A defesa do homem que esteve preso durante quase oito meses pela posse do que a GNR dizia ser cocaína, mas que, afinal, não passava de açúcar em pó – como confirmaram, posteriormente, os testes realizados no Laboratório de Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária – exige o afastamento do juiz de instrução e da procuradora do Ministério Público (MP) do processo.
Já depois de ter apresentado queixa no Conselho Superior de Magistratura e no Conselho Superior do MP, a defesa apresentou agora dois requerimentos ao Tribunal de Torre de Moncorvo em que responsabiliza o juiz Ruben de Jesus e a procuradora Joana Moreira pelos “erros” neste caso.
Nos requerimentos apresentados, a que a VISÃO teve acesso, o advogado João Peres avisa que “irá responsabilizar” o juiz de instrução “pela prisão preventiva, sem justificação legal”, do suspeito, e considera que a procuradora do MP responsável pelo processo “não tem condições para continuar a exercer a sua função no presente”. “É mais que previsível que o Estado português venha a ser condenado pelo que aconteceu [neste processo]”, lê-se no documento.
Recorde-se que Manuel Lourenço Gomes, 46 anos, foi detido pela GNR de Torre de Moncorvo, no dia 31 de maio de 2022, junto à localidade de Barracão, Valpaços, pela posse em flagrante de 32,637 gramas de cocaína, que teriam sido encontrados envolvidos em papel de alumínio, no interior do porta-luvas da sua viatura.
O suspeito terá explicado ser “diabético” e que o produto encontrado era “apenas açúcar”, reservado “para alguma emergência”, explicação que não convenceu os militares. Segundo o relatório da operação policial, a que a VISÃO teve acesso, terá sido feito um teste rápido, numa farmácia local, que concluiu que o pó detetado era cocaína. O suspeito ficou em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Bragança, mas, em novembro, já passados (longos) quatro meses, o LPC da PJ, no Porto, confirmava que, afinal, o produto apreendido não era cocaína nem qualquer outra substância ilícita – mas, de facto, açúcar em pó.
Apesar destes novos desenvolvimentos, o Tribunal de Torre de Moncorvo (da Comarca de Bragança) decidiu manter a prisão preventiva como medida de coação; o MP de Torre de Moncorvo, por sua vez, também prosseguiu na teoria da culpabilidade de Manuel Lourenço Gomes, passando a incluir o seu nome no processo 18/20.7GATMC, com mais oito acusados por posse e tráfico de droga.
Logo no segundo dia útil, após a VISÃO ter divulgado, em primeira mão, esta história – publicada na edição de 19 de janeiro –, o MP propôs a revisão da medida de coação do suspeito, o que seria confirmado pelo juiz 72 horas depois: no dia 27 de janeiro, Manuel Lourenço Gomes saiu, finalmente, em liberdade, passando a cumprir apresentações periódicas às autoridades (duas vezes por semana). Depois de oito meses atrás das grades.
Entretanto, estava agendado para esta quarta-feira o início da instrução do processo (em que são acusados Manuel Lourenço Gomes e mais oito pessoas por posse e tráfico de droga), mas a sessão no Tribunal de Torre de Moncorvo seria adiada pelo juiz de instrução, Ruben de Jesus, na sequência dos incidentes de recusa – como se designa os pedidos que visam assegurar as regras de independência e imparcialidade no julgamento –, apresentados pela defesa.