As imagens e vídeos dos fortes sismos que abalaram, na última segunda-feira, o sudeste da Turquia e norte da Síria, e que provocaram, até agora, quase 20 mil mortes e incontáveis desalojados, têm criado momentos de desespero e tristeza para quem assiste, apenas através dos ecrãs, à tragédia que afetou milhares de pessoas.
E como já era de esperar, estes eventos abriram novamente as discussões sobre o que aconteceria no nosso país, com intensa atividade sísmica, se uma catástrofe destas voltasse a acontecer – recordemos o sismo de 1755 que devastou o Algarve e a capital ou o terramoto de 1969 em Portugal continental, de magnitude de 7,3 na escala de Richter, o último grande sismo a ocorrer no País. Em termos de construção dos edifícios, de leis e do seu cumprimento, e também da fiscalização – que são fatores cruciais para prevenir o pior cenário no caso de um desastre destes voltar a acontecer por cá – este tema dá pano para mangas.
E se pensarmos nos primeiros socorros psicológicos, da ajuda que seria necessária em campo? Estaríamos preparados para intervir da melhor forma? Daniel Sousa, Diretor Clínico da ISPA e professor de psicologia no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, em Lisboa, garante que “temos profissionais formados e treinados para dar apoio psicológico de primeira linha”, apesar de defender que “a nível de ajuda psicológica profissional” em momentos destes, os serviços devam ser melhorados e aumentados.
“Não há dúvida nenhuma, no meu entender, da absoluta necessidade de a ajuda psicológica estar entre os primeiros apoios a dar. Estes aspetos foram estudados, e as experiências ocorridas em diferentes contextos e momentos demonstram isso mesmo”, afirma, em declarações à VISÃO.
O especialista explica que, em contexto de catástrofe, quando a necessidade de sobrevivência, que já existe quase como um dado adquirido, é ativada, o mais urgente é colocar as pessoas em segurança e “tentar estabelecer o sentido da segurança da sua integridade física”. “Estas situações não se ultrapassam num só passo, precisamos de começar pelo contacto humano e por tentar ajudar as pessoas a voltarem a estabelecer as bases da sua confiança”, esclarece.
Em relação ao contacto, que Daniel Sousa considera “essencial”, este passo deve ser dado “com calma e respeito pelo espaço do outro, uma vez que, em muitas situações, as pessoas estão em choque”. O psicólogo afirma que, em primeiro lugar, deve tentar perceber-se em que situação a pessoa se encontra para depois se poder oferecer apoio emocional e tentar ligá-la “o mais rapidamente à a sua rede familiar e social”.
“A forma como nos aproximamos de alguém que está em choque logo após retirarmos a pessoa da zona de catástrofe ou mesmo quando ainda estamos lá” é muito importante, garante o especialista. “O medo, a confusão emocional, a desorientação e a dor imperam. O apoio psicológico deve ajudar na tal transmissão de confiança que referimos”, informa.
A partir daí, quem está em campo para prestar apoio emocional deve ajudar as vítimas a perceberem quais são as suas necessidades mais urgentes, e fornecer informações essenciais relativamente ao que estão a sentir, mas de forma simples. “Desta maneira vamos ajudar as pessoas a compreenderem, elas próprias, uma panóplia de emoções e de confusões cognitivas que levam a um sentimento de maior desesperança”, garante o psicólogo, acrescentando que é crucial demonstrar às pessoas validação e empatia por aquilo que estão a passar e a sentir.
Nos casos em que há perdas de familiares ou amigos numa catástrofe como a que acabou de acontecer na Turquia e Síria, o especialista explica que as pessoas podem ficar totalmente desconectadas e ter sentimentos de falta de sentido e estranheza.”Acordamos um dia e o mundo como o conhecemos desabou. E um mundo também é a relação que tínhamos com aquela pessoa”, afirma. “Não creio que se lide de uma só forma, nem numa só fase, com uma perda num contexto destes”, acrescenta ainda, referindo também, por outro lado, que “o isolamento emocional” pode dificultar o luto. “As pessoas têm recursos internos. Por vezes, esses recursos precisam de um tempo para serem, digamos assim, ativados”.
Tão importante como o apoio de primeira linha, diz Daniel Sousa, é o auxílio que se dá mais tarde, quando aparecem novas emoções e “experiências de sofrimento”. “Também é muito importante dar informações às pessoas do que podem vir a desenvolver a vários níveis, como distúrbios no sono ou emoções que surgem, às vezes, mais tarde, como a culpa ou uma tristeza que parece não diminuir”. Confusão mental ou desorientação também são alguns sinais que podem surgir posteriormente, afirma ainda o psicólogo.
Já foram resgatadas dos escombros mais de 8 mil pessoas, mas estima-se que ainda estejam soterradas milhares. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) cerca de 23 milhões de pessoas, incluindo 1,4 milhões de crianças, terão sido afetadas pelos sismos. O sismo de maior magnitude (7,8 na escala de Richter) terá sido sentido também na Grécia, Israel, Líbano e Chipre e na Itália chegou a ser emitido um alerta de tsunami.