre muito para fazer, que tantas vezes ultrapassa a capacidade de cada um. Uma das funções que exerci e de que tenho mais orgulho foi a de coordenar a redação da nova Convenção do Conselho da Europa sobre o valor do Património cultural na sociedade contemporânea.
Trata-se de um instrumento que já se encontra em vigor e que é fundamental para o reconhecimento de uma cidadania cultural, que liga a cultura de paz, o desenvovimento sustentável, a coesão social e territorial e a diversidade cultural. Mas sinto, a cada passo, que mais importante do que as normas ou as declarações de princípios é o compromisso concreto – centrado na atenção e no exemplo. Temos de responder antes do mais aos problemas dos excluídos, dos injustiçados, dos que vivem dificuldades e provações. A liberdade e a paz nunca estão adquiridas e conquistadas. Estão sempre ameaçadas como as flores mais frágeis.
Por isso, a cidadania tem de contribuir hoje para que a exigência se contraponha à indiferença, para que a responsabilidade, a verdade e a justiça tome o lugar da demagogia e da procura de bodes expiatórios. No Tribunal de Contas, na Universidade, no Centro Nacional de Cultura, nas organizações internacionais em que participo sinto-me sempre insatisfeito, porque o que o mundo atual exige é muitíssimo de todos nós – o pessimismo tem de dar lugar à esperança, e isso só será possível se pudermos compreender que sem cooperação, sem compromisso e sem pôr mãos à obra não defenderemos a dignidade de todos.”