Foram precisos quase nove anos e seis acórdãos para o sistema judicial português perceber que a adenda ao Código Penal que prevê penas de prisão para quem causar sofrimento a animais de companhia é (provavelmente) inconstitucional. O artigo 357º, um aditamento publicado em agosto de 2014, tem sido aplicado em processos de maus-tratos a cães e gatos (que ainda não resultaram em penas de prisão), mas muitos casos esbarram na fragilidade da legislação, devido a dúvidas levantadas pelos juízes do Tribunal Constitucional (TC).
O último episódio a evidenciar essa fragilidade enfureceu muita gente e redundou numa manifestação com milhares de pessoas, em Lisboa, no sábado, 21, organizada pelo grupo IRA (Intervenção e Resgate Animal). Ironicamente, este episódio não foi provocado por dúvidas constitucionais, mas sim porque o Ministério Público (MP) não conseguiu demonstrar que as responsáveis de dois abrigos ilegais onde morreram 88 cães e quatro gatos, num incêndio em Santo Tirso, tinham a intenção de fazer mal aos animais, que é um dos requisitos da lei. “Estas arguidas têm a convicção de que estão a proteger os animais de agressões externas, designadamente de violência e de atropelamento, e que lhes proporcionam melhor trato do que se estiverem na rua”, escreveu a procuradora Susana Valverde, para justificar o arquivamento, a 28 de dezembro, pondo assim um ponto final numa investigação de dois anos e meio, que arrancara com uma queixa-crime do PAN.