É com várias críticas ao comportamento do empresário Armando Pereira, um dos detidos na Operação Picoas, que o juiz Carlos Alexandre lhe decidiu aplicar a prisão domiciliária e a proibição de contactos com os demais arguidos do processo e com “todos os cidadãos e empresas” relacionados com a investigação. O magistrado refere, no despacho que aplicou as medidas de coação, a que a VISÃO teve acesso, que foi com “perplexidade” que ouviu o cofundador da Altice se referir a Hernâni Vaz Antunes como apenas um conhecido de negócios, sendo que esta posição foi “exuberantemente desmentida” pelas escutas telefónicas, nas quais Armando se refere a Hernâni como “mais do que um irmão”.
A posição assumida por Armando Pereira – indiciado por crimes de corrupção no setor privado e branqueamento de capitais – no interrogatório também levou o procurador Rosário Teixeira, nas suas alegações, a fazer uma comparação com a “cena bíblica”, na qual Pedro negou “por três vezes” Jesus Cristo, afirmando que o empresário também o fez “em relação com aqueles que lhe são próximos”. Fê-lo com “Hernâni Antunes, remetendo-o apenas para um conhecimento comercial, para depois cair no ridículo de o ouvirmos a considerar como se fosse um irmão, quando lhe perguntaram se podiam confiar no mesmo”, descreve o procurador.
Em segundo lugar, continua Rosário Teixeira, Armando Pereira negou ainda uma relação “com o próprio genro”, Yossi Benchrit, recentemente suspenso de funções na Altice/USA, “com quem diz estar apenas duas ou três vezes por ano”, quando o próprio Hernâni Vaz Antunes afirmou que Yossi era “recebedor direto de várias dezenas de milhões de euros em pagamentos indevidos relacionados com a atribuição de negócios com viciação das regras”.
Por fim, Armando Pereira também negou a existência de relacionamento com David Benchrit, pai de Yossi, “tentando passar a imagem de o mesmo ser um personagem néscio e distante”, escreveu o procurador. Algo que o juiz não considerou credível: “O pai de Yossi não é um analfabeto funcional, um ‘parvenu’, é um médico nutricionista com clínicas, mas que gosta de ter e fazer chegar milhões a outras esferas”.
Perante o pouco credível, segundo ambos os magistrados, depoimento prestado por Armando Pereira, a medida de coação aplicada acabou por ser a prisão domiciliária. “O sr. Pereira colocou Hernâni Antunes no centro do coração dos negócios da Altice em múltiplas oportunidades, como o próprio Hernâni o reconhece, sendo por isso evidentes os perigos, não só de se liberalizarem os contactos de tos estes senhores entre si, como também de se lhes permitir uma liberdade ambulatória, que lhes permita exatamente forjar explicações ou, no limite, eximirem-se à ação da Justiça”, concluiu Carlos Alexandre, acrescentando que Armando Pereira tem casas e contas bancárias “em várias geografias” e, uma vez em liberdade, poderia continuar a atividade criminosa.
O tom do juiz e do procurador muda quando analisam o caso de Hernâni Vaz Antunes, suspeito de fraude fiscal, corrupção no setor privado e branqueamento de capitais. Admitindo que o facto deste empresário ter desaparecido nos primeiros dias da operação e só se apresentando às autoridades na noite de 14 de julho poderia ter implicações, ambos os magistrados reconhecem que o seu comportamento durante o interrogatório foi de total colaboração.
“A confissão de ser o real beneficiário final das participações sociais das sociedades elencadas na imputação é, para o arguido, a rendição ao acervo de prova apresentado”, sublinhou o procurador. Por sua vez, o juiz reconheceu, Rui Patrício, advogado de Hernâni Vaz Antunes, alegou que o empresário “colaborou ao longo de três dias, esclarecendo a sua participação pela forma que entendeu ser a mais adequada”, sublinhando as declarações por si prestadas a propósito da “repartição dos ganhos da comissão pelos direitos televisivos” do FC Porto. Daí ter aplicado as mesmas medidas de coação a Hernâni Vaz Antunes que a Armando Pereira e não a prisão preventiva, como defendia o Ministério Público.
Quantos aos restantes arguidos detidos, Carlos Alexandre deixou muitos reparos a Jéssica Antunes, filha de Hernâni, dizendo que a “que a visão angelical e um pouco displicente que nos foi apresentada não corresponde à verdadeira personalidade de Jéssica Antunes”. Para rematar: “Não se pode comungar nos ganhos e no trem de vida, sem se comungar também nas responsabilidades”. Esta arguida ficou sujeita a apresentações bi-semanais numa esquadra da PSP, proibição de se ausentar do território nacional, com apreensão do passaporte, prestação de caução de 500 mil euros e proibição de contactos com os co-arguidos e de gestão de empresas suspeitas no processo
Quanto a Gil Loureiro, economista, percebe-se que um pausa durante o seu interrogatório para conversar com o seu advogado acabou por o beneficiar: “A postura contrita que assumiu no início esbarra, ao fim de algumas horas e após conferência com o seu advogado, com a assunção de que, afinal, o que tem é uma mera expectativa de que o sr. Hernâni o contemple e tudo o que detém é em nome dele”. Este arguido contou que há umas semanas Hernâni Vaz Antunes tinha sido alertado para uma inspecção das Finanças de Braga, o que o levou a “limpar” alguns escritórios. Em interrogatório, revelou onde se encontravam os documentos anteriormente escondidos. À semelhança de Jéssica Antunes, também ficou obrigados a apresentações bi-semanais na PSP, proibição de se ausentar do território português (com apreensão do passaporte), pagamento de 250 mil euros de caução e proibição de contactos com arguidos e de gestão de empresas sob suspeita no processo.