O Ministério Público voltou a adiar o encerramento do chamado processo do “saco azul” do Benfica, que investiga suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Segundo informações recolhidas pela VISÃO, o procurador da 8ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa responsável pelo caso voltou a pedir mais tempo para fechar o processo, tendo-lhe sido concedidos mais 30 dias. Ao mesmo tempo, em dezembro do ano passado, o magistrado do MP recusou a proposta da SAD do Benfica para uma suspensão provisória do processo, isto é, o clube pagaria impostos em atraso e o caso ficava encerrado.
Desta vez, o procurou pediu os tais 30 dias para finalizar o despacho final, alegando estar a trabalhar em “processos complexos de natureza prioritária” e, de certa forma, queixando-se do “anormalmente elevado” número de novos processos entrados. O pedido foi, novamente, aceite pela Procuradoria-geral da República.
Perante este cenário, o caso já conta com cinco adiamentos para a sua conclusão, os quais começaram em setembro de 2021, com a Procuradoria a decidir dar seis meses para fechar o processo. Porém, chegados a março de 2022, a Procuradora-geral, Lucília Gago, reverteu a decisão, concedendo “um novo prazo de seis meses para a conclusão do inquérito, com fundamento de realizar outras diligências que se mostrem úteis à descoberta da verdade”.
As tais “diligências úteis” não devem ter acontecido, porque, em setembro de 2022, o procurador do processo ganhou mais 60 dias para terminar a investigação. Só que, terminado o prazo a 13 de novembro o mesmo procurador veio dizer que, afinal, não conseguiu concluir o inquérito devido à “distribuição de serviço de outros processos de natureza urgente, com arguidos presos, que merecem prioridade no seu encerramento”. A Procuradoria deu-lhe mais 60 dias, os quais terminariam em janeiro deste ano.
Em novembro do ano passado, os advogados do Benfica- João Medeiros, Paulo da Matta e Rui Patrício- reagiam assim ao quarto adiamento: “Para nós é absolutamente incompreensível e é injustificável mais um adiamento, ainda para mais seguido a vários outros adiamentos anteriores. Com a agravante de que a investigação já foi concluída (concluída aliás duas vezes) há bastante tempo, e a defesa até já apresentou no processo, mais do que uma vez, uma hipótese de solução (para o caso de não se concluir, como se deve, pelo arquivamento) para tornar mais simples e célere a resolução de um processo que em si mesmo não tem nenhuma especial complexidade, como aliás as conclusões da investigação demonstram. Portanto, não compreendemos, e cremos que ninguém compreende este constante arrastar de uma situação processual de indefinição, pois não há para ela quaisquer razões objetivas e atendíveis, a nosso ver. “
Cinco anos de investigação e assinaturas “de cruz”
A investigação ao chamado caso do “saco azul” do Benfica teve início em 2017, depois de uma comunicação do banco BIC às autoridades relativa a movimentos suspeitos na conta de uma empresa, a “Questão Flexível, Lda”. À medida que entravam “valores avultados” com origem nas sociedade “Benfica SAD” e “Benfica Estádio”, os mesmo eram imediatamente levantados ao balcão através de cheques em caixa.
“Indicia-se suficientemente nos autos que estas sociedades, a coberto de uma suposta prestação de serviços de consultoria informática, realizaram várias transferências bancárias para uma conta titulada por uma outra sociedade”, num valor total de cerca de 1,9 milhões de euros, montante que acabaria “por ser levantado em numerário”, referiu o Ministério Público, em junho de 2018, aquando das primeiras buscas realizadas no âmbito deste processo.
Entretanto, Luís Filipe Vieira, Domingos Soares Oliveira (como representantes legais da SAD e da Benfica Estádio), Miguel Moreira e o empresário José Bernardes, dono das sociedades “Questão Flexível”, “Dynethic” e “Best for Business”, e José Raposo foram constituídos arguidos.
Um relatório final da Polícia Judiciária refere que, entre dezembro de 2016 e agosto do ano seguinte, a “Questão Flexível” beneficiou de transferências da Benfica SAD e da Benfica Estádio num total de 1,8 milhões de euros. Através de cheques emitidos em nome de José Raposo, arguido no processo, posteriormente endossados a Paulo Silva, também constituído arguido, foram levantados em numerário 1,7 milhões de euros, entre agosto de 2016 e julho de 2017.
Para justificar legalmente os pagamentos à “Questão Flexível”, refere a Judiciária, a Benfica SAD e a Benfica Estádio celebraram quatro contratos de prestação de serviços. Do lado dos “encarnados”, foi Miguel Moreira, antigo diretor financeiro do clube, quem assinou os acordos. Porém, e apesar de se tratar da prestação de serviços informáticos, o diretor de Sistemas de Informação do grupo Benfica, João Copeto, que tinha funções de coordenação e desenvolvimento dos sistemas de software, assumiu “desconhecer estes quatro contratos, acrescentando não ter tido qualquer participação na elaboração dos mesmos, quer em termos técnicos, quer em termos de negociação de valores”, refere a Polícia Judiciária.
“Da análise aos quatro contratos e respetiva faturação, verifica-se que, no mesmo dia, foram emitidas faturas relativas a três contratos (…), sendo que num deles o valor total foi liquidado dois anos antes do prazo de conclusão”, sublinha a PJ no relatório final.
A Judiciária salienta ainda que as faturas relativas aos supostos serviços prestados pela “Questão Flexível” eram apenas enviadas a Miguel Moreira, enquanto outras faturas de empresas ligadas a José Bernardes passavam também por outros quadros do Benfica ligados à contabilidade.
E para sustentar a suspeita de que o dinheiro regressava ao Benfica, o relatório da PJ descreve um email apreendido a José Bernandes: “Por cada valor faturado ao Benfica (sem IVA), José Bernardes ficava com 11% do valor da fatura e devolvia o restante (89%) ao Benfica”, indicando como prova “email remetido por José Bernardes a si próprio no dia 16 de junho de 2017”.
Ouvido na qualidade de arguido, como legal representante da SAD, Luís Filipe Vieira, ex-presidente do clube, “referiu que confia nas pessoas que trabalham no Benfica e que não tem tempo para analisar todos os contratos que tem que assinar”, escreve a Judiciária. Já o administrador executivo Domingos Soares Oliveira afirmou conhecer empresas que prestaram serviços informáticos ao Benfica, como a Microsoft, a Mckinsey e a SAS Portugal, mas “desconhece em absoluto quem sejam a ‘Questão Flexível” e José Bernardes”, empurrando para Miguel Moreira a responsabilidade.
E resume a PJ: “A estratégia de defesa utilizada por Luís Filipe Vieira e Domingos Soares de Oliveira, de que assinaram de cruz os respetivos contratos e de atribuírem a Miguel Moreira o conhecimento do serviço contemplado nos mesmos não colhe em face dos factos apurados na investigação”.
É que se o Benfica assinou contratos com empresas conhecidas e com reputação no mercado, o mesmo não acontecia com a “Questão Flexível” que, como descreve a PJ, “dispunha apenas de um funcionário, o sócio-gerente, José Bernardes, os contratos eram de valores muito elevados para a prestação de serviços iguais” aos contratos, por exemplo, à Microsoft, Mckinsey, entre outras; e, por fim, os relatórios trimestrais que a empresa enviava tinham sido “plagiados dos trabalhos desenvolvidos pelas outras empresas, que efetivamente trabalharam nos projetos do Benfica”.
Para a PJ, os arguidos “gizaram um plano criminoso” assente na imputação fictícia de custos às sociedades”, por isso está em causa um crime de fraude fiscal qualificada. A Judiciária, contudo, afirma não ter sido possível “apurar as circunstâncias em que os referidos montantes regressaram ao Grupo Benfica, nem tão pouco a quem é que estes foram efetivamente entregues e qual o seu destino final, nomeadamente se para fins lícitos ou ilícitos”.