Peixe ciclóstomo, por ter a boca circular e ausência de maxilar inferior, a lampreia não é propriamente um animal que encanta pela beleza. As características físicas da lampreia podem sugerir que se trata de uma espécie bem distante dos humanos, mas recentemente os cientistas descobriram que, afinal, este ser, que existe há mais de 500 milhões de anos – sim, sobreviveu a extinções e manteve-se praticamente igual ao longo do tempo -, é um primo mais próximo do que se imaginava.
Um estudo liderado pelo investigador Robb Krumlauf e publicado este mês na revista científica Nature Communications analisou a evolução dos cérebros de animais antigos e descobriu que o rombencéfalo das lampreias tem um conjunto de ferramentas moleculares e genéticas muito semelhante ao dos seres humanos.
O rombencéfalo é uma das três unidades básicas do cérebro de um vertebrado (as outras são o mesencéfalo e o prosencéfalo e o rombencéfalo). inclui a parte superior da coluna vertebral, o tronco cerebral e o cerebelo, e é responsável pelas funções vitais, como é o caso da frequência cardíaca, pressão arterial, respiração ou o sono. Esta unidade é muito antiga e foi conservada ao longo do processo de evolução das espécies com poucas alterações, o que faz com que estudá-la seja importante para entender o desenvolvimento do cérebro e de outras características físicas. “Este estudo sobre o rombencéfalo revela-se uma janela para um passado distante e serve como modelo para a compreensão da complexidade da evolução”, explica o coautor do estudo, Hugo Parker.
Tal como todos os vertebrados, a lampreia tem coluna vertebral e esqueleto, mas falta-lhe o maxilar inferior, o que faz com que o estudo seja relevante para se entender a evolução deste grupo de animais. “Houve uma divisão na origem dos vertebrados entre os sem maxilar inferior e os com maxilar inferior há cerca de 500 milhões de anos”, esclarece Alice Bedois, coautora do estudo.“Queríamos entender como evoluiu o cérebro dos vertebrados evoluiu e verificar se havia algo único nos vertebrados com maxilar que faltava nos seus parentes sem maxilar inferior”.
Os investigadores já sabiam, graças a estudos anteriores, que os genes que subdividem o cérebro da lampreia são idênticos aos dos vertebrados com maxilar inferior, como é o caso dos humanos. Agora, o novo estudo destaca que as lampreias também têm nos seus cérebros um circuito molecular semelhante ao de outros vertebrados, algo que não se acreditava estar tão desenvolvido numa espécie primitiva.
Este circuito funciona tendo como base o ácido retinol, também conhecido como vitamina A, que estimula os mecanismos necessários para a construção do rombencéfalo em espécies complexas. Os investigadores concluíram que o circuito do cérebro posterior da lampreia também é estimulado pelo ácido retinol, o que faz com que este animal se aproxime mais dos seres humanos do que era esperado.
“Pensava-se que, como as lampreias não tinham maxilar inferior, os seus cérebros posteriores não eram formados como os dos outros vertebrados”, assume Krumlauf. “Provámos que esta parte do cérebro é construída exatamente da mesma forma que o dos ratos e até mesmo dos humanos”.
“Todos derivamos de um ancestral comum”, explica Bedois. “As lampreias forneceram uma nova pista sobre o passado. Agora precisamos olhar ainda mais para trás no tempo para descobrir quando a formação do rombencéfalo evoluiu pela primeira vez.”