Estamos em 1697. “O ano do juramento de D. João como herdeiro termina com toque de Midas: pela primeira vez, chega a Lisboa uma nau carregada de ouro do Brasil”, nota o escritor Pedro Sena-Lino, autor de uma nova biografia de D. João V, em breve nas livrarias, intitulada El-Rei Eclipse (ed. Contraponto, 704 págs., €24,90). Mas a narrativa, como o título logo avisa, entrará por sombras e luzes da trepidante intimidade de um soberano que reinou durante quase meio século, oscilações permitidas pela profunda investigação que o autor fez.
Para começar, encontramos um rapaz atípico, educado e protegido pela mãe, a rainha D. Maria Sofia, antes princesa alemã, enquanto o pai, o rei D. Pedro II, se entretinha “a perseguir criadas e a fazer pegas de touros”, descreve, à VISÃO, Pedro Sena-Lino. Com sete anos, o príncipe dispensava as brincadeiras que seriam próprias da sua idade, e a sua educação não era apenas religiosa. Como atestam contemporâneos, empenhava-se nas “lições de escrever” com um padre, “veio a ter pleno conhecimento da língua latina, e da italiana, francesa e espanhola”, e um outro clérigo ensinou-lhe Matemática, disciplina que parecia ser a sua preferida. O embaixador de Luís XIV em Lisboa enviaria mesmo ao rei francês exemplos dos exercícios de caligrafia do príncipe, notando que “é tão avançado tanto de espírito e de razão como na escrita”.