A cerca de duas semanas de completar 88 anos, Helena Sacadura Cabral desfia uma história de vida, na qual sempre se recusou a fazer o papel de atriz secundária. Assume que, desde cedo, mostrou engenho a negociar o seu futuro – e a, assim, conseguir evitar aquilo que um pai conservador lhe destinava. Cimentou uma carreira de economista num universo quase exclusivamente masculino, onde nunca se sentiu menosprezada. Antes pelo contrário. “Gosto muito de ser mulher, mas tenho consciência de que profissionalmente sou muito mais parecida com um homem”, admite, em entrevista à VISÃO, onde revela que o seu novo livro pode também ser o último, de uma longa fornada literária que ultrapassa já as 40 obras. Mas a veia criativa da escritora e cronista, a quem a esquerda (ingloriamente) terá desafiado muitas vezes a entrar na vida política ativa, espelha-se agora no Twitter, rede social onde, além dos acirrados bate-bocas com políticos da praça, é seguida por milhares de pessoas. Apesar de tal percurso, prefere ser lembrada como “a mãe de Miguel e Paulo Portas”.
Habituámo-nos – através das crónicas e dos livros – a uma Helena Sacadura Cabral direta, frontal e decidida na opinião e na luta pelos seus objetivos. Sempre teve esta faceta?
Sim… [Risos.] Já na juventude era assim. Quando terminei o liceu comecei logo a ter problemas em casa, porque confrontei o meu pai, que queria casar-me com um homem mais velho, que ele já tinha escolhido e que, na altura, eu nem sequer conhecia. Disse-lhe logo que tinha outros planos, que queria continuar a estudar. O meu pai, que já era um “pai velho” – quando os meus pais se casaram, ele tinha 34 anos e a minha mãe apenas 17 (o que seria hoje!) –, não concordava. Admitia que aprendesse francês, alguma coisa de música, mas depois tinha de me casar. Era mesmo assim, naquela época… As mulheres casavam-se até aos 21 anos ou, então, já ficavam para tias. Mas disse-lhe: “Pai, nem pense nisso, quero continuar a estudar!” Lembro-me de que a discussão foi grande. Mas a minha mãe – uma mulher à frente do seu tempo – aconselhou-me a ter calma e explicou-me como resolver as coisas, “não pela força, mas pela habilidade”. “Diz ao teu pai que tratas da tua vida, que não precisas que ele te pague as propinas, e depois concorre a uma bolsa, que tens média para isso”, aconselhou-me. E foi o que fiz, não pedi dinheiro ao meu pai e ele acabou por se render – e foi como bolseira que frequentei e concluí o meu curso.