“Plantar, podemos então dizer, não é uma escolha: é uma solicitação inexcusável da própria vida, que disso depende. E é sempre assim. Mesmo quando plantar se parece com um hobby sem especial finalidade; mesmo quando se configura como um fazer pontual, um desses muitos a que recorremos para nos distrairmos de outros. Mesmo aí, o verbo ‘plantar’ é um modo de aprofundar e refazer a aliança com a vida.” As palavras são de José Tolentino Mendonça, poeta, sacerdote e professor. Sugerem o caráter primordial do cultivo, de comunhão com a Natureza e da natureza, humana, de cada um. E há uma doçura na voz de Lúcio Tavares: “Adoro isto. É como cuidar de um filho, com amor. É como se trata a Natureza. Sinto-me feliz no meio destas plantas.” Lúcio tem 59 anos – está preso há 16 – e é um dos 42 reclusos do Estabelecimento Prisional de Torres Novas. Durante o dia, sai para trabalhar nos serviços municipais. “Faço de tudo”, diz, sem especificar. “Mas não me esqueço disto. Guardo sempre um tempo, da parte da tarde, para vir cuidar das minhas meninas.” As “meninas” são os produtos hortícolas – acelgas, alfaces, couves, coentros, rúcula, manjericão, espinafres – que, desde o início de junho, crescem dentro das paredes pouco muradas deste estabelecimento prisional. Uma horta vertical – ocupa uma área pouco maior do que uma pista de bowling – construída a partir de 40 torres modulares que utilizam uma técnica de cultivo aeropónico, em que as plantas são nutridas com uma solução de água e nutrientes aplicada diretamente nas raízes suspensas no ar. “Nunca me passou pela cabeça que uma planta, sem a terra, também poderia crescer.” A iniciativa foi desenvolvida e implementada pela Upfarming, uma organização não governamental que se dedica a projetos de agricultura urbana, e tem capacidade para produzir, em média, 200 kg de verduras por mês. Mas, para a cofundadora da organização, Margarida Villas-Boas, o objetivo não se esgota no produto. A horta é, antes, um veículo para outras dinâmicas.
“Ontem, ao final do dia, estavam aqui cerca de 20 reclusos. Isto tornou-se um local agregador da comunidade”, conta. Na verdade, este foi sempre um projeto com várias camadas, a começar pela capacitação da comunidade reclusa através de formação em agricultura sustentável. A formação é certificada pelo Centro Protocolar da Justiça e inclui ainda três módulos, ministrados pela Upfarming, em compostagem, permacultura e hortas verticais. Lúcio Tavares já está certificado. Este foi o quarto curso que frequentou desde que chegou, há cinco meses, a Torres Novas. Antes disso, inglês, informática e literatura. Académica e profissional, a formação não é prática exclusiva deste estabelecimento prisional. No final de 2021 – ano do mais recente relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) –, mais de 5 200 reclusos frequentavam, ou haviam concluído nesse ano, formação escolar e mais de 2 400 tinham acesso a formação profissional; ou seja, 66% do total da população reclusa. Isto num País onde 7,4% dos reclusos não sabem ler nem escrever e 47,8% não têm mais do que o 6º ano de escolaridade. A maioria frequentava, por isso, o ensino básico, seguido do ensino secundário e unidades de formação de curta duração.
Os cabazes solidários da prisão de Torres Novas deverão ser entregues a 100 famílias carenciadas, todos os meses