Chama-se Luís Miguel J. e as autoridades brasileiras apontam-no como o primeiro português a fazer parte do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior e mais perigosa organização criminosa da América Latina.
A VISÃO sabe que este português terá sido “batizado” pelo PCC – como se designa quem ingressa no grupo – em 2018, numa altura em que cumpria pena de prisão, por tentativa de homicídio, numa penitenciária em Barcelona, Espanha. Luís Miguel J. terá sido “validado” por um elemento da organização a residir em Portugal. O processo terá sido conduzido por um colega de cela do português, um cidadão brasileiro, também membro do PCC, que vivera em Las Palmas, Espanha. O brasileiro era conhecido pelas autoridades brasileiras como “Diabolim”, e cumpria pena por tráfico de drogas – terá sido, pouco depois, extraditado para o seu país-natal, mas acabaria por perder a vida na prisão, em São Paulo.
Segundo a VISÃO apurou, junto de fontes da Polícia Federal brasileira, Luís Miguel J. será o homem mencionado num artigo publicado, na semana passada, pelo Correio da Manhã, que dava conta de que um português fora “batizado” para entrar naquilo que o jornal designou por “máfia brasileira”.
Nascido e criado na Amadora, Luís Miguel J. responde pela alcunha de “Espinha”. É solteiro e trabalhou no setor da construção civil. Hoje, está livre da cadeia, mas o seu paradeiro é incerto. A VISÃO sabe ainda que a relação com a organização permanece adormecida desde 2019.
Desconhecem-se, para já, pormenores da relação entre PCC e Luís Miguel J., e qual o papel desempenhado pelo português na organização. Sabe-se, porém, que a “honra” de ser “batizado” para entrar no PCC é muito rara, mais ainda quando o candidato é estrangeiro (ou seja, não nascido no Brasil), como é o caso. O processo para ingressar nesta organização criminosa é, regra geral, longo e complexo: apenas concretizado com a bênção de um “padrinho”, e inclui uma análise rigorosa do passado, das pretensões futuras e até da preferência sexual do candidato.
A (longa) confirmação da presença do PCC em Portugal
Recorde-se que, após vários anos de suspeitas e especulações, a VISÃO confirmou, em primeira mão, a presença em Portugal do PCC, num artigo publicado na sua edição de 6 de outubro de 2022, que revelava que uma investigação do Ministério Público (MP) de São Paulo, liderada pelo procurador Lincoln Gakiya, concluíra que, pelo menos, 42 membros desta organização criminosa tinham residência fixa no País no final de 2021 – seria a primeira confirmação, junto de fonte oficial, da presença deste grupo em Portugal.
Em dezembro de 2022, a Polícia Federal brasileira reforçou os alertas formais, comunicando à PJ e ao Ministério Público português a presença do PCC em Portugal, num encontro, realizado à distância – por via telemática –, que reuniu numa sala da sede da PJ, em Lisboa, os principais nomes ligados ao combate ao narcotráfico internacional no Brasil e em Portugal. Acredita-se, aliás, que o PCC controla atualmente a rota de cocaína sul-americana (produzida na Colômbia, Peru e Bolívia) que passa por estes dois países.
No mês seguinte, já em janeiro deste ano, a PJ admitiria internamente a presença do PCC em Portugal, depois de uma fonte daquela polícia confirmar, à VISÃO, que quatro indivíduos, com residência fixa no País, eram suspeitos de manterem ligações à organização criminosa. Destes quatro elementos, três encontram-se detidos na prisão de Monsanto: Dilermando Lisboa Mello, conhecido como D. Lisboa, que liderava uma rede que importava polpa de fruta congelada do Brasil para a Europa, foi detido em abril de 2020; Flávio Oliveira, que terá tentado montar em Portugal a maior célula do PCC na Europa, foi preso em novembro de 2022. Há ainda um terceiro homem detido, mas a PJ mantém a sua identidade em segredo.
O 4.º nome desta lista, apurou a VISÃO, seria o do luso-brasileiro Leonardo Serro dos Santos, que chegou a ser apontado como líder do PCC em Portugal, e que seria detido pela Interpol no Médio Oriente, em novembro de 2022. Leonardo Serro dos Santos seria libertado apenas 45 dias depois, uma vez que as autoridades brasileiras não fizeram chegar, dentro do prazo legal, nenhum pedido de extradição formal em nome do suspeito. Os seus representantes negariam estas ligações.
A VISÃO revelaria, meses depois, aquela que seria a verdadeira história deste luso-português, a partir de uma investigação da Polícia Federal brasileira, que desvendaria que, afinal, este homem trabalhava para outra organização brasileira: o rival Comando Vermelho (CV) – grupo que entraria também no radar das autoridades portuguesas. As dúvidas, porém, persistem. E Leonardo Serro dos Santos permanece em liberdade.
Investigação no Consulado português no Rio
Mais recentemente, o nome de Leonardo Serro dos Santos surgiu, novamente, envolvido no âmbito da investigação da Polícia Judiciária (PJ) à possível infiltração das duas maiores organizações criminosas brasileiras – PCC e CV – no Consulado português no Rio de Janeiro, contada pelo Diário de Notícias. A lista suspeita terá perto de meia centena de nomes, o que vai ao encontro do número de membros do PCC em Portugal, anunciado pela VISÃO, em outubro de 2022.
O site de notícias UOL divulgou, no passado sábado, que serão “oito integrantes brasileiros do PCC [que] conseguiram tirar passaporte com nacionalidade portuguesa de maneira ilegal no Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, utilizando nomes falsos ou de mortos”. Leonardo Serro dos Santos é suspeito de ser um destes nomes, sabe a VISÃO.
A PJ – com a colaboração da Polícia Federal brasileira –, já realizou buscas no Brasil, nos dias 7 e 27 de novembro. A investigação, entretanto, prossegue.
PCC: “O grande problema” (do Brasil) atravessou fronteiras
O PCC foi criado dentro das prisões brasileiras, na sequência do episódio que ficaria conhecido como o Massacre do Carandiru. Apontado como líder da organização criminosa, “Marcola” continua a negar essa coroa – a pena a que foi condenado só termina em novembro de 2318.
Fundado no dia 31 de agosto de 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) começou por ser uma resposta ao episódio que ficaria conhecido como Massacre do Carandiru. Dez meses antes, no dia 2 de outubro de 1992, uma rebelião no interior da Casa de Detenção de São Paulo (chamada de Carandiru), sobrelotada com mais de sete mil pessoas, seria brutalmente reprimida pela Polícia Militar, que executou 111 detidos.
Na sequência do massacre, os presos organizaram-se num “sindicato”, a que deram o nome de PCC, com o objetivo de lutarem por melhores condições de vida nas prisões brasileiras, e reivindicarem mais e melhores direitos. Gradualmente, porém, o grupo foi corrompendo os planos originais.
O grupo sairia das prisões para as ruas, começando por se dedicar a assaltos e sequestros apenas no estado de São Paulo, até que o negócio do tráfico internacional de drogas permitiu à organização dar o “salto”. Atuando com grande violência contra os opositores – está ligado ao assassinato de políticos, polícias, magistrados, entre outros –, o PCC ultrapassou as fronteiras do estado e depois do país.
Com (apenas) 40 mil membros “batizados”, o PCC conta ainda com uma rede que envolve pessoas em países da América do Sul, África e Europa e ainda nos Estados Unidos – e é descrito pelas autoridades brasileiras como “o grande problema”. Portugal, ao que parece, entrou para a lista.
Embora continue a negar esse papel, Marcos Willians Herbas Camacho (na foto), conhecido por “Marcola” – alcunha que lhe foi atribuída ainda na infância, por ter o hábito de “cheirar cola” como droga alucinogénia, na Praça da Sé, em São Paulo – é apontado como o líder histórico do PCC.
Preso pela última vez em 1999, “Marcola” seria transferido – com mais de 700 presos do PCC –, em 2006, para uma prisão de segurança máxima, por, alegadamente, continuar a controlar o crime atrás das grades. Na sequência desta decisão, acredita-se que o líder tenha ordenado um conjunto de atentados contra forças de segurança e alvos civis. Os ataques começaram no dia 12 de maio de 2006, e, durante dez dias seguintes, todo o estado de São Paulo viveu a “ferro e fogo”, dentro e fora das prisões. No final, o balanço oficial fixar-se-ia em 564 mortos e 110 feridos.
Esta onda de violência ficaria eternizada como “Crimes de Maio”, e despertou o Brasil e o mundo para os perigos associados a este grupo, que já tinha conquistado o título de mais poderosa e perigosa organização criminosa da América Latina.
“Marcola”, hoje com 55 anos, cumpre uma pena de prisão de 342 anos (sairia a 1 de novembro de 2318), na Penitenciária Federal de Porto Velho, no estado de Rondônia, a mais de três mil quilómetros de São Paulo. Não tem direito a receber visitas ou a contactar com o exterior.
Hoje, o PCC – que, desde dezembro de 2021, está incluído na lista de organizações passíveis de sofrerem sanções pelos Estados Unidos da América – é conhecido, sobretudo, por controlar o tráfico internacional de cocaína sul-americana (produzida na Colômbia, Peru e Bolívia), através do Brasil, que tem como destino os mercados da América do Norte, Europa e Ásia.