Enquanto o verde do Parque Eduardo VII desaparece debaixo dos pés de milhares de peregrinos que ali chegam para assistir à missa de acolhimento presidida pelo Papa Francisco, marcada para as cinco da tarde, há um outro relvado de Lisboa com imenso espaço, mas igualmente animado.
Ao bater das 15 horas, a banda de rock La Voz del Desierto, formada em 2003 por seis padres e seminaristas da Diocese de Alcalá de Henares, em Espanha, com seis discos editados, acaba de subir ao palco, montado na Alameda Dom Afonso Henriques, quase colado à Fonte Luminosa.
Estamos na quarta edição do Festival Halleluya, organizado pela comunidade Shalom (brasileira), e que faz parte da programação da Jornada Mundial da Juventude, que acontece todos os dias até dia 4, das duas às onze da noite neste jardim lisboeta.
“Buenas tardes. Gloria a Dios”, é assim que o vocalista Dani, de calções azuis e t-shirt verde, cumprimenta os jovens resistentes, muitos deles espanhóis. E logo ajustamos o chip para esta a realidade. Embora toda a envolvente nos transporte imediatamente para um ambiente festivaleiro – os jovens, as mochilas, a música alta, as conversas gritadas ao ouvido, o palco, as luzes de cores a girar, os ecrãs gigantes – encontramo-nos no meio de católicos e é Deus que vai estar nas letras deste grupo de padres, apesar de apenas dois deles serem identificados como tal pelo colarinho branco.
“Ven, espíritu de Dios”, é o refrão que se segue. Mas a coreografia proposta, passo ao lado, palmas, mão no ar, passo ao outro, podia ser se qualquer hit profano da atualidade.
No palco, além da voz de Dani, estão um baixo, três guitarras elétricas, um teclado e uma bateria. E tocam que nem uns valentes. Na relva, entre um êxito e outro, trauteado por alguns, mas dançado por todos, assinam-se t-shirts e mostram-se bandeiras. Jolas, só uma. Abraços, imensos.
Elisabete Tristão (para os amigos é Bete) veio da Azambuja direta para aqui, não que aprecie especialmente a música dos La Voz del Desierto, mas por que prometeu à comunidade Shalom – uma comunidade religiosa brasileira que organiza estes festivais de música religiosa – que vinha à Alameda fazer-lhes uma visita. E antes de se meter a caminho para assistir à missa no Parque Eduardo VII, cá está ela e mais 32 jovens peregrinos da sua paróquia, em animada dança. Também tira selfies para a posteridade.
“Porque Cristo ha… resucitado!” Com esta frase, acompanhada de um solo de bateria, a massa desloca-se até bem junto do palco, as luzes vermelhas intensificam-se e todos vibram com o refrão, mesmo quem não entende patavina do que os espanhóis entoam. As rajadas de vento não conseguem abafar a cantilena: “Resucitó, resucitó, hey!”, palmas, “Hey!” Dani saltita, sobe uma perna, ergue as mãos ao alto, abana-as de um lado para o outro, puxando pelo público – e a t-shirt sobe-lhe até aparecer uma barriguinha indiscreta. Nunca tira os óculos escuros.
Entretanto, um grupo de peregrinos de nacionalidade belga junta-se numa coreografia ao estilo Macarena, objetivamente desajustada ao estilo de música rockeira que sai das colunas do palco. Juntam-se os que vieram da Azambuja, mas continuamos a achar que aquilo nada tem que ver com um concerto cheio de guitarradas.
“Gloria a Deus por este encontro!” Soltam-se gritinhos de êxtase, iguaizinhos aos que se ouvem noutros concertos pagãos. É assim que acabam os 45 intensos minutos de atuação. “Gracias, gracias!” Uma vénia em conjunto, seis padres abraçados, e o público continua, cá em baixo: “Sinto calor, que puedo yo?”
Nota-se pela ovação que o grupo de padres foi penalizado pelo dia e pela hora em que atuaram. Mereciam outra presença neste palco, com muito mais público a aplaudi-los – tinham garra, ou melhor, alma, para isso.
Anuncia-se que agora é altura de ir ter com o Papa, que o palco vai ficar vazio até às oito da noite, hora a que se retomarão as festividades, com uma orquestra de 60 músicos de várias nacionalidades. Agora, os ecrãs gigantes ligam-se em direto à Colina do Encontro, onde também há animação enquanto Francisco não lidera as hostes.
A barraquinha da Comunidade Shalom, a livraria, o espaço Hurry Up e da Misericórdia mantêm-se abertos, quase vazios. O missionário brasileiro Isaak Sales explica que nestas tendas se reza em conjunto, em várias línguas, nos intervalos dos espetáculos que até ao final da noite de sexta animarão a Alameda. Também há mesas e cadeiras baratas do IKEA para que os peregrinos possam confessar-se ou simplesmente conversar com os missionários da comunidade. De resto, só casas-de-banho e um sítio com venda de merchandising da JMJ.
Comes e bebes, nem vê-los. E este é o pormenor que mais rapidamente nos desliga o chip. Nitidamente não estamos nos festivais a que estamos habituados.