Terá a Assembleia da República capacidade para furar o nebuloso regime do Segredo de Estado? Esta a pergunta à qual os deputados procurarão uma resposta, nas próximas semanas, quando for discutida a proposta da Iniciativa Liberal para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à atuação do Serviço de Informações e Segurança (SIS) no caso de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, João Galamba.
As audições ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República (SIRP), à secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes, e ao diretor do SIS, Adélio Neiva da Cruz, deixaram os deputados com muitas dúvidas sobre a cadeia de acontecimentos que levou à atuação do serviços de informações na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, na noite de 26 de abril.
“Estão afinados nuns pontos e são contraditórios noutros”, disse à VISÃO um deputado que ouviu todos os depoimentos na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias. Por um lado, ficais e dirigentes das secretas garantiram que só houve envolvimento dos serviços, porque não havia qualquer indício de crime, ao contrário do que o ministro João Galamba e o primeiro-ministro, António Costa, tinham referido, falando ambos em furto ou roubo.
A necessidade das três entidades de sublinhar a (eventual) ausência de um crime prende-se com a lei, que impede os espiões de praticarem “atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais”.
O CFSIRP, o diretor do SIS e a secretária-geral também estiveram sintonizados num ponto: foi o SIS a tomar a decisão de accionar os próprios meios e não Graça Mira Gomes, como chegou a ser noticiado. Sendo certo que, até o alerta chegar ao serviço, houve uma série de contactos entre Eugénia Cabaço, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, a secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros, e um diretor-adjunto do SIS que, após ter a aprovação de Neiva da Cruz, deu início à operação.
Aos deputados, Adélio Neiva da Cruz afirmou ter tido conhecimento de que estava em causa informação classificada, mas sem saber que informação era essa e qual o grau de confidencialidade, porque tomou como credível a palavra da chefe de gabinete do Ministério das Infraestruturas. Ao mesmo tempo que os operacionais do SIS estavam no terreno, João Galamba terá, então, contactado o diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, dando-lhe conta do (alegado) furto do computador, porém, não terá referido que o SIS tinha sido alertado.
Quando uma equipa de inspetores da Polícia Judiciária, chegou à casa de Frederico Pinheiro para recuperar o computador, o ex-adjunto disse que o mesmo já tinha sido levado pelo SIS. Aos deputados, CFSIRP e dirigentes referiram que esta operação não se tratou de um ato policial, uma vez que a entrega foi voluntária e na via pública, tal como, aliás, a VISÃO, descreveu pormenorizadamente.
“A questão agora é apurar a legalidade da atuação do SIS”, referiu à VISÃO um deputado socialista, que solicitou o anonimato. Isto mesmo é referido no pedido da Iniciativa Liberal de constituição de uma CPI à atuação das secretas: “No atual contexto de instabilidade governativa, é essencial garantir que a atuação do SIS se pauta pelo estrito cumprimento da legalidade. O SIS não poderá ser instrumentalizado pelo Governo para seu proveito próprio, em atropelo à lei e aos direitos fundamentais dos cidadãos”.
Por agora, só o PSD se pronunciou sobre uma eventual comissão de inquérito às secretas. “Eu diria que não afastamos, não excluímos a possibilidade de haver uma comissão parlamentar de inquérito específica para esse assunto, mas creio que, nesta altura, o que é importante realçar é que as audições no parlamento se façam com a máxima urgência e se possam tirar já conclusões, mesmo que sejam preliminares, sobre esse assunto”, afirmou Luís Montenegro, esta semana, em Leiria. Porém, dificilmente, segundo fontes parlamentares, os sociais democratas votação favoravelmente a constituição da comissão, até porque um dos membros do CFSIRP, Joaquim Ponte, foi indicado pelo partido.
Porém, qualquer tentativa parlamentar em entrar no apertado regime do Segredo de Estado esbarrará no primeiro-ministro. Só António Costa tem o poder de o levantar ou não. Legalmente, nem os tribunais têm poder – como acontece para os sigilos bancários, fiscal, médico, etc – para quebrar a barreira do silêncio e da opacidade dos serviços de informações. A última tentativa de investigação às secretas surgiu na sequência do chamado “caso Ongoing”. Em tribunal, alguns depoimentos mencionaram a existência de aparelhos de escutas nas instalações dos SIS e SIED (Serviço de Informações Estratégicas e Defesa). Quando o Ministério Público pediu ao primeiro-ministro o levantamento do Segredo de Estado para ouvir alguns espiões, António Costa recusou, classificando até o seu despacho como “Segredo de Estado”, o que impediu um procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal até de transcrever os argumentos do primeiro-ministro na decisão de arquivamento.
Montenegro quer mais explicações
Esta sexta-feira, o líder do PSD exigiu explicações ao primeiro-ministro sobre aquilo que considerou serem contradições para justificar a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) na recuperação do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas. “A contradição mais notória que eu encontrei foi aquela que, por um lado, tem a versão do primeiro-ministro, que formalmente disse ao país que tinha havido uma diligência dos serviços de informação que tinha como, digamos, impulso um roubo que tinha sido comunicado aos serviços”, disse Luís Montenegro, durante uma visita ao pinhal de Leiria.
Segundo o presidente do PSD, “quer o conselho de fiscalização quer os responsáveis pelos serviços dizem que não foi nessa ótica que intervieram, porque não identificaram essa ocorrência criminal como o detonador para a sua entrada em cena”. Montenegro considerou necessário “perceber e explicar a contradição entre aquilo que se disse formalmente no Ministério das Infraestruturas, pela voz do líder do Governo, e aquilo que na prática parece ter acontecido, que não corresponde”.
Segundo o presidente do PSD, “quer o conselho de fiscalização quer os responsáveis pelos serviços dizem que não foi nessa ótica que intervieram, porque não identificaram essa ocorrência criminal como o detonador para a sua entrada em cena”.
Montenegro considerou necessário “perceber e explicar a contradição entre aquilo que se disse formalmente no Ministério das Infraestruturas, pela voz do líder do Governo, e aquilo que na prática parece ter acontecido, que não corresponde”.