É uma nova suspeita no rol de indícios de crimes recolhidos pelo Ministério Público no processo publicamente conhecido como o caso do lítio, hidrogénio e centro de dados. De acordo com os procuradores João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas, em janeiro de 2022, o então ministro do Ambiente, José Matos Fernandes, só convocou a Comissão Permanente da Seca para interditar a produção de eletricidade em algumas barragens uns dias após as legislativas de 30 de janeiro, quando já estava alertado para o problema desde meados desse mês.
Segundo o despacho do MP que ordenou algumas buscas, realizadas esta terça-feira, “indicia-se que o então ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, só convocou a Comissão Permanente da Seca, com vista à interdição da produção de hidreletricidade nas barragens do Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rapagão, Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode e a cessação da utilização de água para rega, na albufeira de Bravura, no dia 1 de fevereiro de 2022, ou seja, dois dias a seguir às eleições legislativas, e não antes, como era sua obrigação, de modo a não prejudicar o resultado eleitoral do Partido Socialista nessas mesmas eleições”.
Referem os procuradores que o ex-governante “desde pelo menos o dia 17 de janeiro, já tinha sido alertado para o agravamento da seca no País”. Para isso, Matos Fernandes terá contado com “a colaboração de Rodrigo Costa e João Conceição”, presidente e administrador da REN, respetivamente, e José Pimenta Machado da Agência Portuguesa do Ambiente.
Matos Fernandes, que também foi um alvos das buscas, é ainda suspeito de fazer aprovar legislação que fosse ao encontro de algumas empresas ligadas ao negócio do tratamento de resíduos, “sendo que após a sua saída do governo foi contratado pela Abreu Advogados, a qual assessorava diversas empresas”, assim como a Associação das Empresas de Gestão de Resíduos.
Nos autos de busca, a que a VISÃO teve acesso, é também referido que João Galamba terá usado dois motoristas que prestaram serviço no seu gabinete enquanto secretário de Estado da Energia e Ambiente para que realizassem deslocações apenas para seu “beneficio pessoal”.
Segundo o Ministério Público (MP), o ministro “tem vindo a interferir em praticamente todas as matérias objeto de investigação”, desde os factos relacionados com a mina do Romano até ao projeto de data centre da Start Camps, um projeto avaliado em 500 milhões de euros, mas “perspetivando-se” que rapidamente ascenda aos 2 mil milhões de euros.
O MP indica que João Galamba é também “suspeito de ter ajudado a convencer a autarquia de Boticas a não se opor à exploração do lítio, financiando a autarquia com uma estrada no valor de 20 milhões de euros, acordo que terá tido a colaboração do presidente da APA”.
O primeiro-ministro, António Costa, pediu na terça-feira a sua demissão ao Presidente da República, que a aceitou, após o Ministério Público revelar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio.
Esta decisão surge na sequência de uma operação sobre negócios do lítio e do hidrogénio verde, coordenada pelo DCIAP e que contou o apoio da Polícia de Segurança Pública (PSP) e Autoridade Tributária (AT).
No âmbito desta operação foram detidos o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, o advogado Lacerda Machado, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas e os dois administradores da sociedade Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.
O MP constituiu ainda como arguidos o ministro João Galamba e o presidente do Conselho Diretivo da APA, Nuno Lacasta.
Em causa, segundo a Procuradoria-Geral da Republica (PGR) estão crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.