Em entrevista à VISÃO, a autora do livro “Fale para ser ouvido”, Carla Rocha, consultora de comunicação e locutora de rádio, explica o maior erro que se pode cometer quando se tenta passar um ponto de vista e deixa alguns conselhos às famílias para comunicarem de forma harmoniosa durante a época festiva.
O capítulo “Fale para ser ouvido” para ler aqui
O que a levou a escrever este livro?
Este livro reúne muito do que aprendi ao longo de vários anos de rádio e de investigação. Há já algum tempo que tinha esta ideia de organizar e sistematizar o que sabemos hoje sobre comunicação eficaz e que tenho tido oportunidade de pôr em prática em salas de formação, com líderes e as suas equipas, em diferentes funções e setores de atividade. O que sinto, muitas vezes, é que nos falta a tomada de consciência de como estamos a comunicar e o impacto que as nossas palavras têm nas pessoas à nossa volta, no seu bem-estar e na forma como se vão ligar (ou não) a nós. Com este livro acredito que posso dar a cada pessoa estratégias claras e práticas neste sentido, que podem aplicar quando estão à frente de uma grande audiência ou em cima de um palco, e também quando estão nas suas casas (nas conversas com os filhos, por exemplo).
Porquê este título?
Quantas vezes terminou uma conversa com um amigo, com a sua mãe ou os seus filhos, e sentiu que foi mal interpretado? Quantas vezes teve dificuldade em pôr em palavras o que sentia em relação a um projeto na sua empresa? Ou não conseguiu manifestar-se numa situação em que discordava de um colega? Somos seres sociais. Todos os dias interagimos com pessoas com perfis muito diferentes e quando olhamos em perspetiva, no final da semana, provavelmente vamos recordar um ou dois momentos em que não fomos ouvidos, ou em que não fomos sequer capazes de assumir a nossa voz. Isso cria mal-estar – em nós e, a longo prazo, nas nossas relações. Todos queremos sentir-nos escutados. Este título reflete esse desejo e esse direito que todos temos.
Como consultora de comunicação, qual considera ser o maior erro que cometemos ao tentar marcar o nosso ponto de vista?
Não estarmos de mente aberta. Estarmos mais concentrados em vincar o nosso ponto de vista do que em ouvir o ponto de vista do outro e tentar compreendê-lo. Às vezes estamos só à espera da nossa vez de falar, para atirarmos os nossos argumentos e defendermos a nossa posição. Para ganharmos a batalha. E neste processo ignoramos o que o outro nos está a transmitir. O livro chama-se “Fale para ser ouvido” e isto funciona num duplo sentido. Queremos ser ouvidos, mas os outros também querem. Quando nos dispomos a ouvir o outro, quando criamos um ambiente seguro para que o outro apresente os seus argumentos e nós os respeitamos (mesmo não estando de acordo), a conversa flui melhor, com menos tensão e menos conflitos. Às vezes até somos surpreendidos por uma perspetiva que não tínhamos considerado antes. É no equilíbrio de falar e ouvir que nasce verdadeiramente a comunicação (e o nosso crescimento pessoal).
Que tipos de comunicadores existem e como pode uma pessoa identificar qual é?
No livro divido os comunicadores em três grupos. Mas atenção que não são compartimentos estanques e já vou explicar. Temos os comunicadores agressivos, que impõem as suas ideias, ignorando as dos outros ou sobrepondo-se eles, interrompendo-os frequentemente; os comunicadores passivos, que têm dificuldade em expressar o que pensam e sentem, e que não se manifestam quando estão em desacordo para evitar conflitos; e temos os comunicadores assertivos, que defendem os seus direitos e permitem que os outros o façam também, expressando-se com base no respeito e compreensão. É importante perceber que nós não somos só um tipo de comunicador – o contexto, a audiência, o momento, tudo pode ter influência na forma como comunicamos. Mesmo a pessoa mais permissiva pode ser assertiva em situações que mexem com os seus valores mais profundos. Mas há efetivamente um estilo que sobressai, que é aquele que adotamos mais vezes e durante mais tempo nas nossas interações. Pense como age e reage mais frequentemente. Mais permissivo ou mais agressivo? Ou mais assertivo? Tendo essa consciência, a minha sugestão é que procure mais vezes a assertividade no seu dia a dia, porque lhe vai trazer um maior equilíbrio pessoal e nas suas relações. Permita-se mais vezes dar a sua opinião. Pode começar por contextos e temas menos sensíveis. Experimente dizer que não a um pedido, oferecendo de seguida uma solução. Se não lhe parece uma tarefa fácil, confirmo já que não é. Exige esforço e persistência. Aproveite cada conversa para praticar.
Que conselhos pode deixar para quem tem dificuldade em expressar-se nesta quadra festiva?
Quem tem mais dificuldade em expressar-se, em dizer o que pensa ou estabelecer limites, nesta altura consegue certamente antecipar alguns cenários que podem tornar-se desconfortáveis. O meu conselho é: prepare-se para eles. Pense como pode responder a cada situação. Se prevê, por exemplo, que podem desafiá-lo para uma atividade em que não quer participar, ensaie uma forma educada de agradecer o convite e dizer que desta vez vai passar. Se vai estar com alguém que lhe pode fazer perguntas a que não quer responder, encontre uma forma sua de dizer que não é o momento adequado e introduza outro tema. Se não quer repetir a dose de bacalhau, mas a sua tia insiste e parece que leva a mal se não comer mais, faça um elogio. Diga-lhe como estava bom, reconheça como ela se deve ter esforçado e, quem sabe, poderá comer mais tarde. Faça tudo isto usando frases curtas, sem demasiadas justificações, com um sorriso no rosto e mantenha o contacto visual, para transmitir confiança e respeito. Seja sempre gentil – é fundamental para passar de um registo mais passivo para um mais assertivo.