O momento não foi o mais feliz. No dia em que a revista Wallpaper partilhou as imagens de Céleste, a novíssima cápsula de luxo em que a empresa francesa de viagens espaciais Zephalto vai organizar voos turísticos na estratosfera, a guarda costeira dos Estados Unidos anunciou que tinham sido encontrados destroços do Titan.
As imagens da cápsula desenhada por Joseph Dirand, um arquiteto de interiores parisiense conhecido pelo seu estilo de design minimalista, são lindas. Mas quem é que por aqueles dias queria ouvir falar de viagens-limite protagonizadas por gente com muito dinheiro? [Sendo que, por macabra coincidência, naquela semana morreram centenas de migrantes ao largo da Grécia.]
Pouco depois, o mundo ficava a saber que o submersível da empresa americana OceanGate, que se dirigia ao local onde o Titanic naufragou há mais de cem anos, teria sofrido uma “implosão catastrófica” que matou os seus cinco passageiros.
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O que se passa na cabeça destes multimilionários?, perguntou-se. Sonhavam ter sido grandes exploradores e aventureiros? Será que possuir uns bons milhares lhes concede uma falsa sensação de imortalidade?
É verdade que já esteve mais gente no Espaço do que no fundo do mar. E que, por isso, a Humanidade tem mais experiência a “ir ao infinito e mais além” do que a chegar às profundezas dos oceanos. Ainda assim, a apresentação de Céleste acabou por passar naturalmente despercebida.
Uma apresentação que andava a ser preparada já há algum tempo, escreva-se.
Quando, há um ano, surgiram notícias de que iam começar em breve voos turísticos na estratosfera, a bordo de um balão, cheio de hélio ou de hidrogénio, houve algum ceticismo. Se o tempo passa mais devagar no Espaço, aquele “em breve” seria mesmo sinónimo de “em 2024”, como se escreveu então?
O facto de o projeto ter o apoio da agência espacial francesa (o CNES, Centre national d’études dpatiales), da União Europeia e da região da Occitânia, oferecia-lhe segurança. Sobretudo quando se sabe que os balões capazes de atingir a estratosfera têm sido utilizados por cientistas e investigadores meteorológicos desde a década de 1930. E que o CNES envia balões há mais de 60 anos. A novidade era a vertente turística tripulada.
“A partir de 2024”, escrevia-se, “tripulações de seis turistas e dois pilotos tomarão lugar numa cápsula pressurizada [gravidade semelhante à da Terra] que se elevará a uma altitude de 25 km.” A 120 mil euros por pessoa, por um voo de ida e volta de cinco a seis horas.
“Fiz uma parceria com a agência espacial francesa e trabalhámos juntos no conceito do balão”, dizia à Bloomberg o engenheiro aeroespacial Vincent Farret d’Astiès, que fundou a Zephalto em 2016.
Desde o início, o plano era fazer 60 viagens por ano, 360 passageiros no total que iriam ter uma “experiência completa”, contava, com o melhor da hospitalidade francesa, a uma altitude cerca de três vezes superior à de um avião comercial.
“Escolhemos 25 quilómetros de altura porque é a altitude a que se está na escuridão do Espaço, com 98% da atmosfera por baixo, para que se possa apreciar a curvatura da Terra na linha azul. Estamos na escuridão do Espaço, mas sem a experiência da gravidade zero”, explicava o engenheiro aeroespacial.
A Zephalto não conseguiu atingir essa altitude em nenhum dos três voos de teste realizados com pilotos a bordo. O seu fundador acredita que esse objetivo será atingido num voo que está programado para o final deste ano. Uma vez os testes aprovados, o balão terá a certificação da EASA (Agência Europeia para a Segurança da Aviação) como avião comercial.
“Viajar para as estrelas, sem poluir, em harmonia com os elementos” é um sonho antigo de Vincent Farret d’Astiès, lê-se no site da Zephalto. O seu tetravô fugiu de Paris num balão em 1870, durante a guerra franco-prussiana, e ele quer aproximar-se um pouco mais das estrelas.
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Nos artigos publicados entre abril e maio já se desvendava que era Joseph Dirand quem estava a desenhar a cápsula. E que a escolha recaíra nele por causa do seu estilo minimalista, para não distrair os passageiros do mais importante: a vista para a Terra.
Também se avançava que a experiência a bordo vai ser adaptada às preferências individuais dos clientes, nomeadamente à mesa, prometendo-se chefes com estrelas Michelin. E que, embora o desejo do fundador da Zephalto seja que os passageiros saboreiem o momento, haverá wi-fi para que possam mostrar o que estão a viver aos amigos e familiares que deixaram na Terra.
A acompanhar os artigos, surgiam imagens do balão, anunciado como sendo do tamanho do Sacré-Coeur, em Paris. Agora que a Zephalto partilhou várias imagens da cápsula Céleste, tanto vista de fora como por dentro, é difícil não ficar com inveja dos felizardos que um vão poder viajar para lá da camada da atmosfera e almoçar num céu escuro e cheio de estrelas.
Antes do voo, existe a possibilidade de falar com um psicólogo, um serviço que está incluído no preço. “É necessária uma preparação psicológica. Sabemos, através das 600 pessoas que subiram acima desta altitude, que ver a Terra na escuridão é uma experiência que pode ser emocional”, terminava Vincent Farret d’Astiès. A perspetiva de ver a curvatura da Terra a partir do Espaço pode ter um efeito poderoso.
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Não existe ainda uma data exata, mas já se sabe que o voo inaugural está previsto para finais de 2024.
No site da Zephalto, a experiência é descrita como “uma odisseia espacial sustentável”, uma viagem carbono zero. “Com o seu domínio das tendências do vento e dos elementos térmicos, os nossos pilotos conduzi-lo-ão suavemente até aos confins do Espaço.”
A subida é feita a uma velocidade de 4 metros por segundo e demora uma hora e meia, até a cápsula atingir os 25 km de altitude. Lá em cima, a ideia é ficar a admirar a curvatura da Terra, a sua auréola azul e as estrelas. O regresso à Terra também é lento o suficiente para se apreciar a paisagem. E, ao longo das cerca de seis horas de viagem, os passageiros são acompanhados por especialistas que vão ajudando a compreender o que se está a sobrevoar.
Enquanto o Titan era um cilindro exíguo e desconfortável, com uma “janela” diminuta, a Céleste foi pensada para ser todo o seu contrário.
“Para que este sonho se tornasse realizável, precisávamos de um casulo seguro. Um objeto cujo único objetivo é acompanhar estas pessoas nesta experiência única [de viajar até às estrelas]”, diz Vincent Farret d’Astiès.
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A Céleste caracteriza-se pela sua simplicidade formal e pelo seu design “tão aberto como um olho no mundo”. Tem, por isso, espaços panorâmicos individuais para que os passageiros possam contemplar a paisagem com toda a privacidade.
Vista de fora, a cápsula é um objeto escultural. “A sua estrutura em carbono garante-lhe resistência para atravessar as nuvens, a auréola azulada da atmosfera e o negrume do Espaço”, descreve-se no site da Zephalto. “E as suas três grandes janelas, cada uma com três metros de largura, encaixam harmoniosamente na superfície prateada da cápsula.”
É revestida a prata refletora, de modo a poder misturar-se com o ambiente durante o voo. “Este acabamento prateado permite que reflita estes dois universos em direção aos quais nos encontraremos de uma forma um pouco intermédia”, explicou Joseph Dirand à Wallpaper. “Entre estes dois universos, o universo terrestre e o universo celeste.”
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No seu interior, domina o bege. Tem três camarotes individuais, com iluminação e mobiliário regulável, concebidos como casulos íntimos para duas pessoas. “Sentar-se ou reclinar-se nos sofás espaçosos, conversar durante uma bebida ou partilhar uma refeição com o seu companheiro… O design de interiores da Céleste adapta-se a todas as suas necessidades para tornar esta experiência residencial exclusiva e personalizada”, descreve-se no site.
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O espaço é insonorizado – cada passageiro escolhe o silêncio do Espaço ou a música que quer ouvir. E luxuoso, nos materiais e nos detalhes. Na equipa, há inclusive um consultor de luxo. “Estamos a oferecer uma recordação para a vida, que será partilhada num ambiente íntimo e luxuoso”, sublinhou o arquiteto, no mesmo artigo.
As condições de habitabilidade são muito semelhantes às de um avião comercial, daí não ser necessário nenhum treino, apenas uma preparação prévia de dois dias. Esse é, aliás, um dos atrativos nestas viagens – para as quais a Zephalto já está a aceitar pré-reservas (10 mil euros, dedutíveis no valor final).
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“Estou muito contente por ter construído a ponte entre o meu sonho de viajar no Espaço e a realidade”, disse Vincent Farret d’Astiès à Wallpaper. “Aqueles que partilham o meu desejo de viajar em harmonia com os elementos, podem finalmente fazê-lo a bordo da Céleste. A nossa equipa de especialistas tem trabalhado arduamente para criar uma nave de que os irmãos Montgolfier se orgulhariam. Após sete anos de trabalho sobre a abordagem, a conceção e as soluções técnicas, o conceito é agora palpável e oferecerá uma experiência extraordinariamente imersiva que encenará a nossa Terra e o nosso Espaço.”