O chamado “nevoeiro cerebral” (brain fog, em inglês), um dos sintomas associados à Covid longa, é comparável a um envelhecimento de 10 anos, sugerem investigadores do King’s College de Londres, no Reino Unido, num estudo agora publicado. Ao analisarem o impacto da infeção pelo coronavírus SARS-CoV-2 na memória, descobriram que o défice cognitivo era mais elevado nas pessoas que tinham testado positivo e apresentavam mais de três meses de sintomas.
O mesmo estudo, que pode ser consultado na revista científica The Lancet, também descobriu que este “nevoeiro mental” se estendia por quase dois anos. “É um facto que, dois anos após a primeira infeção, algumas pessoas ainda não se sentem totalmente recuperadas, e que as suas vidas continuam a ser afetadas pelos efeitos a longo prazo do coronavírus”, disse Claire Steves, professora de Envelhecimento e Saúde no King’s College, na apresentação do estudo. “Agora, precisamos de mais trabalho para compreender por que razão isso acontece e o que pode ser feito para as ajudar.”
Foram milhões as pessoas, em todo o mundo, a auto-relatarem Covid longa (quando os sintomas persistem por mais de quatro semanas após a infeção inicial), queixando-se de dificuldade de concentração, falta de ar e dores musculares. Como ela pode afetar até 30% dos pacientes, começou a ser estudada desde cedo pela comunidade científica.
Este estudo acompanhou mais de 5 100 participantes do Covid Symptom Study Biobank, recrutados através de uma aplicação de smartphone. Através de tarefas cognitivas para medir a velocidade e a precisão, os investigadores analisaram a sua memória de trabalho, a atenção, o raciocínio e os controlos motores., em dois diferentes períodos de tempo, entre 2021 e 2022.
Na primeira ronda do estudo, mais de 3 300 pessoas completaram o teste, durante os meses de julho e agosto de 2021. A segunda ronda foi completada em abril e em junho de 2022, por 2 400 pessoas, das quais 1 700 tinham também participado na primeira ronda.
Na primeira, os investigadores encontraram pontuações cognitivas mais baixas nos participantes que tinham sido infetados pelo SARS-CoV-2, com os maiores défices observados naqueles que levavam mais de 12 semanas de sintomas. Défices esses comparáveis ao efeito de “um aumento de idade de cerca de 10 anos, ou de sintomas ligeiros ou moderados de sofrimento psicológico”, lê-se no estudo.
Na segunda, que aconteceu nove meses depois da primeira, os investigadores não encontraram melhorias significativas no grupo de 1 700 participantes que voltaram a realizar testes cognitivos.
A única “boa notícia” que o estudo traz, sublinhou o seu autor principal, Nathan Cheetham, é o facto de não ter sido encontrado nenhum comprometimento cognitivo no caso das pessoas que relataram uma recuperação total do coronavírus, mesmo entre aquelas que tiveram sintomas durante mais de três meses.
“Quando analisámos a forma como as pessoas se sentiam em relação à sua recuperação da Covid-19, verificámos que aquelas que já não apresentavam sintomas e se sentiam ‘de volta ao normal’ não se saíram pior nos testes do que as que não tinham tido Covid-19. Isto verificou-se mesmo nas pessoas que tinham tido mais de três meses de sintomas, o que é uma boa notícia. Mas é importante notar que apenas uma em cada seis pessoas que tiveram sintomas persistentes se sentiu totalmente recuperada”, escreveu o mesmo investigador no The Conversation.
“As pessoas que tinham tido Covid, incluindo as que tinham tido mais de três meses de sintomas, não eram mais lentas do que as pessoas sem infeção. Este é outro aspeto positivo, uma vez que tempos de reação mais lentos podem ser um sinal de uma deficiência cognitiva mais grave”, sublinhou no mesmo artigo.
“Este estudo mostra a necessidade de monitorizar as pessoas cuja função cerebral é mais afetada pela Covid-19, para ver como os seus sintomas cognitivos continuam a evoluir e dar-lhes apoio para a sua recuperação”, disse Nathan Cheetham à agência PA news.
Algumas das tarefas realizadas pelos participantes no estudo envolviam recordar palavras e formas após um intervalo curto de menos de um minuto, ou um intervalo mais longo de cerca de 20 minutos. Outras incluíam observar sequências de números que apareciam no ecrã e depois repeti-las, clicar num alvo em movimento e decidir se pares de palavras têm o mesmo significado.
Versões semelhantes do teste estão disponíveis para qualquer pessoa experimentar online, aqui (em inglês).