Com todo o prazer.” Fazer algo porque apetece e satisfaz, desde um jantar gourmet a uma noite de amor, é o suficiente para acionar os circuitos da recompensa no cérebro e libertar hormonas “da felicidade ” (dopamina, ocitocina). Isto, já se sabia. A novidade, trazida pelas neurociências, é que este mecanismo também ocorre quando se praticam atos solidários.
Com esta descoberta, ficam em segundo plano as correntes de investigação evolucionistas, que validavam o lado mais sombrio egoísta da natureza humana, interpretando condutas cooperantes como estratégia ao serviço do interesse próprio.
Do ponto de vista biológico, sabe-se agora, há recompensas intrínsecas em ajudar os outros. O segredo está nos neuróniosespelho, responsáveis pelo sentimento de empatia. Augusta Gaspar, 44 anos e investigadora do ISCTE -Instituto Universitário de Lisboa, dedica-se ao estudo das emoções no departamento de psicologia social.
A docente esclarece o que está em jogo: “Temos um sistema de ressonância que nos permite experimentar e aprender com os outros. Estes neurónios disparam quando observamos experiências alheias e as vivemos como se fossem nossas”.
Testes de laboratório a várias pessoas com técnicas de imagiologia permitiram ver que, durante a exibição de vídeos com protagonistas em situações que envolviam dor, nojo e outras, certas zonas do cérebro ficavam ativas: o córtex singulado e o núcleos acumbens, onde ocorre a libertação de opiáceos naturais (dopamina) e ocitocina, associada a sentimentos como amor e afeto.
A capacidade de nos sintonizarmos com os outros (empatia, compaixão) e a predisposição para os ajudar (gestos solidários) parece intrínseca ao ser humano.
Mas, mais do que isso, tem vantagens biológicas para o próprio. Augusta explica porquê: “Quanto mais ativos estiverem estes circuitos, mais conexões se estabelecem, aumentando a produção destes químicos (nos centros de recompensa), podendo, até, formar-se novos neurónios.
“Em síntese, a generosidade autoalimenta-se e compensa por si mesma, sem atender a ganhos secundários ou a contar com uma eventual “troca de favores”.
Efeito viral
A ocitocina é a grande responsável pela empatia.
Não é de estranhar que seja libertada em situações tão distintas como na fase em que se está a amamentar e, também, após o orgasmo. Há quem lhe chame hormona do amor, por estar associada a situações de proximidade afetiva ou de intimidade.
Quando se manipulou esta variável em dois grupos um de controlo e outro a quem era dado a inalar ocitocina verificou-se que níveis elevados desta substância equivalem a maior predisposição para atitudes simpáticas, de cooperação e ajuda.
O efeito viral que tem o choro de um bebé para os outros bebés que estão com ele numa sala aplica-se do mesmo modo em situações e causas que tocam emocionalmente as pessoas. E resultam em operações solidárias, a que espontaneamente e por contágio muitos aderem, pelo poder de alcance dos media e das redes sociais.
Ana Loureiro, 46 anos, psicóloga social e ambiental da Universidade Lusófona, exemplifica como a empatia e o altruísmo se revelam vitais para o bem-estar comunitário: “Assumir um comportamento pró-social contribuir, com algum custo, em benefício de outros verifica-se no voluntariado, na cidadania, no ativismo a favor da proteção do ambiente.”
Colocar-se no papel do outro e “praticar o bem sem olhar a quem”, ou seja, sem a perspetiva de obter dividendos, tem influência positiva na vida das pessoas. Mesmo nos casos em que existe a sensação de se estar em débito, do ponto de vista moral. Augusta Gaspar refere-se ao sentimento de culpa (por se ficar preocupado mas não ter feito nada acerca disso) que leva uma pessoa a voluntariar-se na próxima oportunidade que surja, resolvendo assim o “stress empático”.
A partir daí, é só vantagens. “Adotar valores e condutas solidárias é benéfico para a saúde porque permite, em última instância, ter um sistema imunitário mais forte. Mas também porque confere prestígio a quem as pratica na comunidade.” Tal foi demonstrado através de experiências com estratégias de jogo (ver Cooperar: sim ou não?), em que se concluiu que cooperar é sempre mais vantajoso do que não o fazer, se os outros também cooperarem. Porque não vivemos sozinhos e, em comunidade, todos ganham mais.
Teste
Cooperar: sim ou não?
Segundo a Teoria dos Jogos, agir em benefício próprio pode ser pouco estratégico a longo prazo. Veja-se o Dilema do Prisioneiro: dois suspeitos, duas decisões.
Qual delas tomar, sem conhecer a do cúmplice, no inquérito policial?
Prisioneiros (A e B)
Estratégia (negar ou acusar o crime)
A nega, B nega = ambos condenados a 6 meses
A acusa, B acusa = ambos condenados a 5 anos
A acusa, B nega = A sai livre, B condenado a 10 anos
A nega, B acusa = A condenado a 10 anos e B sai livre
Apesar de cada um ter 25% de probabilidades de ganhar tudo, 40% dos jogadores confiou no cúmplice e adotou a tática de negar, por ser a melhor solução para ambos. Submetidos a novos ensaios, os jogadores aprendem que o ganho está em ser “amável”, ou seja, não trair antes que o opositor o faça, retaliar se for traído, perdoar e voltar a cooperar se o outro mudar a estratégia delatora.